quarta-feira, 9 de março de 2016

“De cada um segundo sua capacidade. A cada um segundo sua necessidade.”


Outro dia, na CCS/A, no nono, na UERJ, consultava “Liberalismo e Democracia”, de Norberto Bobbio, e “O Liberalismo Político”, de John Rawls.
Bobbio, após tanto contorcionismo de reverência à boa consciência, conclui, a contragosto, que, no liberalismo, por mais que se tente, liberdade e igualdade são incompatíveis, pois a substância daquela é a diferença que se concretiza, naturalmente, na desigualdade.
Já Rawls entende “a justiça como equidade como uma forma de liberalismo político”. E sua viabilidade decorreria de um “pluralismo razoável”, “doutrinas abrangentes profundamente opostas”, porém, factíveis, e que acabam por conviver, endossando “a concepção política de um regime constitucional”. É o liberalismo político que tenta encontrar respostas sob a forma de um consenso. Rawls aponta a historicidade do processo. Considera que a modernidade conhecera um fenômeno novo na história: a Reforma do século XVI, produzindo uma fratura no cristianismo medieval e criando um choque entre “religiões salvacionistas, doutrinárias e expansionistas”. Neste contexto, a gênese do liberalismo em geral, com “as longas controvérsias sobre a tolerância religiosa nos séculos XVI e XVII”. Dizendo melhor: a coexistência de heresias que se excluem. Segundo Rawls, é a partir dessa experiência histórica, na construção de instituições liberais no tempo, que o “pluralismo razoável” demonstra ser possível garantir “a unidade e paz social”, pois, até então, apenas a intolerância era a garantia.
A ilação que se extrai, tanto de Bobbio, quanto de Rawls, é que a tolerância, que viabiliza a liberdade, exige um consenso entre heresias relativamente ao inegociável. Chegamos ao limite. Nada pode ser feito além da “equidade como justiça”. Mas, equidade não é igualdade nem poderia ser, pois se fosse, o liberalismo mataria aquilo que o fundamenta que é a liberdade baseada na diferença que, em consequência, produz a desigualdade, o que é muito natural, daí uma sociedade hierárquica e com a justiça possível.  O que temos, portanto, em sua reprodução social, é uma organização do trabalho para a produção de um excedente que é apropriado de acordo com uma sociedade com estrutura de classes. Não há aqui nada garantido. A dinâmica social é uma luta constante por maior participação das classes na apropriação do excedente socialmente produzido. O conflito distributivo é permanente e nunca será superado porque a liberdade exige sempre hierarquia e desigualdade.
Aí,vem o Velho Alemão é escreve a síntese magistral em ‘Crítica do Programa de Gotha”:
“De cada um, segundo sua capacidade. A cada um, segundo sua necessidade.”
A produção material da sociedade não está condenada a organizar a força de trabalho para um excedente apropriado desigual e hierarquicamente. Cada um contribui com sua capacidade, mas consome e utiliza o que precisa, de tal modo que o excedente produzido dará pra satisfazer a necessidade de todos. Ingenuidade?
Uma coisa que o Alemão não era. Assim como muitos outros. Polanyi também escreveu que a Revolução Industrial passa a organizar a sociedade numa ampla economia de mercado, em que tudo é comprado e vendido. A fome e o lucro passaram a fundamentar a motivação econômica como a maior de todas, a premissa social, por excelência, tal como, no passado, “a coragem para o cavaleiro, a piedade para o sacerdote, o brio para o artesão”.
O jogo político está tenso. Ficamos mesmo reduzidos a uma disputa em torno de forças que melhor se habilitam à gestão de uma democracia liberal - de marchas e contra-marchas, em que o regresso é sempre uma possibilidade - agravada ainda mais pelas especificidades de um capitalismo tardio?

SRN

Nenhum comentário:

Postar um comentário