sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Bolsonaro não é Gandhi

Clássicos da Política, de Francisco Weffort, faz parte da bibliografia introdutória em história e ciências sociais. Clássico é clássico justo porque continua válido. E Hobbes, inglês do século XVII, integra o volume um com referências a Leviatã. Primeiro contratualista, enxergava o estado de natureza como guerra civil, reconhecia a necessidade do Estado, absorvendo prerrogativas, regulando a comunidade, reservando-se a violência. Bolsonaro, na Aman, pode não ter lido Hobbes, ou se leu, devia achá-lo literatura barata. Segundo o ex-capitão e deputado, todos temos direito de acesso livre às armas. Não é só o bandido no ônibus, mas também os passageiros, prontos para reação necessária. Mas, o que importa agora é repudiar a violência como recurso político, sem, entretanto, abrir mão de contextualizá-la e falsificar a realidade. A facada em Bolsonaro pode ter sido apenas uma ação isolada. O fato, porém, não é, faz parte de uma construção, um discurso social com Bolsonaro em posição de protagonista. O desequilibrado que o atacou está imerso no ambiente de ideias políticas que pregam o fuzilamento de Fernando Henrique, a suspeição quanto à veracidade dos tiros na caravana de Lula, a limpeza à bala dos esquerdopatas do Acre para a Venezuela.


Bolsonaro não é Gandhi. Ou a camisa preta com desenho de um fuzil de um dos seus seguidores em vigília e oração na porta do Albert Einstein lembra a bata do líder pacifista assassinado?

SRN

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

O Globo não será um NYT

Assinante de O Globo, decidi-me pelo impresso, diário. Julguei que a cobertura dos porões clandestinos de Temer representava um marco, muito mais do que a contrição revisionista pelo apoio à ditadura, em editorial que não cansa de ser usado por Bolsonaro, de resto, como ironia. Não vejo como, a propósito, na cobertura diária mais do que evidente, da piada que parte dos cariocas inventou pra se divertir com o interior paulista receber de O Globo o tratamento que o New York Times conferiu ao original norte-americano. "Pode ser um conforto limitado nesta época caótica, mas os americanos devem saber que há adultos na sala" é parte do trecho de fonte anônima do governo do Donald que o NYT resolveu publicar pesando o interesse público e concluindo "a única maneira de entregar uma perspectiva importante aos nossos leitores." E o que faz O Globo? Diante de um irresponsável, leviano, até infantil, de que é exemplo o episódio da "metralhadora" no Acre, prestes a ameaçar ir ao segundo turno, prefere investir contra a UFRJ apenas para não afastar-se do manual de regras que obriga as pautas a trazerem sempre a criminalização da política e a desqualificação de quem discorda de que o Contrato Social não cabe mais no PIB. Digamos que haja, de fato, crítica a ser feita à reitoria da UFRJ. Mas, certamente, nada tem da leviandade que o jornal demonstra tentando imputar a filiação política do reitor ao PSOL, bem como aproveitar também o incêndio do Museu Nacional ao fato deste não estar entregue exclusivamente ao mercado.
Certo, O Globo é uma empresa, com interesses de mercado. Ocorre que trata-se também de um tipo muito especial de empresa, a respeito de cuja mercadoria podemos dizer que é muito melhor comerciada nos termos embalados pelo Times, ou para recuarmos no tempo, aqui mesmo na nossa Cidade, no clássico JB, igualmente liberal. 
Ciro não é Brizola, cuja presença faz falta pela estatura em meio a tantos nanicos de um contexto mesquinho no qual a Bíblia é mais citada em política do que a Constituição. Seria bom vê-lo eleito. Como seria bom também em que, mudada a realidade, cabe o revisionismo da má avaliação legada pelo Lulismo conciliador. Ou "Lula livre" ou "Lula mito". Cassada a candidatura, negada a liberdade, Lula alimentará o próprio mito, "virando cada vez menos uma pessoa e mais e mais uma ideia", preso em Curitiba. Não admitirá ser substituído na chapa. Pouco importa a vitória de Haddad. Ou "Lula livre" ou Lula na oposição, preso, até sua prisão constituir um fato político insuportável, inviabilizando o governo de quem quer eleito. Para o Brasil, "Lula mito" é melhor do que a candidatura de Haddad. Um questionamento e uma trava ao avanço de uma ordem autoritária, tirante à barbárie. Já ajuda.
SRN