quinta-feira, 28 de abril de 2011

Perdemos a Copa de 50 Porque Deus, Mais do que Brasileiro, é Carioca

Por Anselmo Gonzaga Bastos


Máximo:

Conheço o livro a que se refere, "Lance de Sorte: o Futebol e o Jogo do Bicho na Belle Époque Carioca", de Micael Herschmann e Kátia Lerner. Decerto, excelente. Gostaria, se possível, me fizesse a gentiliza de publicar-me a postagem. Pois muito bem:

A prática do futebol significa um processo que combina equidade, disciplina e catarse, e o resultado, seja lá qual for, é uma mera consequência, sem prejuízo da pedagogia que propiciou a convivência.

No futebol, a equidade manifesta-se em regras claras, estáveis, iguais para ambos os times. A disciplina que o treinamento exige para o bom desempenho também caracteriza um espaço, o único espaço possível para o exercício e a recompensa do mérito de quem está na base social. Além da catarse: no estádio o palavrão, o choro, o espasmo são livres e recomendados para compensar a frustração e a tensão represadas no cotidiano de uma vida árida.

Norberto Elias afirma que política e esporte concorreram para a estabilidade institucional inglesa. Atribui à "parlamentarização" e à "esportização" a combinação fundamental em que o inglês, "na retórica e na persuasão do parlamento e na perícia e na força do esporte", aprendeu a perder e "a viver em uma sociedade baseada no auto-controle".

Não há dúvida: o esporte moderno da era industrial veio com a função de alienar os dominados. Equidade, disciplina, catarse. Três palavras-chave no controle social pretendido pela nova ordem dominante, destinado à massa trabalhadora.

No Brasil, dialeticamente, um produto importado, branco e elitista se distribui pelas fábricas para a prática do lazer entre operários.

O insucesso pedagógico talvez se revele com evidência na derrota de 50. Não sabíamos perder. O estigma daquela Copa exige uma renovação catártica a cada quatro anos, a despeito dos cinco títulos mundiais. Percebo nela, entretanto, o que eu chamaria de uma antipedagogia paradigmática. Assim como o malandro que desconfiava do discurso oficial, sabia que, numa sociedade de privilégios e desleal, corria sério risco se se dispusesse a cumprir regras, a derrota de 50 me parece que interrompeu um processo de domesticação ao capital, com resistência particular entre os cariocas, sede da Copa e da fragorosa derrota, de cuja estratégia o futebol constituía parte importante.

Essa chave analítica que vislumbro encontra seu antagonismo na derrota de 82. Mas isso é outro papo.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Além do Horizonte: 3 x 0: Galhardo, Deivid e MESSI

Por Máximo
 
Melhor jogo nosso no ano. 

Posse de bola tranquila, com 3 ou 4 chances pra acabar com o jogo ainda no primeiro tempo. 1 x 0 apenas, com Galhardo repetindo Ronaldinho Gaúcho em 2002, num gol sem querer.

Tiago Neves  arrebentando. 

Grande Willians. Dizer mais o quê?

Agora, Deivid... vá lá, tá tranquilo...

SRN

"Lance de Sorte: o Futebol e o Jogo do Bicho na Belle Époque Carioca"

Por Máximo

"Lance de Sorte", de Micael Herschmann e Kátia Lerner, é um livro excelente. Seu título completo já diz ao que veio: "Lance de Sorte - o Futebol e o Jogo do Bicho na Belle Époque Carioca". Este blog, pois, nada mais faz do que o justo: divulgar uma bela fonte para o entendimento da nossa cidade, acima de tudo Rubro-Negra.

O trecho que transcrevo a seguir é uma preliminar, uma espécie de jogo de juvenis,  mais ou menos como se fazia quando o futebol era às cinco da tarde, no Maracanã, com o tape reproduzido à noite na antiga TVE.

Reparem a frustração do caráter pedagógico pretendido com a implantação do futebol, no esforço da nova ordem de domesticar o carioca e adestrá-lo ao ritmo do relógio do capital. Antes de um instrumento de dominação ideológica, o futebol acaba apropriado pelo carioca que se recusa à domesticação. 

SRN

HERSCHMANN, Micael e LERNER, Kátia. Lance de Sorte: o Futebol e o Jogo do Bicho na Belle Époque Carioca. Rio de Janeiro, Diadorim ed., 1993, p32-34.





Equidade e Simulacros

Poderíamos nos questionar, a esta altura, sobre os motivos que levam as pessoas a se envolverem tanto com os esportes quanto com os jogos de azar. Que elementos atrativos traria o ludus em si? E mais: a ambiência do Rio de Janeiro teria contribuído para o fortalecimento de alguns jogos?

 Walter Benjamin, em seu artigo "Brinquedos e Brincadeiras", defende a tese de que as brincadeiras são uma possibilidade de treinar para a "vida real", quantas vezes sugira a vontade do praticante. Segundo o autor, ao realizá-la, a criança não apenas "(...) assenhora-se de experiências terríveis e primordiais pelo acontecimento gradual, pela evocação maliciosa, pela paródia, mas (...) [também saboreia] repetidamente de modo mais intenso as mesmas vitórias e triunfos (...)"[1]. A simulação de um acontecimento da vida real proporcionaria não apenas a experiência do prazer por uma eventual vitória, mas a repetição em si ofereceria uma possibilidade de alívio através da vivência do fato, bem como a possibilidade de treinamento. O autor cita ainda uma frase de Goethe: “tudo seria perfeito se pudéssemos fazer duas vezes as coisas”. Desse modo, pela repetição o homem se descobriria e “desvendaria” o mundo.

Outro ponto crucial para a prática e a produção de um clima de “encantamento” durante o jogo é a sensação de equidade que este proporciona; os jogadores, a princípio, disputam as partidas com igualdades de chances e possibilidades. Sem esse dado é rompida a relação entre os jogadores, ficando muito difícil o desenvolvimento do jogo. Em outros palavras, o jogo exercerá seu fascínio desde que os jogadores acreditem que as regras serão respeitadas, e que, portanto, poderão ter alguma chance de serem bem sucedidos.

Reportando-nos ao quadro social em questão, podemos dizer que o jogo representava, entre outras coisas, um canal raro para a vivência de alguma equidade. O discurso liberal e democrático constituía-se em fachada para a prática autoritária. Em contrapartida, a experiência do jogo dentro daquele contexto desigual era realizada com alguma segurança e prazer pela sociedade carioca. Isto era verdadeiro no caso das camadas menos privilegiadas da população, que se encontravam completamente alienadas de qualquer participação no plano institucional (seja no âmbito político, social ou econômico) diante de um Estado excludente, que governava de “cima pra baixo” segundo os interesses do complexo cafeeiro e do capitalismo internacional. Sempre que a elite dirigente se via ameaçada pelos outros extratos da população, burlava as “regras do jogo”, uma atitude, aliás, bastante comum ainda hoje.

“E a deslealdade está em toda parte, parece idiota respeitar as regras e convenções, pois já não se trata de um jogo, mas a luta pela existência.” [2]

Essa luta pela sobrevivência das camadas mais pobres da população do Rio de Janeiro ficou caracterizada por uma atitude, como observa J. Murilo de Carvalho, “bilontra”[3], ou seja, por uma desconfiança em relação a tudo que pertencesse à esfera oficial.[4]

Nesse momento, a entrada em cena do passatempo do esporte, basicamente os elaborados pelos ingleses, é imperativa como válvula de escape emocional para essas sociedades. Ali, os indivíduos simulam vitórias ou derrotas e extravasam emoções, o que a rotina diária castradora não lhes permitiria. Arriscar-se no espaço do jogo não representava perigo ou possibilidade de fracasso para o indivíduo.

Diante desse quadro, a elite dirigente se colocava frente à tarefa de organizar a sociedade, a começar pela sua cidade (modificando o traçado urbano), atuando no âmbito da saúde, do trabalho e do lazer.[5]



[1] BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas. Magia, Técnica, Arte e Política, São Paulo, Brasiliense, 1987, p.253
[2] CARVALHO José Murilo de.op.cit. O autor sugere que, ao contrário do que aparentava aos “homens fortes da República, que classificavam como “bestializadas” as atitudes dos populares na capital, suas atitudes eram muito oportunas ao não seguir as regras provenientes da esfera institucional. Seguir essas regras, no caso, seria ser ingênuo, não sobreviver, ou seja, aí sim ter uma atitude “bestializada”.
[3] Ibdem.
[4] Em oposição à conduta exemplar proposta pelo Estado, temos a figura do malandro, um misto de herói e bandido popular. Aliás, “ser malandro”, torna-se, de certo modo, uma forma paradigmática de agir de toda população, uma questão de sobrevivência no Brasil. Ver MATTA, Roberto da. Carnaval, Malandros e Heróis. Para uma sociologia do dilema brasileiro, Rio de janeiro, Zahar ed., 1979.
[5] Ao definir o perfil do “bom cidadão”, modelos de conduta no espaço público e privado, o Estado da República Velha definiu também  fronteiras a partir das quais vários indivíduos foram jogados na ilegalidade. A lei de vadiagem (1890) e a Lei do Jogo (1860 e de 1889, mais rigorosa) são belos exemplos dessas fronteiras. Um dado, entretanto, mostra que o intuito do Estado ao formular essas leis mais uma vez não era a equidade, tão pregada pelos discursos liberais. A lei que tentava “coibir a vadiagem” se dirigia apenas para aqueles que não tinham como prover seu sustento por outros meios. As leis que proibiam os jogos qualificados como de “azar” toleravam, em contrapartida, os prados e as jogatinas promovidas pelos cassinos. A ação e o discurso do Estado apresentavam claramente pesos e medidas diferenciados segundo o grupo social.
Essas leis, no entanto, não abrangiam os esportes. Não havia, a princípio, uma preocupação em oferecer uma orientação para o lazer associado à prática do desporto. Até o aparecimento do futebol como esporte popular, em meados da década de 10 do século XX, a orientação do Estado se fez sentir em várias esferas da vida privada, mas não havia uma determinação claramente esportiva. Esportes como remo, cricket, natação, ciclismo e mesmo o futebol (no início) não suscitavam maior interesse. As atividades como capoeira, briga de galo e jogo do bicho eram mais atraentes, apesar do esforço do Estado em condená-las e combatê-las. O processo que deveria “civilizar” o país baseando-se no auto-controle do indivíduo apenas “engatinhava”.

sábado, 23 de abril de 2011

São Jorge Carbono

Por Máximo



Numa acepção feita nas coxas, ethos seria mais ou menos um padrão cultural de instintos e emoções que determinada comunidade adota quanto a valores e eventos.

A propósito, é o que ocorre ao 28, que anda muito reacionário. Acaba de me mandar um e-mail falando que arrumara uma perna nova, feita de liga de carbono. Perguntei onde arranjara dinheiro e ele me respondeu que usara o ethos nacional que lhe facilitara a troca de um rim subutilizado pela perna nova de liga de carbono. Chegou a me dizer que dá pena de usá-la. Prefere evitar de sair e passa horas a admirá-la pendurada no suporte novo que mandara instalar na parede onde antes havia um prego de pendurar a muleta velha.

"É o seguinte esse nosso iberismo, meu irmão. Hoje que é dia de São Jorge vale mais ainda agradecer ao personalismo que me levou à pessoa certa. Ofereci o rim e levei a perna. Maravilha."

28 me fez lembrar o que li outro dia. Uma entrevista do Luis Werneck Vianna em que este trata justo da redenção do iberismo feita pelo Lula quando chega ao poder. Filho de uma experiência "americanista", de rejeição ao trabalhismo varguista de concessão vinda de cima, Lula e o sindicalismo do ABC representaram, durante a década de 70, um movimento que se pretendia efetivamente "orgânico", gestado no intestino da sociedade.
Como ficaria nossa tradição colonial, feita de personalismo, paternalismo e clientelismo, responsável por vários modos de integração alternativa? Caminharíamos rumo a um ethos anglo-saxônico, puritano, de uma organização social baseada na impessoalidade?

28 já sabia que eu lhe faria tais perguntas e esperou. Esperou extasiado olhando pra sua perna nova.

"O problema de sujeitos como você, que acham que virar intelectual é passar alcool nas ideias, deixando tudo muito asséptico, como freiras de puteiro, o que você quer, meu irmão? Uma solução que cancele a nossa historicidade e venha "reformar" com escovão e rodo, mandados comprar fora?

Repare como nas perguntas que você faz já está implícito um pressuposto de inferioridade, uma hierarquia classificatória, botando o puritanismo como um valor superior, um objetivo a ser alcançado rumo à prevalência do coletivo à base do impessoal?

Meu sonho, depois desta perna obtida graças ao mais atrasado de nosso iberismo, é ver aquela multidão de evangélicos, lotando o Maracanã, sem pressa de afastar os caboclos arriados perto dos pastores ao lado do Macedo."

Uma boa páscoa pra vocês aí."

Pra você também, 28.

SRN

domingo, 17 de abril de 2011

Nas laranjeiras não existe a grandeza de Olaria

Por 28



Pequeno por pequeno, a fauna das laranjeiras nem de longe tem a grandeza do time de Olaria.

Paciência.

Ao menos, emprestaremos dignidade aos alugados da terceira divisão.

SRN

Polanyi Não Jogou Bola Descalço

Por Máximo



A leitura do excelente "A Nossa Obsoleta Mentalidade Mercantil", que me foi emprestado pela Cátia, pode permitir conexões com o mundo da bola.

Polanyi escreve seu livro de referência em 1944, quando o capitalismo expõe suas vísceras podres sobre os milhões de cadáveres que produz.

O artigo acima é publicado em 1978, em Portugal,  na extinta Revista Trimestral de História e Ideias.


34 anos separam os textos e Polanyi ainda acredita na volatilidade do capitalismo. O argumento excelente condena a perspectiva utilitarista (compartilhada, de resto,  por marxistas e liberais): fome e ganho não são sentimentos mais econômicos do que, por exemplo, o amor e o ódio. A fome, que ameaça o trabalhador sem outra alternativa senão vender-se como força de trabalho, e o ganho, que motiva o lucro do burguês, se não são sentimentos intrinsecamente econômicos, não resta dúvida de que, uma vez mobilizados utilitariamente, produziram um dinamismo econômico sem prescendentes históricos relativamente à obtenção de riqueza. O próprio Marx reconhece a capacidade inédita do capitalismo na produção da riqueza material. O problema é a sua apropriação.

Polanyi argumenta:


"Aquilo que levou o século XIX a pensar a fome e o ganho como "econômicos" foi simplesmente a organização da produção sob a égide de uma economia de mercado."

Adiante então é possível pensar que, assim organizada, a economia de mercado pode ser desorganizada e voltar a economia a um apêndice do sistema social, exatamente como sempre na história. Minha dúvida surge aqui e também a conexão com o mundo da bola?

O leão, até então criado como um vira-lata, prova o gosto de sangue, devora o seu dono e não para mais. Não cabe a analogia com as reações e sensações produzidas pela economia de mercado industrial?


Polanyi nunca jogou bola na rua descalço. Mas, todo peladeiro que se preza, insiste em ver o futebol como prazer, esquecendo-se de que no mundo da bola profissional o espetáculo é um engodo muito bem publicizado para o faturamento bilionário do capitalismo das marcas esportivas.

Minha dúvida: alguém acredita possível um futebol que sacrifique o resultado em favor da estética?


SRN

sexta-feira, 15 de abril de 2011

O que é ser Rubro-Negro?

Por Jackson Muniz Freire



Caro Máximo:

Quanto mais eu leio, maior é o cuidado que começo a ter com as palavras. As palavras nunca foram ingênuas, mas no cotidiano não oferecem muito risco: são como um mergulho numa piscina. Agora, quando andam com a história, em meio a teorias, métodos, nos colocam à beira de um precipício: qualquer deslize, um abraço.

O que é ser Rubro-Negro?

Uma pergunta cuja resposta, quando a minha ignorância era ainda pior, eu respondia de primeira. Era um essencialismo com caráter quase biologicista. É óbvio que há algo de degeneração genética no fato de se ser tricolor, vascaíno ou botafoguense. Mas, ainda estou sem disposição para esse tipo de leitura, do contrário acabaria como o Antônio Magri, eletricista e ministro do trabalho do governo Collor, ao ser perguntado se costumava ler:

"Ler muito confunde as ideias."

Magri poderia, de resto, ser o orientador de nosso grupo de estudos  marxista de botequim em frente à UERJ. Diante de tantas linhas e correntes, o eletricista certamente nos recomendaria que escolhêssemos apenas uma, a mais simples, de fácil digestão.

Talvez o mais importante seja investigar o que nos leva a nos reconhecermos como Rubro-Negros. O que há no Manto Sagrado?

Somos de um tempo de uma figura hoje mítica: Geraldo, assobiador. Negro rebelde, na linha do PC Caju, Geraldo morreu, aos 22 anos, numa operação de amígdalas, em 1976. Subiu junto com o Zico e ambos foram campeões cariocas de 74, título ao qual  você fez referência outro dia. A jogada que o Zidane consagrou já era lugar comum com Geraldo, que, além do francês, ainda imprimia a sua caminhada sobre a bola um gesto de desdém como se soubesse superior. O cara, porém, irritava. Em seu último ano de vida, a torcida já não o suportava e não esperava sequer o intervalo pra pedir a sua substituição pelo Tadeu, um bom apoiador vindo do América.

Nessa  retrospectiva de uma memória que me ficou percebo a força da representação. A narrativa que faço é a própria evidência que cancela a pergunta "O que é ser Rubro-Negro?" e instaura a necessidade de investigar as fontes do meu sentimento de pertencer á "comunidade imaginada" Rubro-Negra. Segundo Benedict Anderson, "comunidade imaginada" nada tem de artificial, uma vez que basta que nos identifiquemos. Se assim nos sentimos, assim, portanto, é.

Mas, será o Flamengo, de fato, uma "comunidade imaginada"?

Acredito que sim  pela análise comparada com o uso da expressão na História Política. O que é uma Nação, segundo o conceito de "comunidades imaginadas' de Benedict Anderson? trata-se de um aglomerado de significados compartilhados, independente de classes, etnias, religião, etc,  que permite que um agrupamento humano consiga se comunicar e se entender a respeito da questão nacional, da condição de pertencer a uma determinada cultura, praticada num determinado território, sob controle de um determinado Estado. Isso, em outras palvras, não é a definição do Flamengo?

Assim também o mito Zico. O que faz do Galo de Quintino um símbolo de unidade de tamanha comunidade imaginada, uma massa de 40 milhões que se reconhece como tal?

Penso que talvez seja a nossa representação não só em sua própria trajetória pessoal, combinando talento e superação, mas também no futebol que imprimira àquele time campeão de tudo, em que gozávamos a festa, que só pode vir do prazer estético classificado como "futebol-arte", com o apelo à raça, que expressa a crença desses milhões de brasileiros no trabalho como meio de mobilidade social.

O que acha? Ou a porção de moela passou do ponto na soda cáustica?

SRN
JMF

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sociologia Interesseira

Por Máximo


Este é um blog sobre o Flamengo. Mas, como a partir do Flamengo é possível tudo, algumas questões levantadas por FHC no texto publicado no blog do Noblat:

Concordo com a análise que faz do contexto político da época da ditadura. Médici era mesmo muito popular, com seu radinho de pilha no Maracanã pra ver o Flamengo, seu "milagre' econômico muito bem urdido pelo Delfin, permitindo à classe média poder comprar seu primeiro carro zero. A proposta de substituir a crítica das armas, inútil, diante de um exército poderoso, e ocupar todos os espaços possíveis de pregação oposicionista.

O resto, entretanto, é de uma sociologia interesseira:

Lula é apresentado como um populista. Aqui a malandragem, pois Fernando Henrique discutiu tanto com Octávio Ianni, com divergências de fundo sobre a natureza do populismo, que, ao invés do sociólogo de que se investe pra escrever o texto pro Noblat, quem acaba prevalecendo mesmo é o político que pensa na disputa do poder. Lula é popular - o que é outra coisa completamente diferente. Acaso lula tentou uma ligação direta com as massas, desrespeitando as intituições, sobretudo os sindicatos? É o tal negócio: o Estado pode ser apropriado pelo capital, mas quando se trata de abrir-se às organizações sindicais é "aparelhamento", ou "república sindicalista", espantalho usado pra derrubar jango. "República sindicalista' é outro papo que não cola em Lula. Jango, sim, era populista e o argumento da "república sindicalista", embora interesseiro pra derrubá-lo, não era nenhum absurdo, pois os sindicatos ainda estavam sob o comando de pelegos da época do Estado Novo. O sindicalismo que se afirma na década de 70 - e do qual o próprio Lula é filho - tem outra natureza e demandas.

Lula e o PT abandonaram a Revolução e se tornaram adeptos da pior forma de capitalismo, o capitalismo à base de trustes. Isso é brincadeira e não merece sequer análise. O próprio FHC, após ter escrito isso, não deve ter feito a barba por mais de uma semana.

Seria diferente se tivesse dito que Lula e o PT se aproximaram de uma espécie de "rooseveltianismo". De fato, o que percebo é um processo social análogo ao que ocorreu nos EUA após o governo Roosevelt: uma progressiva transformação social na direção de uma universalização da condição de classe média. FHC, de passagem, talvez pra não dar força ao Lula, escreve que o governo tem de ser mais do que mera prosperidade econômica e imagem de mobilidade social. É mesmo, cara-pálida?

De resto, foi Lula, com a sua inteligência visceral, quem resume FHC com precisão: "estudou tanto pra desprezar o povão".

FHC propõe uma representação social na qual o povo não tem voz. Considera, como agentes válidos, apenas a classe média, os novos empresários, a juventude do mundo digital, das redes sociais, facebook, blogs, etc. Bobagem.

Lula é quem, de fato, consegue interpretar a massa difusa, desorganizada, sem, entretanto, mobilizá-la nos termos do populismo apenas pra garantir a própria condição de mediador privilegiado. O que o Lula fez, com o bolsa-família, o crédito popular, "minha casa, minha vida", não só mobiliza e - mais do que organiza - dignifica a vida.

FHC usa muito mal a sociologia.

SRN
Máximo

quarta-feira, 13 de abril de 2011

segunda-feira, 11 de abril de 2011

"A Memória Instala a Lembrança no Sagrado"

Por Máximo



A paixão pertence a um tipo de memória que só pode vir da condição de Rubro-Negro. Suspendemos a análise, cancelamos a crítica, não nos interessa a humanização do Mito que escorregou dirigente:

No arena sportv hoje, ZICO. Ao lado, outro Monstro, Júnior.

São poucos os esquecimentos porque a lembrança não necessita seletividade. Não temos do que nos proteger. Era só sentar à esquerda da tribuna de honra, lembrarmo-nos da inauguração do placar eletrônico do Maracanã, na estréia de Reinaldo, ponta-direita que vinha do América. O Tricampeonato carioca daquele ano de 79, ganhando dois campeonatos num só. 

Aquele time me faz transcrever Nora, quando disse que "a memória instala a lembrança no sagrado". E tal, o Verbo feito Carne tinha nome: Arthur Antunes Coimbra. 

Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e ZICO; Tita, Nunes e Lico.

Uma narrativa épica, 80, 81, 82, 83, 87, na perpetuação de como nos vemos, daquilo que desejamos sempre. 

Porque a memória é emocional, vazada em elementos retóricos e alegóricos. 

Aquele Time presta-se à literatura, às artes plásticas, ao cinema - práticas que se constituem exatamente de uma linguagem figurada. Em ritmo, harmonia, movimento e simetria, era uma composição estética, com a linha sinuosa como a bola, o plano, a "teia de aranha" (um polígono irregular  por Tita, Andrade, Mozer,  Marinho  no meio o adversário inútil), volumes e espaços livres através de ZICO, Adílio, Leandro, Júnior e Lico, a cor Rubro-Negra, da geral à arquibancada.

O segredo da memória está no encantamento. 

E ZICO resiste à laicização que tentou, em 85,  um pobre-diabo, cujo nome agora me escapa. 

Na volta, no inicio de 86 - nunca me esqueço - aquele golaço de falta pra calar a boca da fauna das laranjeiras nos quatro que tomaram.

No arena sportv, ZICO traduz o que nos vai à alma, conspurcada por uma premissa idiota, sem fundamentação, logo após a derrota da melhor seleção brasileira de todos os tempos: quem perdeu em 82 foi o futebol, pois, a partir dali, a estupidez de que a estética é inútil e o que importa é a ração indispensável ao resultado eficaz. 

Pra encerrar, quem o viu jogar tem de concordar com ZICO: Reinaldo, não fosse o trabalho de açougueiro que lhe fizeram nos joelhos, teria sido, pra ZICO, o jogador que mais teria se aproximado de Pelé.

Quem escreve procura a chave da memória de um moleque de 12 anos que viu, em 74, aos ombros do Pai, seu primeiro título Rubro-Negro.

SRN

terça-feira, 5 de abril de 2011

"O Romance Como Fonte na História do Esporte"

Por Máximo


O texto, de autoria de Martin Johnes e cujo fragmento segue abaixo, está completo na Revista Recorde da UFRJ, www.sport.ifcs.ufrj.br/recorde. É um artigo que não se esconde atrás do engodo reacionário de muita coisa produzida sob o pós-modernismo. Trata-o, ao contrário, dentro de uma perspectiva que julgamos que vale ser reproduzida aqui no Nação e que dá o contraponto ao "positivismo de arquivo", sobretudo neste momento da recidiva das repúblicas das bananas do norte. 

SRN
Geraldo, assobiador, que desprezava e andava...

Recorde: Revista de História do Esporte 
Artigo de Martin Johnes 
volume 3, número 2, dezembro de 2010

"Este artigo examina os recentes apelos para a uma maior utilização de ficção como fonte para a História do Esporte. Influenciados por ideias pós-modernistas e por uma apreciação da natureza mediada de grande parte do esporte, historiadores como Jeff Hill ugerem que a ficção seria uma “força social” que moldava como as pessoas compreendiam o mundo ao seu redor. De forma semelhante, Jonathan Rose clamou por uma história dos leitores, não apenas dos textos. Este artigo explora tais ideias através do exemplo de um romance sobre boxe, de 1953. Argumenta-se que, apesar do poder de persuasão das ideias pós-modernas, colocá-las em prática é muito difícil. Romances são fontes inestimáveis para a História do Esporte, que tanto refletem como contribuem para o contexto em que são produzidos. No entanto, provar tais afirmações é problemático, especialmente ao lidar com obras de ficção esportiva há muito tempo esquecidas. Ainda assim, um estudo da recepção e da influência de romances pode mostrar que o pós-modernismo não deve ser descartado como uma postura abstrata ou como um sinal do fim da História, mas como um apelo para reivindicações mais sutis e modestas sobre o que podemos conhecer do passado.

"(...) Temos assim três tipos de preconceito: o desprezo evidente de alguns fãs; o respeito do meio do boxe profissional, baseado na conquista em valores compartilhados, mas misturado com preconceito; e a consciência educada das mulheres quanto à diferença. 
Todos os três tipos de atitudes raciais eram comuns na Grã-Bretanha nos anos 1950, onde  sentimento quanto a imigrantes negros como “outros” era profundo (WATERS, 1997).

Ainda assim, avaliar a sua forma e sua dinâmica junto aos esportes, ou mesmo na sociedade mais ampla, é muito difícil através de fontes convencionais. Estudos sociológicos contemporâneos apontam para a descriminação no mercado imobiliário ou para o “bem intencionado, mas áspero, humor” direcionado a colegas de trabalho negros. Mas eles raramente ilustram como esses são desempenhados na interação social ou o que os trabalhadores brancos falavam e pensavam em particular (PATERSON, 1963, p. 50). Além disso, esses estudos têm sido criticados por menosprezar o alcance do racismo na Grã-Bretanha na década de 1950 (MILES, 1982). No esporte, os relatos da imprensa britânica sobre boxeadores negros nos anos 1950 usvam a cor como uma ferramenta descritiva, mas, não surpreendentemente para um fórum público, não demonstravam nenhum racismo evidente. O prêmio dado aos melhores boxeadores britânicos, como a Randolph Turpin, vencedor do campeonato de pesos-médio em 1951, esconde as atitudes raciais e as experiências dos negros na Grã-Bretanha em seu dia-a-dia (JOHNES e TAYLOR, no prelo). Esse romance ajuda a iluminar essa questão. Um estudo de Brixton de meados da década de 1950 sugere que um habitante do sul de Londres pode se orgulhar de apertar as mãos de uma celebridade esportiva negra, mas “isso não significa que ele necessariamente gostaria de tê-lo como um hóspede permanente em sua casa ou como marido de sua filha” (PATERSON, 1963, p. 273). A Luta auxilia o historiador na triangulação de tais afirmações e dá a elas uma voz humana, que poucos poderiam dar ao investigador social contemporâneo. A triangulação, no entanto, é essencial para o teste de afirmações como “a literatura (...) deve ser estudada visto que nos proporciona o acesso direto a mentes do passado” (THOMAS, 1988, p. 19). Comparar os romances com outras fontes é o que permite ao historiador avaliar o que é ficção e o que não é. Como conclui Marwick (2001, p. 170), os romances podem ser inestimáveis para o estudo de “valores, atitudes e visões do mundo”, mas o historiador que as utiliza não deve nunca esquecer de que se tratam de fontes ficcionais e tampouco eximi-las do “cuidado crítico aplicado a qualquer outra fonte” (MARWICK, 2001, p. 170). (...)"

domingo, 3 de abril de 2011

Racismo, Inutilidades Acadêmicas e "Positivismo de Arquivo"

Por Máximo

 

Diante da recidiva das bananas na Europa e da estupidez desse idiota do bolsonaro, nada é mais importante do que ocupar todos os espaços de repúdio ao racismo, das quatro linhas à academia, passando, sobretudo, pelas entidades organizadoras do mundo da bola.

No ambiente acadêmico, na relação entre futebol e identidade, a despeito da pós-modernidade usada até pra vender sorvete,  pratica-se  a ideia de evolução que expressa um sentido de ordem que fornece certezas, cancelando o caos, garantindo o controle, e permitindo, na irrelevância oportunística com que se trata a estrutura e a dialética, organizar um processo linear, cronológico, de etapas evolutivas - ou seja: constituição, afirmação, diluição identitárias - construção que se erige em torno da seleção que é o referente. Um objeto acadêmico, assim construído em etapas muito bem delimitadas, pode ser um excelente brinquedo intelectual, sem embargo, contudo, do artificialismo que encerra.


Outro ponto diz respeito ao que a historiografia tem classificado de "positivismo de arquivo", uma espécie de "fetichismo das fontes", segundo afirmara Carr. Nesse sentido, penso que um bom modo de desestabilizar o dado empírico é precarizá-lo. Surge um fato que se expõe à diluição. E a precarização, paradoxalmente, serve ao "positivismo de arquivo". Como? Só é válido, considerado realidade, o que dispõe de comprovação documental. O racismo no Brasil, por exemplo, nunca teria existido, porque, ao contrário dos EUA, não dispunhamos de leis que explicitassem a discriminação racial.
Como diria meu camarada 28, pior do que isso só  sendo surdo.

O racismo, portanto,  é um problema que deveria mobilizar da CBF à Fifa, passando pela UEFA, e não simplesmente passar despercebido como se se tratasse de uma manifestação isolada sem implicações sociais profundas.


Brinquedos acadêmicos inúteis, cascas de bananas, imbecis fascistas, CBF, UEFA, Fifa. 

E aí?

SRN