quarta-feira, 30 de março de 2011

"A Crítica É Como o Violão..." (última parte)

 O Nação publica hoje a última parte do texto do sociólogo Maurício Murad, criador,  em 1990, do Núcleo de Sociologia do Futebol da UERJ, um dos pioneiros do estudo acadêmico sobre o mundo da bola.

 


Por Maurício Murad

5)...novos narradores maior peso à exclusão dos negros que à dos pobres brancos.” (Soares, 1999: 128 )

Nova generalização e indevida, como toda generalização. Em meus trabalhos procuro deixar claro esta articulação. Mais uma vez sugiro a leitura do meu livro, que não foi consultado. Nesta questão, entretanto, o “novo pesquisador” se contradiz dois parágrafos adiante, quando me cita: “violência social e racial... proibido a negros e pobres... formação social dominada pelo colonialismo e pelo escravismo...” E só não foi mais explícita a contradição, porque, na pressa, esqueceu de continuar caminhando pelo meu artigo (consultado) “Futebol e violência” (Murad, 1996:89-103) e citar outras passagens como esta que trata da “popularização e democratização do futebol entre nós.... Uma violência histórica, constitutiva, formadora e fundadora da sociedade brasileira. Que o digam os índios, negros, pobres e seus descendentes de ontem e de hoje. A violência tanto social, quanto racial (e de gênero), é uma constante na estrutura da formação brasileira” ... “é a sociedade brasileira e suas estruturas básicas, que se oferecem à investigação, quando estudamos o nosso futebol”. Este o mérito de uma Sociologia do Futebol, ou então estaríamos fazendo reportagem esportiva. Trechos de meu livro (Murad, 1996) também provam como foi parcial e insuficiente o trabalho realizado: “... futebol é uma das vias de acesso para se estudar duas das constantes estruturais da vida brasileira: o preconceito racial e a exclusão social, aquele inserido nesta”.“...pobres e pretos discriminados nas primeiras décadas de nosso futebol...” “contradições sociais, étnicas,...um novo locus político...de manifestações...no futebol elitista e racista”. No parágrafo de abertura, do Capítulo Bate-Bola Temático, 2º Tempo, (op. cit., 1996:161), que antecede a apresentação dos textos-resumos, tomados como fontes em Pesquisa de Campo,  está claramente avisado: “De cada uma das pesquisas a seguir relacionadas, destacaremos apenas e tão-somente alguns aspectos, algumas referências interpretativas e não o seu conjunto. ... Nunca é demais reiterar que as referências listadas são elementos, partes de uma totalidade. Faz-se necessário, no entanto, ler os conteúdos escolhidos como parcelas de uma estrutura analítica maior (que lhes dá mais sentido e maior dinâmica), a qual está norteada, basicamente, pelos princípios expostos no Capítulo III.2...” . Erro crasso retirar os textos do contexto. E este equívoco não foi pontual, funcionou como registro de metodologia. É possível que os outros autores também questionados, tenham sido, igualmente, objetos dos mesmos enganos. Penso estarmos diante de um protótipo anacrônico da Palingenesia (Schopenhauer) estóica...

6) “Murad nesse segmento nos fala da perseguição dos árbitros em relação aos negros no espaço do jogo. ... o texto deseja ser politicamente correto ao inventar uma história de resistência ... Tais construções, sem dados empíricos...” (Soares, 1999 : 134,135).

As conclusões acima estão no corpo do artigo, imediatamente após a uma citação de minha autoria, que supostamente lhes serve de referência. Então vejamos se há legitimidade na pretensão. Meu texto selecionado tem, exatamente, dezoito linhas e não aparece uma vez sequer a palavra árbitro. Então de onde se extraiu esta primeira conclusão? Mais: meu texto está abordando uma violência social, decorrente de uma história escravagista e não uma perseguição formal, protocolar, reativa atitude dos árbitros. É a violência estrutural da formação da sociedade brasileira, entranhada em nosso cotidiano, em nossos hábitos, que o episódio simboliza e revela. “Os preconceitos têm mais raízes que os princípios “, sentenciou Maquiavel, com sabedoria. Há que se observar com mais complexidade os objetos da investigação, ou perde-se o direito à cientificidade. Pouco antes, na página 129, questiona-se, não diretamente a mim, “onde estariam os regulamentos ou leis segregadoras...”. Aqui transparece uma certa ingenuidade da pesquisa em supor que a ciência opera com realidades dadas. As metáforas do “óbvio ululante” e dos “idiotas da objetividade”, ambas cunhadas por Nelson Rodrigues e que inspiraram o artigo de DaMatta “Antropologia do óbvio” (Dossiê Futebol–USP, no. 22, 1994: 11 a 17), são interessantes sinais para todos nós pensarmos questões de fundo, de natureza epistemológica, sobre nossa função de pesquisadores. É uma obviedade a não existência de documentos oficiais da discriminação. Como tê-los num contexto pós Lei Áurea, 1888, pós Constituição de 1891, a primeira da República, segunda do Brasil e pós Código Civil (Clovis Bevilacqua e Rui Barbosa) de1916? E é aí que reside o valor da investigação sistemática, na busca das camadas subjacentes, silenciosas, emergentes, neste caso, de uma escritura ideológica. Parafraseando Freud (este em relação à Psicanálise), poder-se-ia dizer, a ciência tem que trabalhar com aquilo que é dito, mas principalmente com aquilo que não é dito. De modo contrário, estaríamos reduzidos à empiria da constatação, à uma História oficial e tecnocrática. Em que lei ou regulamento, no Brasil de hoje, está escrito, assumido publicamente, a discriminação de mulheres, de idosos, de índios, de negros, de pobres etc.? E isto não é uma obviedade ? Se não, porque teríamos mais de 2000 (dois mil ! – Jornal Estado de São Paulo, 28/03/98) grupos organizados em todo o território nacional, lutando pelos direitos dessas chamadas “minorias”. Ao tratar do surgimento do Direito Esportivo brasileiro, esclareceu Oliveira Viana, sociólogo e jurista: “Dominados pela preocupação do direito escrito e não vendo nada mais além da lei, os nossos juristas esquecem este vasto submundo do direito costumeiro do nosso povo...” (1951,vol. 1:14). Se houvesse tempo e espaço, para continuarmos por esta trilha, encontraríamos um vasto material de Sociologia Jurídica, de incomensurável valor para a compreensão agonística e antitética dos esportes, como para alguns esclarecimentos necessários a este debate. Conceitos como norma de direito e norma de cultura e a prevalência deste sobre aquele; a teoria do antijurídico de Max Mayer; a maior abrangência do fato social que a norma jurídica e o reconhecimento da existência de um direito penal peculiar aos desportos, conforme a conferência de Nelson Hungria, um dos mais respeitados professores de Direito Penal no Brasil, citada por Valed Perry, autoridade internacional em Direito Esportivo, consultor do COI - Comitê Olímpico Internacional e da FIFA, (1973:143/45). E com que tranqüilidade afirma-se o desejo de um texto (Soares, 1999:135). Quem faz este tipo de afirmação, tão subjetiva, ou tem dados comprobatórios e nesta hipótese é preciso mostrá-los, para não confundir os leitores, ou não os tem e aí se expõe a cobranças de responsabilidade...

Elementos de fundamentação empírica

Outras tantas discussões caberiam aqui, não fossem minhas limitações de espaço. Mais cinco ou seis, com certeza, como por exemplo: na página 138, relativamente à “culpa dos negros” pela derrota de 50, Soares (1999), cita Guedes para dizer que isto “não aparece em nenhum dos periódicos que consultou...”, mas, deixa de citar a mesma autora (Guedes, 1999:36), quando esta afirma que “Há uma excelente avaliação sobre o modo como se culparam os “negros” pela derrota na Copa de 1950, em Mário Filho” ( e a obra indicada é o NFB. Então, há muito mais coisas entre um trabalho e sua crítica, do que imagina uma vã sabedoria... Entre “os novos narradores” e “os novos pesquisadores”, há mais complexidade, pesquisa e trabalho realizado, do que conseguiu alcançar o olhar radical da ruptura. E para terminar, segue abaixo uma listagem de dados, produto de anos de pesquisa, que avalio como importantes, para ajudar a elucidação de pontos centrais do presente debate. O ideal seria analisá-los, mas isto há que ficar para outra oportunidade.

“Ainda garoto eu tinha medo de jogar futebol, porque vi, muitas vezes, jogador negro, lá em Bangu, apanhar em campo, só porque fazia uma falta, nem isso as vezes... meu irmão mais velho me dizia: malandro é o gato que sempre cai de pé... tu não é bom de baile? Eu era bom de baile mesmo e isso me ajudou em campo...gingava muito...sabe que eu me lembrava deles ... o tal do drible curto eu inventei imitando o miudinho, aquele tipo de samba... “ –Domingos da Guia, vídeo Núcleo /UERJ, 1995.

“Eu jogava bem, tinha ginga, tinha manha, a mesma do samba... Mestre - Sala dribla e jogador samba ... quando é craque, né ? Eu era... joguei no Cerâmica... na época era muito difícil ... eu sou crioulo, né ? Mas joguei muito e apanhei muito. Era só vacilar. Num jogo do Cerâmica com o Hadock Lobo, só porque eu fiz uma falta normal, apanhei até da polícia ... “ - Mestre Delegado (Mangueira), áudio Núcleo/UERJ, 1991.

“Pensei em me adiantar, avançar com a bola e ajudar o Prego... quem sabe a gente até empatava ... aí me lembrei que era o único preto do time... E se sofrêssemos um gol lá trás, sem eu ter voltado... a culpa vinha toda para cima de mim..”- Fausto dos Santos, A Noite, 28/7/30, RJ: 34.

“Os jogadores de cor, quando passaram a ter livre acesso no futebol oficial, em times médios inicialmente, comiam o pão que o diabo amassou ... e foi uma pena, porque entre 1912 e 17 tivemos o apogeu não oficial do futebol colored “.T. Mazzoni, caps. IV, seção CXX e V, seção CXLVIII – História do Futebol no Brasil, l950.

“O Corinthians surgiu como surgiu, porque os deserdados da época precisavam ocupar um espaço que existia e que a elite procurava negar “ ... “O Corinthians foi 1º clube paulista a ter um jogador negro – embora o preconceito proibisse a participação dele no campeonato ...” - Juca Kfoury, A Emoção Corinthians, Brasiliense, SP, 1983: 61 - referenciado não em Mário Filho, mas em Paulo Várzea e seu irmão Max Valentim, pesquisadores considerados fundamentais.

“O Vasco da Gama massificou o futebol, uma quase revolução, quando formou um time de gente modesta,vinda da segunda divisão. Isto foi o ápice, mas já estava espalhado na sociedade, com o Corinthians ( destaque ), o Bahia, Britania, no Pará, América, em Minas...” Mazzoni, op. cit. , Capítulo VI, Seção CLXV.

“Tem muita discriminação no Brasil e no futebol, só que se tentava esconder tudo pela hipocrisia... nós tivemos que lutar muito. Só perguntar aos jogadores... não isso não é segredo, apesar que ainda tem muita gente tentando esconder, tentando dizer que é tudo invenção... quem viveu e sentiu na pele é que sabe...”-Gentil Cardoso, Tim, o Estrategista, P. Zamora, Ed. Gol, RJ, 1969.

“Naquela época, nem o Pelé jogaria nos clubes ricos. Eu vi Fla-Flu, sem nenhum preto em campo”. Domingos da Guia, Folha de São Paulo, Esporte,15/01/95 : 4.

“Assim, as primeiras notícias de caráter esportivo que realmente atiçaram a curiosidade do público, foram aquelas que mostravam a discriminação social e racial nos clubes e nos times, numa época que os sindicatos já faziam as suas domingadas à base do futebol e que São Paulo era muito politizado...” - Almanaque Esportivo Olímpicus, São Paulo, 1945-46 : 291.

“Ali na região de Porto Novo, divisa do Estado do Rio com Minas Gerais, encontramos clubes de pretos e clubes de brancos, com associados, festas e atividades diferenciadas, além de times de futebol também diferenciados ... e isso ainda nos anos cinqüenta “- Flávio Cunha, A História do Futebol no Estado do Rio – Região Centro Norte e Norte, Editora Luades,1962, RJ, Volume III: 164, 165.

“... a integração de negros, mulatos e mesmo de brancos pobres aos clubes elegantes, foi pontilhada de conflitos. Em certos clubes os negros não eram aceitos de forma alguma “. Futebol de Fábrica em São Paulo, Dissertação de Mestrado, USP, 1992, SP (Fátima Martin R. F. Antunes : 24 ).

“Dia 4 de março de 1952. Tesourinha veste seu uniforme ... e pela 1ª vez um jogador negro é titular do Grêmio. ... Á Diretoria em nota oficial publicada anteontem na imprensa ... por decisão unânime, resolveu tornar insubsistente a norma que vinha sendo seguida de não incluir atleta de cor em sua representação de futebol”. S. Endler, Tesourinha, Tchê !,1984,RS: 78,79.

“A história social do futebol no R. G. do Sul revela momentos de forte segregação racial, com destaque para a existência de ligas exclusivamente formadas por atletas negros”. Gilmar Mascarenhas de Jesus, in Coletânea do VI Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física, UGF, 1998, RJ: 110.

“...a existência de um preconceito, que por muito tempo subsistiu nos grandes clubes do futebol profissional: a proibição dos negros participarem de suas atividades. O art. 3º do novo regulamento (1942) da AADA, Associação Amália de Desportos Atléticos, das Indústrias Matarazzo, tratava dos bailes mensais e instituía até mesmo a discriminação racial entre os freqüentadores, dividindo o salão em alas para brancos e negros. A justificativa era proporcionar maior liberdade aos associados : ... b) para maior liberdade, o salão será dividido em duas partes, cabendo uma aos sócios de cor e outra aos brancos; ... e) os elementos brancos não poderão freqüentar o baile dos de cor e o mesmo para os de cor que não poderão freqüentar o salão dos brancos “. “A separação entre negros e brancos em clubes de fábricas, também parecia ocorrer em outros lugares “. (ibidem : 162,163).

“Da AMEA – Associação Metropolitana de Esportes Amadores só fará parte aquele elemento são e puro...” . ( Correio da Manhã, RJ, 8/4/1924 : 7 ).

“...os primeiros tempos, isto é, ... que se exigia o afastamento do negro, pelo menos das equipes oficialmente inscritas ... Quando se formou uma seleção brasileira, em 1921, ... não fez parte ... um negro sequer. Diziam até que o Presidente Epitácio Pessoa dera ordens expressas nesse sentido. Os jornais do Rio, em grande parte, protestaram, tendo a revista Vida Esportiva movido intensa campanha em defesa do negro atacando, também, o racismo que ainda perdurava em São Paulo”. ( Jornal do Brasil, 23/9/1965, Cad. IV Centenário : 212).

“Gente boa eu tenho um medo danado da cidade grande. Acho tudo falso, não sinto verdade e tem mais: dizem que eu sou patrimônio do clube, mas na hora h fecham as portas pro patrimônio e eu sinto que até a cor pesa nesses momentos...” (Garrincha, depoimento em áudio, 1980, Arquivo Sonoro da Rádio Jornal do Brasil).

“Quantas vezes, no Botafogo, e isto também acontece em outros clubes brasileiros, fui surpreendido por um diretor me pedindo : João, vê se dá um jeito nisto e manda esses crioulos saírem da sede. Não pode, não é ? ... não é por nada não, nosso uniforme é preto e branco, mas vamos clarear, vamos clarear...” Fluminense também era assim...Flamengo... Paulistano, que preferiu fechar sua seção de futebol a ter que aceitar pobre e preto em seu time (informação semelhante, também, em Anatol Rosenfeld : “as equipes deviam ser integradas por jovens delicados e finos” – O Futebol no Brasil, Revista Argumento, nº 4, 1973: 68 ) , o Grêmio Porto-Alegrense, o Atlético e o Coritiba, no Paraná. Em Minas ... na Bahia ... em Pernambuco ... no Ceará ... no Pará ... “ – João Saldanha ,Os Subterrâneos do Futebol, José Olympio Editora, RJ, 1980: 115, 116 e 117.

“Relatórios médicos foram feitos, sigilosamente, para a CBD. Chegaram à conclusão de que o problema brasileiro estava na alma dos jogadores, que eram muito nostálgicos, sentiam muito a falta de casa, da comida, principalmente os negros, que eram emocionalmente mais instáveis. Portanto, o time na estréia da Copa ( 1958 ) deveria ser o mais branco possível” – Nilton Santos, Minha Bola, Minha Vida, Gryphus, RJ,1998: 74.

“Que os negros se sentiam inferiores diante dos louros, na hora do vamos ver ; que os mulatos desobedeciam os sistemas táticos e não seguiam à risca a ordem dos vestiários. Era isso que se falava lá o tempo todo... até chateava a gente...” Garrincha, entrevista a TV Globo, a respeito da Copa de 1958, maio de 1982.

“Claro que tinha preconceito e durou muito ... tudo que é jogador que viveu a época sabe disso ... o Zizinho mesmo que era o Pelé de sua época e que era muito respeitado, várias vezes reclamou isso comigo. Hoje ele nem gosta de lembrar ...” – Ademir M. Menezes, depoimento em vídeo, 1994, Núcleo/UERJ.

“Durante anos eu sentia esse peso da culpa, até hoje mesmo ... é a cor pesou, sim. Sabe como é, né, preto não tinha vez e na hora de apontar o culpado ... isso sempre foi assim desde as peladas que eu jogava na rua ... “ – Barbosa, depoimento em vídeo, 1995, Núcleo/ UERJ.

“O Bahia adota a capoeira para treinar jogadores. A capoeira desenvolve um gingado tipicamente baiano que é muito útil na hora dos dribles... e resgata uma tradição histórica...”. ( Folha de São Paulo, 12/10/1997, Esporte : 4 ).

“A forma ‘abrasileirada’ de jogar futebol, mantém estreita correlação com outros usos sociais do corpo, considerados definidores dos brasileiros, como a dança, em especial o samba e todas as danças dos rituais afro - brasileiros, a capoeira, o requebrar feminino, compondo um conjunto gestual muito vasto, dentro do qual deve ser analisada”. Guedes (1998:51), citando afirmações mais ou menos parecidas, de Arno Voguel e Roberto DaMatta.

Conclusão

Há inúmeras outras referências equivalentes. Entretanto, não é possível continuar, nos limites que tenho de tempo e espaço. Reitero que esses acervos estão, como sempre estiveram, à disposição dos interessados e no próximo livro, que pretendo publicar, sobre as relações entre Cinema e Futebol, há um capítulo inteiro tratando da questão do negro. Mas, desde já, acredito ser possível concluir, com isenção, que não se inventou uma história de discriminação e resistência e muito menos uma receita a da capoeira e do samba, como base do futebol brasileiro.  Do contrário, teremos que abrir espaço e incluir Soares, pelo menos em parte, no grupo de “novos narradores” , pois em sua dissertação de mestrado Malandragem no Gramado : o declínio de uma identidade, Universidade Gama Filho, dezembro de 1990, se lê à pag. 88 : “Assim, o futebol no Brasil foi apropriado pelas camadas populares que o elevaram a um dos símbolos de identidade, formando com o samba e o carnaval a identidade do Rio de Janeiro, do carioca. O “esporte bretão” , trazido para o Brasil por e para as elites, foi rapidamente apropriado pelas demais classes sociais, ... . Por esta razão, no Brasil, no campo das elaborações sobre a cultura popular, postula-se uma relação que está sempre presente entre o futebol, o samba e a malandragem, elementos que constituem um eixo de construção da identidade popular ( do carioca ) e, por extensão, brasileira”. Na  pag. 90, está escrito : “O malandro constrói sua fama pela habilidade que possui em reverter as situações adversas ; este talento é desenvolvido naturalmente, na improvisada vida de rua, da mesma forma que o “jogador malandro” desenvolve suas habilidades para o futebol”.

Criticar é uma delicada corda-bamba: pode rimar com respeitar, ou com desrespeitar as contribuições de cada um. A realização destas, é sempre muito difícil e trabalhosa, principalmente quando se trata de tema, ainda, tão cercado de preconceito na academia, como o futebol. Nós todos sabemos disso. Não é o direto à crítica que se questiona, mas o tom empregado. Fiquemos, então, com a primeira rima, (criticar/respeitar) rima rica para todos, autores e leitores. Não é defensivismo, é defesa – legal, legítima e ética, perante um certo ofensivismo. Ou se preferirem, a aplicação da 3ª Lei de Newton - ação e reação. Firmeza e serenidade são sinais do bom combate. Vamos em frente. Já são muitas as dificuldades para os trabalhadores intelectuais no Brasil. Não inventemos outras. E quando for inadiável a crítica (porque sempre haverá diferentes leituras), que ela seja realizada. Mas que seja com o princípio que Tácito preconizou em relação à História, no início dos Anais: sine ira et studio ( sem ódio nem parcialidade.

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[1] Coordenador do Núcleo de Sociologia do Futebol, do Depto. de Ciências Sociais da UERJ.
[1] Ver p. 166, nota de rodapé.
[1] Mário é o primeiro a levantar a tri-hipótese da popularidade do Flamengo, em ter a maior torcida do país: pobres, negros e mestiços no plantel, após longa resistência; a transmissão radiofônica para todo o pais (só o Rio de Janeiro transmitia por ser a capital da República), de dois tri-campeonatos 42, 43 e 44 e 53, 54 e 55 e, finalmente, os treinamentos em campo aberto, novidade que ocasionava o contato direto com os torcedores.


domingo, 27 de março de 2011

As repúblicas das bananas, na verdade, estão no norte e são louras e de olhos azuis, estúpidas e anacrônicas.

Por 28



Pedi ao Máximo o favor de interromper a sequência da publicação do grande texto do sociólogo Maurício Murad.

Até por razões pessoais, saberia que iria encontrar no Máximo  disposição idêntica. Não se pode passar indiferente ou reduzi-lo à insignificância muito comum no discurso de boleiros e treinadores tratar-se de "coisas do futebol".

"Coisas do futebol" é o cara... o diabo.

Recidivo no futebol, com bananas sendo oferecidas ao nossos jogadores na Europa?  Outro dia, na Rússia, para Roberto Carlos; hoje, na Inglaterra, ao Neymar?

Na sociedade de espetáculo, a extensão do mercado da bola está  na visibilidade e comunicação planetárias. Então, não é só deixá-lo entregue aos corifeus da CBF, da Fifa, à adidas, à nike, ao que for na acumulação que segue moendo moleques pobres que veem no mundo da bola a única possibilidade de mobilidade social.

Esse imenso espaço de acumulação deve também ser invadido e apropriado pelos que sem estes não haverá CBF, Fifa, adidas, nike nem jornalismo esportivo de um moralismo hipócrita que faria corar qualquer udenista.

Uma articulação que ocupe espaço de repúdio, cuja forma desconheço para melhor eficácia, mas que descobri-se-ia à medida que fosse sendo feito, entre jogadores, cronistas e universidade na exata proporção do que retalha os uniformes do clube para a venda de quaisquer bugigangas.

O peso do Brasil no mundo da bola é significativo e deveria ser mobilizado e jogado pesado contras essas bananas.

As repúblicas das bananas, na verdade, estão no norte e são louras e de olhos azuis. São estúpidas e anacrônicas.

Valeu aí, Máximo, mas o diabetes está subindo desde o jogo desta manhã quando vi o episódio com o Neymar.

Não quero parar numa UPA por conta de um desprezo que, em mim, cada vez mais, só faz aumentar pelo quase panegírico que aqui ainda é praticado em relação a estas merdas do norte. Vou ser franco, meu irmão: às vezes dá vontade de ser xenófobo.

SRN

sexta-feira, 25 de março de 2011

"A Crítica é Como Violão..."

Por Máximo

 Ser chamado de "novo narrador" é pejorativo, desqualifica, sobretudo quando se é historiador. Como se este desprezasse toda a parafernália técnica desenvolvida para retirar o conhecimento do passado do campo do sagrado - exatamente como se fazia quando a história era a memória da tradição, história-memória, ou, conforme Pierre Nora,  quando "a memória instala a lembrança no sagrado".

Ao constituir-se em "novo narrador', o historiador retoma uma tradição mítica, embora enunciadora do que talvez sejamos, daquilo que desejamos ser, mas que cancela a história-crítica que problematiza e que procura lançar luz aos "esquecimentos e silêncios" propositais,  produzidos pela história que se confunde com a memória.

Ser um "novo narrador' implica legitimar o discurso dominante, a história oficial constituída a partir de "fontes diretas' que o historiador-narrador não se dá ao trabalho de interrogar.

Embora não seja historiador, mas sociólogo, Murad chama a atenção para o seu trabalho pelo cuidado que revela com a atividade do historiador e devido ao estabelecimento correto das "fontes diretas' que constituíram o nosso futebol: um produto estrangeiro, cuja chegada está devidamente documentada, branco, de elite, destinado igualmente a ser um produto talhado à prática sofisticada,  branca, de elite. Portanto, não há, nesta parte de seu trabalho sobre a constituição de nosso futebol, nada que possa "acusá-lo" de transmissor de tradições, sejam testemunhais, sejam inventadas.

Desconfio que a tradição inventada de Hobsbawm tenha sido um simulacro do processo da tradição oral, construída para a sociedade moderna letrada. A modernidade, ademais, também almeja suas tradições e nada mais justo que as invente. Mas, qual a razão de tamanha necessidade, na história que laiciza a vida, em que o resto da memória é apenas o lugar, matéria inanimada, fria de sentido?

Nora já dera a resposta quando escrevera sobre a história da história, que separa a memória. Disse que se trata da busca do mito de origem, uma espécie de evidência laica do sagrado que se perdeu. A construção de tradições, seja de que natureza, não seria, então, uma necessidade, um tropismo humano para uma ligação única com Deus?

Na primeira parte do ensaio do Professor Murad publicada na quarta, pode-se investigar, sacudir, espremer que não há nenhuma vela acesa, tampouco qualquer frango e marafa arriados, tantando animar de espíritos estes lugares frios laicizados pela história. "O Negro no Futebol Brasileiro", de Mário Filho,  é trabalho documental, conforme Murad demonstra exaustivamente, de pesquisa séria de estabelecimento de fontes que nada tem de narrativa mítica, ainda que fosse de caráter testemunhal, como a que está na base da tradição das sociedades orais, de que a inteligência de primeira de Hobsbawm se valeu  para adaptar na construção de tradições inventadas na sociedade moderna letrada.

Fica claro que o problema está no processo de apropriação e popularização de um produto estrangeiro que, ao contrário do costume, não se impôs, dominante, a nossa cultura, mas, de resto, transformado, metabolizado e devolvido ao mundo como  uma das Grandes Artes  Mas, aí, isso é ideia dos partidários do anacronismo, de uma "identidade unívoca, niveladora", felizmente esfacelada pela pós-modernidade fragmentária.

Por que não, cara-pálida,  o  rugby, entoado pelo country da roça do tietê, uma possibilidade de tradição inventada se for convenientemente tentada?

SRN





"A Crítica É Como Violão..."

Por Maurício Murad

A periodização não se inspirou no NFB, como foi dito, o que confunde os leitores. Esta, dentre outras tantas, foi uma das mais sérias e comprometedoras distorções. Sugere desconhecimento da obra de Mário Filho, que não gostava de periodização, porque a identificava com aprisionamento. Os pontos de apoio foram Thomaz Mazzoni, Edilberto Coutinho, João Saldanha e João Máximo. Os dois últimos tomados exatamente no aspecto em que criticam Mário, ou seja, as causas, do profissionalismo, implantado a partir de 1933. Por que os textos-resumos e não o livro? Livro que ambos, autor e orientador, sabiam da existência, como também do acervo descrito acima.

A história não começa, quando entramos nela. E este é um idola paradigmático, segundo a clássica formulação de Francis Bacon ( inveterados erros que devem ser evitados, se queremos construir uma ciência e denunciado por Reich, como redundância, sobretudo dos mais novos (1978:138, 139). Há muita gente de boa cepa por aí, trabalhando, problematizando questões teóricas e metodológicas e que nos auxiliam, pela experiência que acumularam, a abrir novas frentes, o que é bom para todos. Negativo, pessoal e profissionalmente, é a natureza desta crítica. Houve exagero e radicalismo, na tentativa de reduzir Mário e nós outros a zero, como se nenhum mérito pudesse ser admitido. A linguagem pesada, incluiu expressões como “talvez oportunistas”, “invenções” (sic) e as leituras tropeçaram na pressa, distorção e superficialidade de textos fora de contextos, movediço e equivocado terreno, que pode sepultar qualquer boa idéia ou conduzi-la a um inaceitável vale-tudo. A crítica exige o exame criterioso e detalhado de outras obras do autor, que tratem das mesmas temáticas, para não ser reducionista. Reler ou ler Costa Pinto e Guerreiro Ramos, importantes sociólogos brasileiros, teria ajudado. Evidente que sempre há a possibilidade de outras leituras, em relação a qualquer assunto. Elas são sempre bem vindas. Mas se o NFB não deve ser a única fonte para os estudiosos (e nisso estamos de acordo), como repetidas vezes aparece no artigo, por que se valeu apenas dele para criticar? Por que não foi, por exemplo, aos acervos assinalados no início deste texto? Não os conhecia, como referenciais ao tema? É possível, e neste caso reproduziu os erros metodológicos (e de técnica de pesquisa de campo), que tentou imputar a outros. A ciência requer uma boa dose de ousadia e uma boa dose de humildade. Quando o pesquisador cinde com uma dessas dimensões, comete erros, por vezes pueris. S. M. J. isso ocorreu e infelizmente, já que era boa a idéia original. Extrema se tangunt .  Parafraseando Sartre, poder-se-ia dizer :  Mário e o NFB não são nem o Diabo nem o bom Deus. Esta a exata dimensão do problema

Abaixo, apenas algumas questões selecionadas:

1) “Ao recorrer à literatura, temos a impressão de estarmos sempre lendo os mesmos textos ... quase toda a produção ... encontra sua origem e validade no NFB..” (Soares,1999: 119,120)

Mário Filho é um clássico. Clássico é aquele que ultrapassa os limites de sua época e assim torna-se um interlocutor para os subsequentes (Cohn, 1973:2,3). Diálogo é a linguagem por excelência da pesquisa científica (Bachelard, 1982:127). Toda generalização é estranha ao espírito científico (Foucault, 1993:89). Foram cometidos os três pecados capitais, imperdoáveis ao trabalho intelectual: ausência de erudição, relativamente a extensão de um clássico; desconhecimento da literatura amplificada, conseqüência do desprezo ao diálogo e a generalização do sempre quase toda. E mais: desconsideração a outras fontes de investigação, como o cinema e a fotografia, tão importantes para as Ciências Sociais e para o objeto em tela. Na perspectiva de uma Antropologia Visual e/ou Sociologia Imagética, há muitas imagens de época a serem lidas. A fotografia tem para a História, o valor de um documento primário (Barthes, 1970:87). Certamente as observações se alargariam e as conclusões teriam mais densidade. O alcance e o limite de Mário Filho e do NFB seriam alocados em seu devido lugar. Estou agora, no presente, concluindo um livro que relaciona futebol e cinema no Brasil. Talvez possa ajudar e por isso coloco o material pesquisado em quatro anos de trabalho, à disposição de todos os interessados, incluindo um conjunto visual com 40 posters da FIFA, retratando os diversos cenários do futebol brasileiro (não só do RJ), tais como campos, torcidas, dirigentes e jogadores.

2) “... não haveria problema algum se a obra (NFB) fosse tomada como mais uma fonte e contrastada ou cruzada com outras.” (Soares, 1999: 120)

Foi o que fiz e constatei que as outras fontes (pelo menos as relatadas aqui) confirmam, no fundamental, as teses de Mário Filho, com diferenças, embora não estruturais. Há uma fita em áudio – Rádio MEC/1992, tempo de 2 horas, que registra uma conversa radiofônica (eu e Edilberto Coutinho, pesquisador fundamental) sobre Mário Filho e O Negro no Futebol Brasileiro, pontos positivos e negativos. Cópia desta fita está à disposição no Núcleo/UERJ. Vamos em frente. Ao contrário daquilo que se afirma (desqualificando?), Mário não se baseou em causos. Pesquisou durante anos, conversou, anotou conviveu, numa verdadeira observação participante, ele que era um dos estudiosos mais importantes dos esportes de seu tempo (vide G. Freyre, Thomaz Mazzoni , Rui Castro). Mário cometeu equívocos, também acho, e está na fita; portanto, pode e deve ser criticado como todos nós, mas é preciso não radicalizar, ou pode tornar-se prosaico. Mais ainda: porque o artigo não fez o que proclama e cobra? Por que o cruzamento foi parcial, esquecendo fontes historiográficas imprescindíveis, algumas delas já citadas aqui ? Reexaminar o NFB e Mário, como tudo, é sempre fecundo. Esta a razão de ser da ciência. Se é verdade que não deve haver submissão no reexame, estamos de acordo, também o é que não pode haver auto-sacralização olímpica. Metodologicamente, é desaconselhável que a verticalidade da pesquisa caminhe em detrimento de sua também necessária horizontalidade. O processo de investigação e produção de conhecimento não perdoa esse tipo de vacilo. Ao lado do NFB, na época de Mário, antes e depois, há muito, mas muito mais coisas a se pesquisar sobre as relações sócio-raciais no futebol brasileiro, do que se conseguiu enxergar. Olhar para o lado e ver o outro faz bem. Esta aliás uma das lições ontológicas que o futebol ensina. Homero, na Odisséia, fala disso, através de Ulisses, em relação ao Epyskhiros grego, ancestral jogo de bola (ver texto completo em Murad, 1996:138-9).

3) “... novos narradores, construírem legitimações acadêmicas da obra e do autor” (Soares,1999: 120).

Joel Rufino dos Santos, Waldenir Caldas, José Sérgio Leite Lopes, César Gordon Jr., Cláudia Mattos e eu (L. H. Corrêa e Ronaldo Helal também, in Coletânea do VI Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e E. Física, UGF, 1998: 745(8)) somos, na postura classificatória do “novo pesquisador”, os novos narradores. De minha parte sinto-me confortável pelos ilustres pares, todos com produção intelectual conhecida e reconhecida, mas reclamo, outra vez, a parcialidade: de novo faltou muita gente, o levantamento é curtíssimo, sugere desconhecimento da literatura pertinente e dos estudos e trabalhos contemporâneos sobre o tema, o que retira consistência teórica e metodológica, além de demonstrar fragilidade na parte técnica da pesquisa. Há um enorme continente de investigações historiográficas acerca do negro no futebol brasileiro como metáfora de nossa formação social. Há uma riqueza investigativa crescente, acerca do futebol, nos campi brasileiros, além do Rio e de São Paulo. Estou reunindo o material, sistematizando, arquivando, porque o futuro, tenho certeza, estará a exigir de nós, algo equivalente àquilo que Otávio Ianni fez em relação à América Latina: uma Sociologia da Sociologia do Futebol. Se o “novo pesquisador” tivesse sido mais cuidadoso, teria feito essa revisão da literatura, disponível na UERJ. Com certeza teriam sido menos simplistas e reducionistas, o que é angular para uma tese de doutorado. O locus da crítica acadêmica, há que ser diferente do criticismo.

4) “Mário Filho não escreveu história em sentido clássico...” (Soares, 1999: 121).

Quem faz esse tipo de afirmação, tem que, moto contínuo, dizer o que é fazê-la (e com refinamento teórico) ou seu texto perde e muito em continuidade e conteúdo. Foi o que ocorreu e não só neste ponto. Em várias partes o texto parece que vai mas não vai. Deleuze (1989: 184) criticou essa falácia (é dele o termo), acrescentando que isto é conseqüência de baixa ou recente formação teórica, daqueles que leram mas não problematizaram. 

Mais 3 ítens: 

1) qual a concepção de história referencial ao “novo pesquisador”? História factual? Empiricismo Lógico? O positivismo cientificista parece dominar, garrotear mesmo, as idéias. É inevitável a lembrança do Círculo de Viena, fundado por Moritz Schlick, que teve a companhia, dentre outros, de Philipp Franck e Otto Neurath . Nunca é demasiado lembrar, que esta é apenas uma concepção de história (melhor: historiografia), discutível como as demais, passível de crítica e construções contrapostas, como qualquer outra e não a única, como sugere o texto. Monolitismo? Sugiro a leitura de A Microfísica do Poder, de M. Foucault . Historicismo? Ouçamos Veeser (1989: 92): “Por causa deste velho esprit d’analyse, que se apresenta sempre como novo, que Weber, embora devedor da tradição historicista, se afasta dela, já que achava inadmissível e primário confundir o histórico empírico, que fornece o material de base para o constructo, com o histórico enquanto objeto“. Gilberto Amado, em l934, analisando a obra de Tobias Barreto, afirmou: “para mim, ainda, em muitas pesquisas contemporâneas, Augusto Comte e seguidores estão no centro, especialmente nos trabalhos de novos pesquisadores”. Sugiro a esclarecedora leitura de “Prolegômenos ao estudo do Positivismo brasileiro: verdade e ideologia”, de G. Bornheim, in Revista Tempo Brasileiro, nº 91, 1997. Só este item mereceria um ensaio específico, com seus irrecusáveis debates, no plano da teoria, da pesquisa de campo e da ideologia. 

2) O NFB é classificado, pelo artigo, não como obra científica, mas como romance. Aqui, outro pequeno deslize: o mais correto, creio, na linha do artigo, seria qualificá-lo enquanto crônica. Em diversos instantes, o texto parece revelar pouca intimidade em relação a conceitos oriundos da Teoria da Literatura, os quais são empregados de forma aleatória. Conto, crônica, romance, épico são conceitos definidos na história da literatura e não podem ser utilizados como palavras gratuitas. E este enquadramento(como romance) parece assumir uma tonalidade pejorativa, com o intuito de desqualificar o livro. Lembro que Os Sertões, Casa Grande e Senzala, Raízes do Brasil (Sérgio Buarque de Holanda) e a Formação do Brasil Contemporâneo (Caio Prado Júnior), dentre outros, cada situação com sua especificidade, já receberam, também, o epíteto de “invenções romanceadas sobre a nossa formação social” e, hoje, são (todos!) considerados fundadores de uma compreensão do Brasil. E isto não é novidade, é recorrência. A história do pensamento é plena de situações correlatas. São emblemáticos os casos de Hegel, Marx, Freud, Einstein e Sartre, gigantes do pensamento, também alcunhados de “inventores de realidades”. 

3) Mais ou menos obsessiva foi a cobrança pelos dados comprobatórios, pelo suporte empírico, tarefa, aliás, não realizada pelo autor, que dá a entender no artigo ter ficado quase que somente nos jornais de época e mesmo assim, a meu juízo e segundo os acervos que disponho, de um modo incompleto. Jornais de época são necessários, mas não suficientes ao trabalho de campo. Enquanto estruturas palimpsestas que são, têm que ser descamados pelo instrumental do trabalho ou então a cientificidade do processo fica comprometida e induz o pesquisador, por vezes independente de vontade própria, a reeditar uma determinada escritura ideológica, quando imagina estar apenas denunciando outra. Wright Mills (1959) chamou a atenção dos novos pesquisadores para o cuidado que deveriam ter com o deslumbramento, avisando que todo cuidado é pouco, quando se trata do ofício de cientista. Estamos de acordo que dados são necessários para emprestar suporte empírico e fidedignidade aos resultados obtidos. É imprescindível, pois, fazer pesquisa, ter a experiência física com as facetas (sempre plurais) dos fenômenos investigados. Mas isso não é tudo, isso não dá conta por si só da integralidade do processo, que é de problematizações, mediações, articulações, construções. “Toda ciência seria supérflua, se a aparência e a essência das coisas se confundissem”  ( Marx n’O Capital (1959, vol. III, 534 ). Arquimedes, muito antes, em Siracusa, Grécia Antiga, século III a. C, já dissera algo assemelhado em relação à Lei da imersão dos corpos, como Giordano Bruno e Galileu Galilei, no que se refere aos movimentos de rotação e translação da Terra. Reparem mais isto: parece ser este pensamento de Marx, que inspirou o de Eric Hobsbawm, na epígrafe do artigo em questão... 

(continua)

quinta-feira, 24 de março de 2011

"A Crítica É Como Violão: Um Instrumento Muito Fácil de se Tocar Mal e Muito Difícil de se Tocar Bem."

Por Máximo

Este é um blog sobre o Flamengo. A partir do Flamengo tudo é possível porque estamos diante de um "fato social total". Portanto, nada mais oportuno do que reproduzir um artigo do Professor Maurício Murad, um dos pioneiros do estudo do futebol como objeto acadêmico. 

Aliás, foi o próprio Professor quem me enviou seu texto - o que me honra muito.

O Núcleo de Sociologia de Futebol da UERJ, montado em 1990 pelo Professor Murad, foi o primeiro esforço relevante da Nova História no Brasil. Outros estudos sobre novos objetos e fragmentação identitária, evidentemente, já vinham sendo desenvolvidos desde há muito, desde a década de 70, justamente quando essa nova forma de fazer história havia alcançado plena maturidade na Europa (onde, de resto, em meados dos setenta, já surgiram núcleos de estudo sobre a especificidade e o papel do esporte na sociedade contemporânea).

Murad, num esforço admirável, parte do zero e seu trabalho me é muito caro pelo fato de tratar de um objeto não só "novo", por excelência, mas, sobretudo, depreciado, tratado pejorativamente em qualquer face do espectro intelectual e político. Para  os intelectuais "sofisticados", o futebol era um assunto menor; para a esquerda, uma alienação que desviava a energia revolucionária. A história material de constituição do Núcleo revelou-se desde o esforço mais prosaico, como conseguir dinheiro pra cadernos de fichamento, até a organização de uma bibliografia razoável e de uma iconografia que, percebida corretamente, passaria a ser valorizada como fonte não só na história, mas também na sociologia.

Mas, chega de chorumela, como diria meu amigo 28, e vamos ao que interessa:

SRN


"A crítica é como o violão : um instrumento muito fácil de se tocar mal e muito difícil de se tocar bem."

Parafraseando Billy Blanco.

Por Maurício Murad

Introdução

Inúmeras são as questões que gostaria de abordar, concernentes ao artigo assinado por Antonio Jorge Soares – e este declara – com a ajuda de Hugo Lovisolo,[1] publicado no nº anterior (23/1999) desta revista. Questões epistemológicas, teóricas, metodológicas, técnicas, ideológicas. O espaço, entretanto, só permite um resumo dessas idéias, que penso, talvez, publicá-las integralmente.

O Negro no Futebol Brasileiro (NFB) (1947/Pongetti; 1964/Civilização Brasileira; l994/ Firmo), de Mário Filho é um clássico no exato sentido do termo, aplaudido por inúmeros pensadores da vida brasileira, dentro e fora dos campi. Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Edison Carneiro, Marcos Carneiro de Mendonça, Thomaz Mazzoni, José Lins do Rego, Milton Pedrosa, Fernando de Azevedo, João Saldanha, João Máximo, Edilberto Coutinho, Florestan Fernandes, Anatol Rosenfeld, José Sebastião Witter, Roberto Moura e tantos outros pesquisadores fundamentais. O autor pesquisou durante mais de cinco anos para a primeira edição e continuou num certo sentido, por mais dezessete para a segunda, revista e ampliada. Mais do que um livro (básico) de Sociologia do Futebol, é uma importante contribuição à Sociologia brasileira, para alguns tendo relevância próxima àquela d’Os Sertões, de Euclides da Cunha, ou Casa Grande e Senzala, para o entendimento de nossas estruturas básicas. O próprio Gilberto Freyre, citando, também, A. Ramos (Introdução à Antropologia Brasileira) e Roquette-Pinto (Rondonia), assim o considerava – depoimento de Freyre ao Arquivo do Instituto Joaquim Nabuco, Recife, áudio doado por Edilberto Coutinho, l977, incluindo os fecundos e elogiosos comentários de Florestan Fernandes ao NFB e seu autor.

O Núcleo de Sociologia do Futebol da UERJ tem disponível toda essa comprovação documental, além de significativa parcela dos arquivos de José Lins (que apresentou Mário a Gilberto), Thomaz Mazzoni, Mário Filho, Marcos Carneiro de Mendonça, além de depoimentos gravados em áudio e vídeo (cerca de 32 horas, incluindo parte do arquivo sonoro da Rádio JB ), com jogadores, jornalistas e dirigentes dos anos 30 (Domingo, Leônidas, Zezé), anos 40 e 50 (Barbosa, Flávio Costa, Zizinho, Jair, Ademir), 60 e 70 (Didi, Nilton Santos, Pelé, Garrincha, Pompéia, Orlando Baptista, Luís Mendes, Agatirno, João Havelange, PC Caju, Jairzinho) e mais pra cá: Júnior Baiano, Iranildo, Lúcio, Romário Amaral, Odvan, etc. como, também, mais de trezentas cópias (307, exatamente) de documentos, revistas esportivas e jornais de época falando sobre as relações sócio-raciais no interior do futebol brasileiro. São eloqüentes depoimentos dos agentes sociais envolvidos, personagens históricos das ações e conjunturas observadas. Com base (não somente) neste manancial, citado apenas em parte, é que realizo meus estudos e pesquisas sobre a participação do negro em nosso esporte-rei. Há 20 anos mais ou menos acumulo esses acervos e há 10 de modo sistemático, quase cotidiano. Por isso li com alguma surpresa, o artigo de Antonio Jorge Soares no último número desta revista. Com preocupante tranqüilidade, critica-se um campo de trabalho razoavelmente consolidado, já faz algum tempo. Em todo o artigo, questiona-se a autoridade, as fontes e a consistência de quem pesquisou a temática do negro no futebol brasileiro, como se a fonte de todos (equivocadamente e de modo indevido para a pesquisa científica, tomados em bloco) fosse exclusivamente Mário Filho e, mais grave, com se Mário fosse só O Negro no Futebol Brasileiro.

Se ele foi e ainda é uma referência (inclusive para os “novos pesquisadores”, como Soares) é tão somente porque é um clássico. Foram quarenta anos de militância de Mário Filho nos esportes em geral e no futebol em particular, desde a histórica a entrevista com Marcos Carneiro de Mendonça, em 1927, até sua morte em l966. Colunas esportivas nos jornais A Manhã, Crítica, O Globo, Jornal dos Sports, revista Manchete. Livros como A Copa Rio Branco de 32 (1943, José Lins do Rego fez o prefácio), Histórias do Flamengo (l946)[1], o Romance do Futebol (1949) etc. Trabalhou e muito com seu irmão Milton, na pioneira atividade dos cine-jornais, no famoso “Esporte em Marcha”, uma espécie de antecessor do definitivo Canal 100, de Carlinhos Niemeyer, em linguagem e temática, além da sofisticação de imagens, aliás imprescindíveis para aquilo que estamos debatendo aqui. Imagens que não foram citadas e, tudo indica, nem pesquisadas. Em 1947, portanto, quando da primeira edição do NFB, 20 anos já haviam se passado e Mário Filho já havia produzido muito, acumulado experiência e amadurecido seu assunto preferido e sempre revisitado: as relações sócio-raciais no futebol brasileiro. Florestan Fernandes, no áudio acima referido, fala da obsessividade de Mário em conferir tudo antes de escrever.

A crítica é livre, necessária e estimulante, mas há que ser acompanhada pela ética acadêmica e respeito pessoal, ou tudo pode desandar. A meu juízo, um pouco mais de leitura e mais complexidade, teriam evitado tantos deslizes. Não teria sido mais fecundo reexaminar Mário e o NFB, no interior de seu zeitgeist? Por que houve, poder-se-ia dizer, a opção metodológica, por um certo etnocentrismo acadêmico? Se a verdade não é em Mário definitiva, como não o é em nenhum de nós, porque será em Soares? Um pouco mais de leitura e complexidade, teriam evitado deslizes, também, em relação a nós. No meu caso particular, em verdade, foram tomados como base de consultas, dois e não três resumos de pesquisas, como está na bibliografia. O do Congresso Mundial de Educação Física, 1997, é o mesmo de Pesquisa de Campo, no. zero, um pouco mais ampliado, um pouco mais circunstanciado em suas categorizações. Isto poderia explicar o porquê da inclusão de mais uma fonte, bem como sua serventia, para o desenvolvimento do texto. No entanto, a periodização eleita e citada no artigo, é justamente a outra que, por razões de espaço, é mais esquemática e simples. Pior: meu livro, bem mais completo e fundamentado, no qual indico inúmeras fontes documentais, explicando a periodização, por exemplo, com seus critérios teóricos e cortes metodológicos, sequer foi comentado. Meu trabalho foi editado com parcialidade. Por que? Da periodização que foi utilizada (Soares, 1999:140,141) para a outra, constante da bibliografia, há uma diferença de exatos nove itens explicativos, que excluídos, é óbvio, modificam as conclusões, inclusive no que concerne à noção de “rebranqueamento”, entre aspas, a qual não faz parte do texto amplificado. Trechos excluídos, sem nenhuma explicação e/ou justificativa, além do esquecimento das razões (isto está no livro) que me levaram a elaborar uma periodização (pedido dos alunos, apenas como ponto de partida, para que a mesma pudesse funcionar como referencial da segunda unidade do meu curso Sociologia do Futebol), embora reconhecesse, previamente, os riscos de simplificação de todo método de periodizar, nunca taxativos e sempre passíveis de questionamentos.

(continua)

domingo, 20 de março de 2011

Farinha do mesmo saco

Por 28



Acabo de quebrar a televisão, Máximo. Taquei a muleta no tubo. Ainda uma philco à válvula e não sei se vou comprar outra, pois posso muito bem ver o Flamengo no botequim. É que dá vergonha de ver o que vi: 

Primeiro, a polícia federal, é isso mesmo, meu irmão, a própria polícia federal tendo se submeter à revista dos agentes de segurança americanos pra entrar no hotel onde estava o Obama.

Segundo, a vassalagem reles do noticiário, culminando com a pérola:

"É muito bom ver o Obama tão envolvido com o nosso futebol."

Ainda bem que é tudo farinha do mesmo saco, Obama, o resto do Rio, a vassalagem midiática. A frase servil veio por conta da confusão do Obama, quando resolveu fazer graça referindo-se à paixão do brasileiro pelo futebol e se enrolando todo ao dizer o nome da pelada fuleira que o resto do Rio aporrinhava no engenhão.

Pede licença aí ao Plácido. De fato, "só não é pior ser surdo."

quarta-feira, 16 de março de 2011

O MANTO SAGRADO não veste imperialista

Por Plácido Gonzaga Bastos


Escuto no pré-jogo - de cuja volta acabamos de nos livrar vencendo o bravo Fortaleza por 3 x 0  (golaço do moleque Diego Maurício, de quem tem vocação pra artilheiro, deixou a bola passar no passe do Ronaldinho, virou o corpo e bateu colocado no canto direito) -  que Obama descerá de helicóptero na Gávea. Talvez só não seja pior ser surdo. 

O MANTO SAGRADO não veste imperialista.

Obama, ademais,  nunca me enganou. Refém de uma estrutura de poder imperialista, não ascenderia ao topo de sua hierarquia sem ter sido devidamente assimilado. Documentos internos da diplomacia americana, revelados pelo wikileaks, são a prova. O governo Obama, a despeito da caricatura de arquibancada de que "Lula era o cara", atuava nos bastidores bombardeando o Celso Amorim e a nossa política externa Sul-Sul. Teme a emergência brasileira por não nos considerar confiáveis, permeáveis que somos a "políticas populistas e de esquerda". A estratégia de bloqueio é notória, com a má-vontade  em nos admitir ao Conselho de segurança da ONU, a rejeição ao fim da taxação de nosso etanol, concorrente norte-amerciano em seu próprio mercado (livre mercado, de resto,  só quando convém) e a suspeita de que pretendemos o imperialismo através de uma nova política nuclear e atuação solo no Oriente Médio, haja vista nossa postura independente com relação ao Irã.

Infelizmente, a cor da pele de Obama deu ao imperialismo o verniz progressista que sempre lhe faltou. Nesse sentido, um desserviço aos diversos movimento negros internacionais que, independente de ideologias, sempre se pautaram pelo viés progressista anti-imperialista.


Chega ao Brasil na semana que vem. Ao invés da Gávea, poderiam levá-lo ao engenhão para uma recepção à altura da Nação Rubro-Negra:

Uma vaia uníssona em Preto e Vermelho.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Ao invés de "estrutura", falta feno

Por Luis Paulo Silva

A cidade é um espaço multifário e polissêmico. Nela todas as formas e tipos de comportamento são possíveis. A tradição inventada encontra na cidade um espaço próprio. Porém, a repetição ritualizada de situações novas pode não produzir os efeitos previstos. A realidade opõe resistências, contradições a serem superadas, e, mesmo, até rejeitá-las. Situações novas, ainda que bem planejadas, não são absolutas. A ideia não precede nem conforma a realidade. A rigor, depende desta.

Eis o contexto da realidade do resto do Rio - expressão tão usada neste blog que já não mais lhe reconheço a autoria. Resto é o resto, ademais já é demais quaisquer epítetos, esforço de concisão, para a fauna das laranjeiras, o vizinho do pinel e os de segunda de são cristóvão. 

O elefante branco ontem parecia ainda mais ridículo. Só faltava o Cesar Maia pra tomar sorvete que comprou no açougue e oferecer ao Murici. Ambos parecem uma repetição desafinada tentando Stravinsky, ao invés da guarânia paraguaia da roça do tietê da qual o "professor" é originário. 

A proximidade ecológica entre a roça e as laranjeiras é capaz de situações inventadas como a história do boitatá de que falta "estrutura". Há em Vila Isabel - bairro do Máximo - o campo do Confiança, da antiga fábrica imortalizada por Noel, onde hoje é a quadra do salgueiro, na Silva Telles. Esburacado e com mato à altura do joelho, talvez fosse a 'estrutura' que falta à fauna, nitidamente herbívora, do retranqueiro caipira milionário nessa terra que nos dá chitãozinho e xororó. 

E o Flamengo ainda teve de entrar em campo pra jogar contra esses troços. Paciência.

SRN

sábado, 12 de março de 2011

Moendo Gente

Por Tácito Pereira Nunes

O futebol é muito importante para ficar entregue a si mesmo. Muito pior à crônica esportiva, que só valia quando nela escreviam João Saldanha e Sandro Moreira, no antigo Jornal do Brasil.

Permitir o futebol à plastificação editorial, em uma formatação de vinhetas e lead ao estilo Lar do Padro, corresponde a entregar a historiografia às mãos da lenda do gaúcho macho de um Peninha de pampa gremista. 

Darcy Ribeiro dizia que o Brasil era uma máquina de gastar gente. Não há ideia mais apropriada para começar a se falar de futebol, quando se trata particularmente de personagens como o Adriano.

O moralismo da hipocrisia da crônica que não resiste a uma boca livre pendura no Adriano exigências e expectativas inumanas e covardes. Figuras típicas do "jabá", agora atualizadas vendendo planos de saúde e assinaturas de tvs a cabo, provocam asco pela conspurcação de palavras como ética e moral. Implacáveis, atacam os "chinelinhos" até o limite da irresponsabilidade. Travestem-se de médicos e lançam diagnósticos, evidentemente sob o patrocínio de algum laboratório muito conveniente. 

A extensão do mercado da bola está na exata medida de sua comunicação neste capitalismo do espetáculo em sucedâneo ao industrial. Estrutura de faturamento numa escala planetária, articulando federações, confederações, sob coordenação da multinacional-mor, a Fifa. Um concerto de interesses de faturamento nebuloso, mas cuja face disponível é justo a mais justa: o rendimento do atleta da bola sem o qual tamanha estrutura não passa de um castelo de areia feito na praia da Bica na Ilha do Governador.

Em poucas palavras: para que Adriano ganhe quinhentos, ou Ronaldinho um milhão, há uma estrutura cujo faturamento gira em torno de no mínimo 20 vezes mais.

Como Rubro-Negro, gostaria de ver o Adriano de volta. 

Seja bem vindo, meu irmão, campeão de 2009. 

HEXA legítimo.

SRN

quarta-feira, 9 de março de 2011

Tuiuti

Por Cinéfilo



Da experiência desta madrugada, olhando-a a Rubro-Negrir a Beleza, Linda Negra sem passo marcado, ficou-me uma impressão muito agradável. Ainda não sei exatamente como defini-la...

Melhor o mais cômodo, na  conexão indispensável: futebol, carnaval, cinema, exatamente pelo que os três têm de comum e que os define: são imagens em movimento, ora improvisadas, ora coreografadas.

O que não é senão coreografia uma jogada ensaiada no futebol? E o drible, a ginga do passista?


Deste núcleo - imagem em movimento, ora improvisada, ora coreografada - penso se poderia partir para a elaboração de um roteiro que buscasse um bom rendimento estético.

Repare a força da representação simbólica do que vimos no entorno do sambódromo. A degradação urbana, a pobreza decadente, em contraste com o espaço da fantasia e da sofisticação no interior da passarela do samba. O conteúdo social nem precisaria de estetização. Bastaria uma câmera apenas percorrendo aquelas ruas degradadas.


A partir do "Menisco", incorporar estas duas ideias: imagens em movimento (ora improvisadas, ora coreografadas) do mundo da bola e do samba, com uma espécie de "cãmera de registro" da decadência urbana?

 A própria condição do protagonista - um jogador medíocre, irrelevante, cujo grande feito fora obedecer a ordem de quebrar o craque -  poderia ser o fio condutor destas ideias.

terça-feira, 8 de março de 2011

Abre-Alas

Por Luis Paulo Silva

O abre-alas pode ser descrito rápido. As cores pingam junto com a chuva, a trama de ferragens expostas.
 
Largo da Segunda-feira já ensaiava o mafuá em que se transformaria à entrada do metrô.  Quase na Sãens Pena um botequim, este sim excelente, sem cheiro de gato frito, com pouco movimento e com uma moela igualmente excelente, macia, feita, provavelmente, na soda cáustica. Dito assim, fica o início de um desses depoimentos românticos, tão tipicamente carioca, na linha do boêmio profissional em homenagem ao bar de preferência. Mas  alguém irascível, completamente desprovido de qualquer traço de boemia - o gosto do fluir da noite, do bom papo, de beber o que puder -  certamente não esquenta botequim, era também a engrenagem anaglifa que não deixava esquentar copo, bebendo rápido, isolado,  adiante no botequim seguinte.

Um filme antigo. Entre o bar e o filme, a claustrofobia, a fotografia estourando do copo e o “travelling” passeando na cena. Na cela, o advogado e o cliente. O recurso do “travelling” usado adequadamente, nas quatro faces da cela, com o advogado visitando seu cliente `as portas do corredor da morte. A câmera exibe a perspectiva. O advogado se prepara, respira fundo, levanta a cabeça. O carcereiro abre a grade. A câmera entra junto com o advogado, que se dirige para o ângulo oposto, para a cama sem nenhum tipo de apoio, presa em balanço, abrigando o corpo estendido do cliente. Este parece morto, mas está catatônico. Excederam a solitária e passa quase o tempo todo, dia e noite, na mesma posição em que a câmera, após sair da cela, capta agora, no fluir do seu movimento. Primeira face, segunda face, terceira face. Entra e sai novamente. E é aqui que a solução fica interessante, na quarta face. Sem descontinuidade, a quarta face captada é exibida íntegra, sem que se perceba que houvera sido retirada e a um só tempo colocada, para, respectivamente, a entrada e a saída da câmera.