Marcos
Napolitano é um historiador cujas pesquisas sobre o golpe de 64 e a ditadura
que se lhe seguiu devem ser lidas com atenção. Destaco dois pontos da
entrevista de 2014, www.cafehistoria.com.br/regime-militar-brasileiro-uma-historia-de-muitas-batalhas/:
A
crítica ao argumento da conjuntura de então esgotar o golpe, bem como não autorizar
inferências à ditadura adiante; a ambigüidade incômoda das Forças Armadas
quanto ao regime que executaram, explicitamente, até 1985.
“O
golpe de 64 foi uma das batalhas da Guerra Fria na América Latina”, palavras de
Napolitano, sem prejuízo da componente circunstancial interna, do ambiente
polarizado em que estava imerso o governo Jango, sem esquecer, todavia, de
mobilizar, concomitante, o aporte teórico que o justifica como historiador, ao
falar das múltiplas temporalidades no acontecimento decisivo do golpe que não
pode ser compreendido como mero dado, mas, produção social para cuja narrativa
indispensável considerar “o golpismo da direita udenista (...) desde 1950, bem
como a desconfiança dos militares da capacidade de mobilização popular de tradição
getulista e trabalhista.” Napolitano ressalta ainda o modelo como projeto de
Estado a servir para os golpes vizinhos posteriores, entre os quais o que sofre
Allende, no Chile, em 1973, aliás, a 11 de setembro de 1973: propaganda de
desestabilização, aliança de classes superiores com a direita militar (da qual
não se exclui – penso eu, no caso brasileiro, com alguma distinção do chileno –
a nacionalista autoritária, não alinhada com os EUA, embora visceralmente
anticomunista), segurança sob um Estado indutor do desenvolvimento em uma
economia de mercado.
Já o
segundo ponto diz respeito à chamada “transição democrática”. Menos por pressão
insuportável da frente de oposições do que pela ameaça representada à unidade e
à hierarquia militares pela “politização da oficialidade durante a ditadura”.
Ainda não li o livro de Napolitano, “1964 – História do Regime Militar
Brasileiro”. Nele, certamente a “politização da oficialidade” pode também
encontrar um viés de expressão significativo na autonomia que ganharam as
“comunidades” de informação, segurança e repressão. Estas ameaçaram, de fato,
os cânones militares de hierarquia e unidade. Eis a ambigüidade: embora
ressentidos por não terem o reconhecimento que acham que mereciam
por salvar a pátria cristã do ‘perigo vermelho”, sabem os militares que, dentre
as razões para o afastamento da política por período de tempo inédito como o
que temos desde 1985, está o constrangimento incômodo, difícil de admitir num
trabalho de memória, das torturas, repressão e censura enquanto política de
Estado, entregues, de resto, sem escrúpulos, a órgãos, aos intestinos da
subversão militar, pois que não foram outra coisa as “comunidades” de
informação, segurança e repressão: subversão interna da ordem militar.
Esta
postagem já está longa. Mas, como os dois pontos excederam, vale apontar mais
dois:
Napolitano
afirma que o “caráter messiânico” das Forças Armadas esgotou-se pela
experiência da ditadura. A entrevista é de 2014. Hoje, penso que o historiador pararia
pra pensar e enfatizar um outro ponto da entrevista, aquele em que se refere ao
amadurecimento do debate historiográfico relativamente “a um exame mais
profundo sobre os processos sociais da construção da memória sobre a ditadura.”
Não acham?
SRN