terça-feira, 5 de março de 2019

Megalomania epifânica

A política, para Bolsonaro, sempre foi um emprego. Detestável, mas um bom meio de viver com conforto, sem cobranças, batendo o ponto aqui e ali em extravagâncias calculadas para chocar. Viu que era um filão, bem de acordo com o argumento de xenófobo de extrema-direita que usou para, quando, na ativa, compensar o oficial abaixo da mediocridade e que acabou por levá-lo a ser forçado à reserva. É famosa a entrevista do capitão raivoso na Veja há mais de trinta anos. Como são famosos também os rabiscos de bomba em quartéis como reivindicação trabalhista por soldo. 

Nos trinta anos que se seguiram, Fernando Henrique não o conheceu, embora tenha ouvido falar que, da Câmara, o deputado Bolsonaro tinha muita vontade de fuzilá-lo.

A tecnologia da informação muda muita coisa nas relações de produção. O campo simbólico torna-se um acesso para a intervenção tão relevante quanto a economia. Trata-se mesmo de economia. E não se conhece melhor aproveitamento do que o que obtivera o movimento de extrema-direita estadunidense, "alt-right", na eleição de Trump.

Aqui, Steve Bannon, seu articulador, deve ter observado junho de 2013. Percebeu que, pela primeira vez, a direita podia fazer das ruas pauta e espaço. Bastava o discurso certo e faturar o ressentimento popular contra o sistema de democracia representativa. Não ilude que Bolsonaro estivesse à disposição, pronto para uma vida ainda melhor, bastando ser o que era (ainda por investigar - é certo - como entram os generais do tal Grupo de Brasília, em um nível de articulação cujo desvelamento é tão importante quanto as ameaças à soberania).

Bolsonaro é pouco inteligente, mas, demonstrou disciplina para seguir o roteiro. Quando escreve, como no tuíte de hoje, que a luta para acabar com o "viés socialista" da cultura brasileira equivale à luta econômica, acredita que o desprezo que tem pelo emprego que o sustenta há trinta anos o autoriza a transformar em epifania mera circunstância eleitoral. 

Bolsonaro e seus filhos -"Presidente Trump, os brasileiros apoiam o seu muro" - são apenas idiotas. Mas, até quando e a que custo?


SRN


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

FHC disse tudo sobre a curatela militar? E Bannon?

A história não tem destino nem, há muito, serve como mestra. A teleologia superada pela historiografia e o presentismo que já fez o historiador Hobsbawn, em um dos textos em Sobre História, ironizá-lo com o certeiro “ou Elvis morreu ou Elvis não morreu” – nem um nem outro, entretanto, inviabiliza a perspectiva. Há fontes que ajudam a tentar entender, dar um sentido ao movimento que escoa a vida.


A curatela militar é assim bem caracterizada por Fernando Henrique, em entrevista ao sítio DW Brasil. Questionado sobre o futuro do governo Bolsonaro, entre o “liberalismo econômico, a racionalidade burocrática-militar ou o conservadorismo militante e insensato”, Fernando Henrique considera que “a tecnocracia é conservadora, mas não é reacionária, retrógrada.” E ironiza a Tríade Escatológica que fará Jesus cantar, primeiro, do alto da goiabeira, o hino nacional, para, depois, entrar numa nave alienígena, sentar-se ao lado de Trump e, juntos, desembarcarem na história em missão de resgate da Sociedade Cristã Ocidental.

O cerne do problema recorta a preocupação que poderia ser melhor explicada: para Fernando Henrique, os militares “não tinham e não têm o propósito de voltar ao poder, vão acabar comprometidos”, por serem os mais sensatos neste governo improvisado em facebook.

Será que o ex-presidente não sabe nada a respeito da ação de Steve Bannon e do que precedeu e constituiu a aglutinação dos militares do tal Grupo de Brasília?

SRN


quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A mesa do gabinete 01 veio do botequim

Não tivemos campanha eleitoral. Tudo resumiu-se a um plebiscito sobre a volta ou não do Lulismo. Doze anos no poder de uma democracia representativa traz sempre um desgaste. E a conciliação, que integrara rentismo e inclusão, precisava garantir-se, buscar fontes que financiassem a continuidade quando não percebeu que alguma coisa havia mudado, com junho de 2013 uma espécie de esfinge. O Lulismo começa a ser devorado. O naco mais forte, arrancando carne e um pedaço do fígado, veio com a Lava-jato. 

A grande façanha, porém, foi o teste das ruas feito pela direita "verde-amarela". Poderia usá-las, a mobilização em rede. O ressentimento popular necessita muito pouco, sua satisfação não faz grandes exigências. O sucesso de personagens autoritários encontra, assim, um caminho rápido, percorrido com respostas simples para problemas complexos. A mesa do gabinete presidencial vem do botequim onde pouco antes, para um pingado e pão na chapa, o personagem discutiu, debateu e resolveu o Brasil em seis minutos. Força, nostalgia, epifania. 

SRN