Este é um texto que achei no cruzamento da Negrão de Lima com a Teodoro da Silva, quando voltava da UERJ. Chamou-me a atenção pelo envelope Rubro-Negro e quem o escreveu deve ter finalmente compreendido a felicidade enquanto possível.
SRN
"Em algumas ruas de Vila Isabel não deveríamos usar os pés. Talvez porque os olhos se revelam distraídos. Os ouvidos, é provável. Vila Isabel, por outra, é também tátil. Le Corbusier, segundo os antigos, havia rascunhado no botequim onde hoje é o Petisco o primeiro croqui do que depois seria o prédio do Ministério da Educação, hoje Palácio Gustavo Capanema.
Vila Isabel nisso possui particularidades de uma história mais ou menos na linha do que queria Bloch. Dispusemos aqui de uma cronologia absolutamente inútil e o que sentiu Le Corbusier é razoavelmente bem percebido. Corbusier escreveu, naquele tal botequim, antes de pegar o 433 pra Copacabana, que "Niemeyer possuía nos olhos as montanhas do Rio". Ao que Niemeyer, Grande Rubro-Negro, a fim de deixar tudo bem claro, resolveu dizer que, de fato, usava curvas, a arquitetura moderna era feminina, cheia das curvas que ele vira na negra na praia e resolvera aplicar no seu vocabulário plástico da curva maviosa, sensual.
Vila isabel é, ao mesmo tempo, a contradição, o anti-panegírico, como Noel Rosa, a quem desgostaria o circo armado em sua homeagem pelo centenário transcorrido no ano passado. É que aqui também se produzem obviedades. Alguns tipos encontráveis a cada minuto e esquina do Rio. Algumas morenas, morenas escritas assim, morenas, que não rechaçam o eufemismo numa espécie de desculpa para o racismo inconsciente. Morenas desse tipo são encontráveis em todos os bairros. A surpresa, entretanto, está quando se cruza algumas ruas do bairro e o que se ouve, como resposta, à semelhança das letras de música em sua calçada da 28, é:
"Morena, não. Eu sou negra."
Consta que Le Corbusier saiu sem pagar a conta. Nada mais justo.
"Morena, não. Eu sou negra."
Experimente andar distraído pela 28 e irá voltar a querer mais da vida do que o suficiente.
Há no encantamento produzido uma curva linda, maviosa, sinuosa, de uma exuberância que transborda intuição que o dia em que calçar-se em erudição além do suficiente, tal qual as ruas de pedras musicais da 28, certamente não caberá em ruas estreitas nem de transição que ligam, por exemplo, à Tijuca.
"Celacanto provoca maremoto."
Quem não se lembra da frase, escrita como um presságio, nos muros da cidade ao longo da década de 70?
Pois é isto
Alguns encantamentos não suportam o aperto da realidade mesquinha.
Cristalizá-las significa o cárcere, sem sequer o talento de um Graciliano para imortalizá-las."
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