segunda-feira, 2 de abril de 2012

Se beber não dirija nem ande perto do Thor nem do Namor, do Hulk nem do Capitão América

Por Tadeu dos Santos



De início, cabe salientar que sabemos das nobres razões que animaram o espírito do legislador pátrio ao trazer para nosso Direito Positivo normas que coroavam o princípio da inocência.

A  regra proibitiva de produção de prova em seu próprio desfavor também possui o condão de colocar nosso ordenamento jurídico dentre aqueles que primam pela segurança jurídica e pela proteção das garantias individuais.

Festejei também a chegada do transporte alternativo ao país. Mundo afora ele fora fator de sensíveis melhorias no ir e vir das pessoas.  Foi também um elemento propulsor da iniciativa individual, inúmeros trabalhadores passaram a viver dos haveres obtidos naquela prestação de serviço. De outro lado,  houve redução no preço das tarifas e modernização de ônibus, trens e metrô.

Por aqui a milícia assumiu a condição de empregador, adquirindo os automóveis e pagando vis salários. Os motoristas passaram também a ser massa de manobra dos políticos  e caixa 24 horas de “nossas forças desegurança”.

Em suma, se algo mudou, foi pra pior.

A interdição da possibilidade de que provas sejam produzidas contra o próprio indivíduo segue na mesma direção. É uma beleza quando oposta a militares torturadores e um acinte quando evocada por motoristas cambaleantes.

No entanto, o STJ não se deu por contente e foi além. São, pois,inservíveis, depoimentos de testemunhas e agentes de trânsito.

Então estamos assim: o ser em adiantado estado etílico sobe a calçada e mata uns 5. Ciente da decisão do STJ se nega a submeter-se ao bafômetro e recusa o exame de sangue. Ainda que testemunhas e agentes de trânsito confirmem a evidente embriaguez, a mesma não será admitida como tal, eis que não confirmada nos exatos termos preconizados pela Lei, a saber:  mais de um mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue.

Eduardo Couture, famoso jurista uruguaio afirmava que “quando o Direito ignora a realidade, esta (a realidade) se vinga e ignora o Direito”.

Dados estatísticos apontam para a existência de 42 mil mortes no trânsito por ano. Destas, estima-se que aproximadamente 50%, ou seja, 21 mil devam-se ao elevado consumo de álcool. Os dados, admitamos, são alarmantes e pugnam por uma solução que ponha fim à tragédia que diariamente ceifa vida de brasileiros inocentes.

A análise política do Direito Penal costuma extremar as posições que em tempos idos eram chamados esquerda/direita.

A direita posiciona-se em prol da “cadeia para todos”, eis quedestinada a viabilizar a sustentação do status quo.

Em seu livro “De crimes, penas e fantasias”,  Maria Lúcia Karam já demonstrava que o furto qualificado era apenado de maneira mais gravosa do que a lesão corporal de natureza grave, ou seja, privilegiava-se a defesa do patrimônio de maneira muito mais eficaz do que a proteção física do indivíduo.

Na íntegra os dispositivos legais:

Furto qualificado:
      
§ 4º - A pena é de reclusão dedois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
       I - com destruição ou rompimento deobstáculo à subtração da coisa;
       II - com abuso de confiança, oumediante fraude, escalada ou destreza;
       III - com emprego de chave falsa;
       IV - mediante concurso de duas oumais pessoas.
       § 5º - A pena é de reclusão detrês a oito anos, se a subtração for de veículo automotor quevenha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.

Art.129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
      
Pena - detenção, de três meses aum ano.
       Lesão corporal de natureza grave
       § 1º Se resulta:
       I - Incapacidade para as ocupaçõeshabituais, por mais de trinta dias;
       II - perigo de vida;
       III - debilidade permanente demembro, sentido ou função;
       IV - aceleração de parto:
       Pena - reclusão, de um a cinco anos.
       § 2° Se resulta:
       I - Incapacidade permanente para otrabalho;
       II - enfermidade incuravel;
       III perda ou inutilização domembro, sentido ou função;
       IV - deformidade permanente;
       V - aborto:
       Pena - reclusão, de dois a oitoanos.

Se roubar a coisa piora sensivelmente, vejam:

Roubo
       Art. 157 - Subtrair coisa móvelalheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violênciaa pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido àimpossibilidade de resistência:
       Pena - reclusão, de quatro a dezanos, e multa.

E é como se o legislador afirmasse: Mate, mas não roube. Fure um olho, mas nada de afanar um relógio.

Por outro lado, a esquerda batia-se pela descriminalização. Ora, se o Direito penal era um evidente instrumento de dominação de classes, se tinha por intuito fazer com que o desvalido aceitasse sua condição e se cadeia era só pra pobre, nada como o vácuo legal para alcançar a igualdade formal jurídica.

Não é objetivo do presente texto que desçamos às minúcias dessa vetusta e algo ultrapassada discussão.

Não há, porém, como deixar-se de concluir que em sede de acidente de trânsito opera-se a evidente inversão da compreensão do Direito suprareferida.

Tem-seque aqui o agente ativo transgressor é, via de regra, proprietário.E o agente passivo-vítima é o desvalido (pedestre).

Diz-seque em lugar algum o acirramento das penas trouxe em seu bojo adiminuição da prática de crimes. De igual maneira, também não se tem notícia de que a diminuição do apenamento ou mesmo a sua eliminação, tenha produzido alhures alguma sociedade que reduzisse sensivelmente seus índices de criminalidade. A fórmula, ao que tudo indica, carece de demonstração científica. Repetida a experiência,os resultados são os mais díspares possíveis. 

Em meio à promessa tornada pública pelo congresso no sentido de aprimorar a lei, às discussões jurídicas que seguirão e às muitas cervejas que ainda serão sorvidas, muitas vidas, decerto, se perderão.

E isso é deveras lamentável.

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