Por Tadeu dos Santos
De início, cabe salientar que sabemos das nobres razões que animaram o espírito do legislador pátrio ao trazer para nosso Direito Positivo normas que coroavam o princípio da inocência.
A regra proibitiva de produção de prova em seu próprio desfavor também possui o condão de colocar nosso ordenamento jurídico dentre aqueles que primam pela segurança jurídica e pela proteção das garantias individuais.
Festejei também a chegada do transporte alternativo ao país. Mundo afora ele fora fator de sensíveis melhorias no ir e vir das pessoas. Foi também um elemento propulsor da iniciativa individual, inúmeros trabalhadores passaram a viver dos haveres obtidos naquela prestação de serviço. De outro lado, houve redução no preço das tarifas e modernização de ônibus, trens e metrô.
Por aqui a milícia assumiu a condição de empregador, adquirindo os automóveis e pagando vis salários. Os motoristas passaram também a ser massa de manobra dos políticos e caixa 24 horas de “nossas forças desegurança”.
Em suma, se algo mudou, foi pra pior.
A interdição da possibilidade de que provas sejam produzidas contra o próprio indivíduo segue na mesma direção. É uma beleza quando oposta a militares torturadores e um acinte quando evocada por motoristas cambaleantes.
No entanto, o STJ não se deu por contente e foi além. São, pois,inservíveis, depoimentos de testemunhas e agentes de trânsito.
Então estamos assim: o ser em adiantado estado etílico sobe a calçada e mata uns 5. Ciente da decisão do STJ se nega a submeter-se ao bafômetro e recusa o exame de sangue. Ainda que testemunhas e agentes de trânsito confirmem a evidente embriaguez, a mesma não será admitida como tal, eis que não confirmada nos exatos termos preconizados pela Lei, a saber: mais de um mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue.
Eduardo Couture, famoso jurista uruguaio afirmava que “quando o Direito ignora a realidade, esta (a realidade) se vinga e ignora o Direito”.
Dados estatísticos apontam para a existência de 42 mil mortes no trânsito por ano. Destas, estima-se que aproximadamente 50%, ou seja, 21 mil devam-se ao elevado consumo de álcool. Os dados, admitamos, são alarmantes e pugnam por uma solução que ponha fim à tragédia que diariamente ceifa vida de brasileiros inocentes.
A análise política do Direito Penal costuma extremar as posições que em tempos idos eram chamados esquerda/direita.
A direita posiciona-se em prol da “cadeia para todos”, eis quedestinada a viabilizar a sustentação do status quo.
Em seu livro “De crimes, penas e fantasias”, Maria Lúcia Karam já demonstrava que o furto qualificado era apenado de maneira mais gravosa do que a lesão corporal de natureza grave, ou seja, privilegiava-se a defesa do patrimônio de maneira muito mais eficaz do que a proteção física do indivíduo.
Na íntegra os dispositivos legais:
Furto qualificado:
§ 4º - A pena é de reclusão dedois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento deobstáculo à subtração da coisa;
II - com abuso de confiança, oumediante fraude, escalada ou destreza;
III - com emprego de chave falsa;
IV - mediante concurso de duas oumais pessoas.
§ 5º - A pena é de reclusão detrês a oito anos, se a subtração for de veículo automotor quevenha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior.
Art.129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:
Pena - detenção, de três meses aum ano.
Lesão corporal de natureza grave
§ 1º Se resulta:
I - Incapacidade para as ocupaçõeshabituais, por mais de trinta dias;
II - perigo de vida;
III - debilidade permanente demembro, sentido ou função;
IV - aceleração de parto:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 2° Se resulta:
I - Incapacidade permanente para otrabalho;
II - enfermidade incuravel;
III perda ou inutilização domembro, sentido ou função;
IV - deformidade permanente;
V - aborto:
Pena - reclusão, de dois a oitoanos.
Se roubar a coisa piora sensivelmente, vejam:
Roubo
Art. 157 - Subtrair coisa móvelalheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violênciaa pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido àimpossibilidade de resistência:
Pena - reclusão, de quatro a dezanos, e multa.
E é como se o legislador afirmasse: Mate, mas não roube. Fure um olho, mas nada de afanar um relógio.
Por outro lado, a esquerda batia-se pela descriminalização. Ora, se o Direito penal era um evidente instrumento de dominação de classes, se tinha por intuito fazer com que o desvalido aceitasse sua condição e se cadeia era só pra pobre, nada como o vácuo legal para alcançar a igualdade formal jurídica.
Não é objetivo do presente texto que desçamos às minúcias dessa vetusta e algo ultrapassada discussão.
Não há, porém, como deixar-se de concluir que em sede de acidente de trânsito opera-se a evidente inversão da compreensão do Direito suprareferida.
Tem-seque aqui o agente ativo transgressor é, via de regra, proprietário.E o agente passivo-vítima é o desvalido (pedestre).
Diz-seque em lugar algum o acirramento das penas trouxe em seu bojo adiminuição da prática de crimes. De igual maneira, também não se tem notícia de que a diminuição do apenamento ou mesmo a sua eliminação, tenha produzido alhures alguma sociedade que reduzisse sensivelmente seus índices de criminalidade. A fórmula, ao que tudo indica, carece de demonstração científica. Repetida a experiência,os resultados são os mais díspares possíveis.
Em meio à promessa tornada pública pelo congresso no sentido de aprimorar a lei, às discussões jurídicas que seguirão e às muitas cervejas que ainda serão sorvidas, muitas vidas, decerto, se perderão.
E isso é deveras lamentável.
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