sábado, 14 de maio de 2011

Blanc, técnico da seleção francesa: "Os espanhóis dizem: nós não temos problemas. Não temos negros."

Por Máximo

"A polêmica veio à tona após a publicação de uma reportagem feita pelo diário Mediapart. A matéria revelou a existência de um suposto plano para estabelecer sistema de cotas nos centros de treinamentos de categorias de base da França. Haveria um limite de 30% para jogadores negros ou de origem árabe.

O projeto previa mudanças nos critérios de convocação para as seleções de base da França e afetaria jogadores a partir dos 12 anos. Segundo o Mediapart, Blanc teria defendido a ideia ao comparar a situação francesa com a espanhola. “Os espanhóis dizem: ‘nós, não temos problemas. Não temos negros”, teria dito. O treinador negou as acusações."

Transcrevi os fragmentos acima da matéria "Ministério do Esporte da França livra Blanc de acusação de racismo", publicada em 10/05/2011 no sítio do uol, www.esporte.uol.com.br.

Talvez seja útil saber o que pensa um outro francês, que nunca jogou bola, mas, que certamente é muito melhor do que ex-zagueiro francês: o historiador Jacques Revel em fragmento de entrevista concedida ao falecido historiador Manuel Guimarães Salgado.

SRN



Jacques Revel

Bem, os historiadores têm, em todos os países, um papel na construção e legitimação da Nação. É um fato para países mais antigos como a França e para países mais recentes como o Brasil. No começo os historiadores estavam encarregados de dar forma a uma memória, que poderia ser ritual, oral, dando-lhe certificado de ciência. Poderíamos dizer que, pelo menos a partir do século XIX, os historiadores transformaram a memória em história, como fizeram Ranke para o caso da Alemanha, Michelet, Quinet, Taine e tantos outros para o caso da França. Praticamente em todos os países do mundo tratava-se de fabricar algo que pudesse ser ao mesmo tempo útil para a coletividade e perfeitamente de acordo com os critérios de neutralidade e objetividade do trabalho científico. Este era o sonho da corporação dos historiadores de ofício. De alguma maneira isto funcionou, aliás um pouco para além do que deveria. Chega então um momento quando isto não mais funcionou, e não funcionou por diversas razões. A História, que havia sido até a década de 1930, principalmente na França, uma pedagogia da Nação, transforma-se numa pedagogia do social, o que é algo de bastante diferente. Isto significa dizer que os alunos das escolas e liceus franceses passaram a aprender menos a biografia da França e mais sobre o que seria uma classe social, uma crise ou um conflito religioso.

Uma segunda razão para a mudança estava no fato de que o que chamaríamos uma História da França não tinha mais a mesma eficácia, perdera a sua força e a sua evidência em função de novas demandas da sociedade. E o que demanda a sociedade? Uma série de coisas. Em primeiro lugar a sociedade transformou-se ela mesma, tendo se tornado multicultural. Esta não é uma palavra que aprecie especialmente, porque acho que não explica muito. Em suma o que quero dizer é que entre os anos 1900-1950, os franceses podiam falar em suas colônias na África ou na Indochina a respeito dos gauleses como ancestrais comuns. Isto se tornou impossível na França e mesmo se pensarmos no caso da periferia de Paris. Isto porque ninguém mais acredita, também porque a sociedade francesa é hoje constituída por cerca de quatro milhões de magrebinos muçulmanos, de um a um milhão e meio de turcos, africanos e portugueses. Isto não é, entretanto, uma novidade: no fim do século XIX a França conheceu um forte movimento imigratório de populações vindas da Espanha, Itália e da Polônia. Este movimento parecia incomodar muito pouco uma vez que havia um modelo distinto, de forte integração cultural. Este modelo era o da cidadania francesa inventada pela Revolução Francesa. E o que dizia este modelo? Ele propunha um esquecimento do passado destas populações em troca de uma integração como franceses de forma integral. Não havia lugar, segundo este modelo, para se pensar nos termos de “afro-american ” ou “jewish-american ”. Na França era-se polonês, israelita (não se usava o termo judeu) no espaço privado, publicamente era-se francês. Com isto operava-se uma eliminação de todas as marcas de origem em nome de um modelo universal de cidadania. Hoje isto acabou, não funciona mais e o que vemos é menos uma valorização dos particularismos e mais uma valorização de sentimentos identitários. As pessoas hoje querem ser identificadas como judeu e francês, francês e magrebino, francês e africano, etc. Mesmo para o caso da sociedade francesa tradicional assiste-se a uma reivindicação de pertencimento a diferentes formas de identidade, que não apenas aquela representada pelo centro. Estas identidades podem ser regionais, de gênero, sociais, etc. Esta multiplicação de lugares de identidade trouxe consigo uma enorme onda de memória. E isto é novo: assistimos há pelo menos 20 ou 25 anos a uma erupção de memória, que em certa medida é uma memória contra a História, uma memória identitária particularista, que num certo sentido coloca uma série de problemas. Ela existe, não é nem boa nem ruim. A questão é de sabermos que História podemos fazer com ela. O que é certo, é que os modos canônicos de fazer a História da França, modos por sinal bastante antigos, acabaram provisoriamente.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Chorumela é do lado do Pinel

Por Máximo

Angelim não merecia ter sido expulso. Mas, não foi por causa disso que não nos classificamos. Não nos classificamos porque perdemos gols um atrás do outro, até de dentro da pequena área, cara a cara com o frangueiro da fauna das laranjeiras. 

Paciência. 

Chorumela é outro endereço.

Nada melhor, pois, do que divulgar fontes, boa produção acadêmica sobre o mundo da bola:

www.futebolsociedade.com.br / Núcleo de Estudos Futebol e Sociedade, do programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Paraná.

SRN





FUTEBOL, HISTÓRIA E LITERATURA : a análise de discurso como

possibilidade metodológica





PROF. Ms. Miguel Archanjo de Freitas Junior[1]

UEPG/UFPR

      NÚCLEO DE ESTUDOS FUTEBOL E SOCIEDADE



RESUMO

O objetivo deste artigo foi apontar algumas dificuldades metodológicas que tradicionalmente permeiam os estudos do futebol. Optou-se em trabalhar com a crônica esportiva como um documento capaz de apresentar o clima de uma época e adotou-se a análise do discurso como uma metodologia que permite captar o que está subentendido na mensagem. Conclui-se indicando que este tipo de procedimento permite analisar aquilo que historicamente foi desprezado pelos intelectuais, ou seja, os sentimentos expressos pelos fenômenos de massa.

TERMOS CHAVES: FUTEBOL, LITERATURA, ANÁLISE DE DISCURSO





“A intelectualidade brasileira é incapaz até de bater um córner, ou um mísero e reles arremesso lateral. Entram num estádio e logo perguntam “quem é, onde está essa tal bola?”– numa alienação digna de babar na gravata”.

Nelson Rodrigues



Esta visão expressa pelo dramaturgo Nelson Rodrigues, permaneceu na academia durante muito tempo. Entretanto, de duas décadas para cá já não se pode falar mais desta forma[2], pois a produção científica que aborda o futebol como um fenômeno sócio-cultural, suplantou senão quantitativamente certamente qualitativamente tudo o que já havia sido produzido anteriormente.

A explosão de trabalhos relativos a historiografia do esporte é decorrente fundamentalmente da quebra dos paradigmas explicativos (estruturalismo e marxismo), que normalmente definiam teórica e aprioristicamente os objetos dignos de serem estudados por esta área de conhecimento. Tradicionalmente tudo que não fosse diretamente relacionado a política e a economia, acabava sendo relegado para um segundo plano. Giulianotti atribui esse desprezo ao desdém intelectual à cultura de massas, como se verifica entre os teóricos frankfurtianos, pelo fato dessa cultura “impressionar o povo consumista com a trivialidade de jogar e assistir a jogos” (Giulianotti, 2002:33).

Após a crise epistemológica vivida pelas Ciências Sociais e particularmente pela história, objetos anteriormente excluídos de suas análises emergem como elementos que apresentam novas questões e que necessitam respostas. O futebol é um desses elementos, que durante a sua trajetória histórica passou por várias transformações modernizadoras e em todos os momentos apresentou como fulcro os sentimentos e ressentimentos que envolvem as massas presentes neste espetáculo esportivo. Não obstante, tratar do sentimento é trabalhar com algo “irracional”, o que em última análise não é um procedimento a ser adotado por um historiador, que busca apreender o real.

Diante desta situação somos remetidos a buscar novas metodologias que permitam compreender este fenômeno. Uma possibilidade interessante é a Análise de Discurso (AD), que após a guinada ocorrida na década de 60 passou a colocar o sujeito como um elemento importante na construção do discurso, deixando de ficar restrita somente a língua e passando a preocupar-se com as condições de produção do discurso e com os indivíduos responsáveis em fazer o discurso. Deixou-se de ter uma preocupação de verificação do produto final (língua) para preocupar-se com o processo de construção do discurso, que sofre várias interferências, principalmente do habitus do indivíduo. Pois de acordo com Bourdieu:



A prática é, ao mesmo tempo necessária e relativamente autônoma em relação a situação considerada em sua imediatidade pontual, porque ela é o produto da relação dialética entre uma situação e um habitus – entendido como um sistema de disposições duráveis e transponíveis que, integrando todas as experiências passadas, funciona a todo o momento como uma matriz de percepções, de apreciações e de ações – e torna possível a realização de tarefas infinitamente diferenciadas, graças às transferências analógicas de esquemas que permitem resolver os problemas da mesma forma, e às correções incessantes dos resultados obtidos, dialeticamente produzidos por esses resultados. (...) só podemos, portanto explicar essas práticas se colocarmos em relação a estrutura objetiva que define as condições sociais de produção do habitus com as condições de exercício desse habitus, isto é a conjuntura que salvo transformação radical, representa um estado particular dessa estrutura.(1994, p.65)



O habitus de um indivíduo é influenciado pelo estilo de uma época, pelo seu grupo de convivência e pela classe que ele pertence. Entretanto, deve-se tomar cuidado para que o habitus não seja visto somente como comportamento, pois ele é percepção (como o indivíduo vê determinada situação), apropriação (como ele julga) e ação(como age em função de suas experiências armazenadas). Os habitus são princípios geradores de práticas distintas e distintivas e isto faz com que o indivíduo escreva de determinada maneira.

Este conceito, assim como a teoria reflexiva bourdiana se aproxima das considerações feitas por Baktim, pois como indica Strogenski:

A concepção bakhtiniana atribui ao sujeito responsabilidade pelo uso que este faz da linguagem. O sujeito não é somente um divulgador de discursos preexistentes, mas sim um agente dentro do processo discursivo, capaz de interferir, aprimorar ou até modificar o discurso social. Esta distinção é possível pelo fato de Bakhtin, ao contrário da análise do discurso francesa, conseguir ver o discurso na sua dimensão social. Dimensão esta que contém também as dimensões institucionais e as ultrapassa, sendo parte expressiva do conjunto de relações da atividade histórico-social.(2004, p.86)

Este tipo de procedimento fornece os subsídios necessários para que o pesquisador possa perceber o efeito de sentido da mensagem enunciada.Tornando possível compreender os sentimentos de determinado grupo social, em um determinado momento. Não se trata de tentar mostrar que o autor está falando a verdade, pois como relata Fiorin a análise de discurso não é investigação policial.

Porém, se o que se busca é apreender os sentimentos presentes em um esporte de massa, torna-se necessário buscar outro tipo de fonte, diferente das que tradicionalmente são utilizadas nos estudos históricos sobre o futebol (atas, legislação, documentos oficiais...), e que normalmente apresentam a visão de um grupo econômico e intelectualmente privilegiado, que acaba se cristalizando como verdade única e absoluta.

Surge então a literatura como parte desta nova documentação com que o historiador se depara, seja através dos livros e/ou das crônicas presentes nos periódicos da época. Esta documentação é marcada pela subjetividade, pela ficção, pelos sentimentos e como é isto que se busca, é necessário aprender a trabalhar com esta documentação.

Diante deste cenário que se abre, o historiador que busca estudar o futebol como um elemento sócio-cultural terá que esforçar-se para superar duas das dificuldades mais comuns, encontradas nos estudos culturais: 1) sair das prisões interpretativas dos contextos econômicos ou sociais que tudo explicam/simplificam; 2) afinar a sua sensibilidade para uma lógica específica de algumas manifestações populares, que são marcadas pela contradição e pela ambigüidade, e desta maneira tornando-se impermeáveis à lógica racional.

Partindo deste quadro, este artigo busca trabalhar com a literatura (crônica jornalística), utilizando a AD como recurso metodológico que irá auxiliar na apreensão do clima de um determinado momento, construído por pessoas que apresentavam um determinado capital simbólico.

            Neste estudo optou-se em trabalhar com uma das crônicas de Nelson Falcão Rodrigues[3], ou simplesmente Nelson Rodrigues como ficou conhecido no mundo literário. Este autor nasceu em Recife no ano de 1912 e morreu no Rio de Janeiro em 1980. Começou sua carreira de jornalista aos treze anos de idade, tendo uma trajetória ligada a família e principalmente a atuação do seu irmão Mário Filho.

É importante salientar que devido a um problema de saúde (tuberculose), Nelson Rodrigues perdeu 30% da visão, devido a uma questão de vaidade ele não aceitava usar óculos e tal fato fazia com que ele não conseguisse assistir plenamente um jogo realizado no Maracanã. Porém ele sempre tomava o cuidado de ter alguém ao seu lado conversando/narrando o jogo. É o que indica Ruy Castro ao relatar a biografia de Nelson Rodrigues:



Via vultos correndo pelo campo e só fazia uma idéia do que estava acontecendo porque as torcidas têm um código coletivo, de uhs e ohs, além de gritos de gol. Impressionante é que isso nunca o tenha impedido de ir ao futebol e, durante muitos anos, escrever e falar sobre ele. (Castro, 1992: 150)



 Porém, isto não era problema para o autor, pois segundo ele no jogo de futebol o pior cego é aquele que só vê a bola. “Nelson Rodrigues dá bom dia”, era o título da coluna que ele assinava no Jornal dos Sports. Inicialmente as suas matérias estavam localizadas no canto direito, de uma das páginas do Jornal (não ocupando um lugar destaque). Este fato vai paulatinamente sendo modificado, começando com a vitória brasileira no campeonato mundial de 1958 e consolidando-se com a conquista do bi-campeonato em 1962. Momento em que suas crônicas passaram ocupar três colunas centrais da página 4 ou da última página, vindo sempre acompanhadas de uma charge sobre o tema tratado.



A CRÔNICA


A crônica “A Batalha da Burrice”, foi publicada no Jornal dos Sports, do dia 07 de Maio de 1962. Esta crônica foi escrita as vésperas da Copa do Mundo de 1962, momento em que o Brasil realizava uma série de amistosos preparatórios para a esta competição.

É importante destacar que neste momento o Brasil já havia superado o drama de 1950, ocasião em que foi derrotado pelo Uruguai na final da Copa do Mundo, em pleno estádio do Maracanã e diante de um público de 200 mil pessoas. Este acontecimento ajudou a comprovar a tese de Nelson, na qual ele indica que o brasileiro é um narciso às avessas e por isso sofre do complexo de vira-latas (submissão do brasileiro frente ao estrangeiro). Entretanto, com a vitória ocorrida em 1958 na Suécia, esta situação começava a ser revertida e a Copa do Mundo de 1962, a ser realizada no Chile, seria o momento de confirmação da supremacia brasileira neste esporte e principalmente o momento do Brasil mostrar para o resto do mundo que era um país de futuro promissor.

As crônicas de Nelson Rodrigues sempre foram marcadas pela forma com que ele descrevia os fatos, utilizando-se constantemente de hipérboles para não deixar dúvidas sobre as “suas verdades”.

Nesta crônica ele ataca a comissão técnica brasileira, que neste caso tem a responsabilidade de definir quem serão os jogadores que irão representar o país. É interessante perceber que ele indica que esta comissão foi instituída pela Confederação Brasileira de Desportos (CBD) para representar todos os brasileiros. Neste sentido ele indica que um dos principais defeitos dos brasileiros é a burrice. “Todavia, a nossa vitória está ameaçada, e por quem? Respondo: - pela nossa burrice. De quando em vez, eu faço a justa, a exata autocrítica nacional: - somos burros! somos burríssimos!”

O autor justifica o seu argumento a partir da condição física dos atletas “escalados” para representarem o selecionado nacional, que tem na sua base a seleção campeã de 1958. Entretanto, passaram-se 4 anos e naquele momento o treinamento esportivo, com respaldo científico (fisiológico, nutricional, biomecânico...), não era realidade do futebol, ou seja, os atletas estavam mais velhos e alguns “fora de forma”, mas a comissão técnica acreditava que a manutenção do time campeão era a melhor saída. Por isso a indignação do autor. “Primeira burrice: - idéia de fazer uma equipe na base de 58. Não importa que, de então para cá, vários campeões do mundo estejam fora de forma, ou gastos, ou envelhecidos. (...) Mas eu ia dizendo que alguns jogadores de 58 não suportariam uma nova e duríssima campanha. E que faz a comissão técnica? Empacada na seleção da Suécia, insiste com uma pertinácia suicida.”

            O antropólogo Roberto DaMatta (1982), no seu estudo “Esporte na Sociedade: um ensaio sobre o futebol brasileiro”, faz uma análise sobre a importância atribuída a superstição no futebol brasileiro. Se forem observados os fatos daquele momento, esta situação se reforça.

Após a vitória da copa de 58, tentou-se uma renovação dos jogadores brasileiros durante o sul-americano de 1959, pois vários jogadores já estavam com mais de 30 anos de idade, considerados velhos para o futebol daquele momento. Semanas antes da convocação final, o técnico da seleção brasileira Vicente Feola desligou-se do grupo devido há uma forte infecção intestinal. Fora chamado para ocupar o seu lugar Aymoré Moreira (ex – goleiro do Botafogo, que havia sido quatro vezes técnico-campeão da Taça Rio- São Paulo) e este técnico resolveu manter a base de 58, cabe salientar que esta mudança só ocorreu devido aos problemas de saúde, pois diz a máxima popular – “Em time que se está ganhando, não se mexe”.

Paulo Machado de Carvalho era o chefe da delegação, e na tentativa de garantir o bi-campeonato buscava repetir todos os atos da seleção de 58. Mandou chamar o mesmo piloto da Varig que levara a delegação para a Suécia, obrigou o massagista (Mário Américo) a usar em todos os jogos o mesmo sobretudo que havia usado  para agasalhar-se no inverno escandinavo. O próprio Paulo de Carvalho, usava em todos os jogos o mesmo terno marrom que usara em 1958. Exigia que todos os jogadores obedecessem a mesma ordem para entrar no ônibus (Hasse Filho. 2002).



CARACTERÍSTICAS DOS ESCRITOS DO AUTOR


Seu texto tem uma aproximação com a dramaturgia (teatro), sendo expresso de forma poética. Ele utiliza uma linguagem popular (contrário de erudito), apresentando um certo caráter funcional, através de exemplos vivenciados no cotidiano, de onde ele retira as imagens que darão suporte para os seus argumentos. “... ficamos impressionadíssimos com o aguaceiro e a ventania. E, no entanto, a burrice causa estragos muito piores e espetaculares”.

O início da sua crônica era sempre através da palavra “amigos”, como se fosse uma espécie de conclamação aos seus leitores, e a partir daí ele mantém um dialogo persuasivo, revelando certa intimidade e confiança no destinatário. De acordo com os pressupostos de Orlandi, podemos classificar este discurso como lúdico e polêmico, pois:



Discurso lúdico: é aquele em que a reversibilidade entre interlocutores é total, sendo que o objeto do discurso se mantém como tal na interlocução, resultando disso a polissemia aberta.[...] Discurso polêmico: é aquele em que a reversibilidade se dá sob certas condições e em que o objeto do discurso está presente, mas sob certas perspectivas particularizantes dadas pelos participantes que procuram lhe dar uma direção, sendo que a polissemia é controlada. O exagero é a injúria. (1981, p.142)



As crônicas deste autor são marcadas pela multiplicidade de sentidos, fator fundamental para quem escreve a crônica jornalística, pois ele necessita criar as imagens para o leitor. No caso específico do espetáculo esportivo, estas imagens não tem um planejamento prévio, pois dependem do que acontece no desenrolar do jogo para a sua construção emotiva. Cabe salientar que a crônica futebolística sobrevive da emoção, algo que Nelson aprendera com o teatro, pois para ele a vida era um drama que podia ser expresso no palco, na rua, no campo de futebol...

Uma das características centrais da crônica de Nelson Rodrigues é a utilização de metáforas como uma forma de transferência do sentido da palavra, não na sua forma denotativa, mas na relação que se torna possível estabelecer através do efeito de sentido - “Ainda anteontem ele deu uma corridinha de coelhinho de desenho animado e despejou uma bomba antológica”. A primeira imagem é a de um personagem de desenho infantil, que se desloca com velocidade e suavidade, a qual é contrastada com uma metáfora que representa um chute muito forte, é importante perceber que uma bomba que tem um significante de algo muito forte que pode explodir, proporcionando conseqüências destruidoras, mas tudo isto não é suficiente para o autor que adiciona-lhe a adjetivação antológica, utilizando um sentido incomum que intensifica ainda mais a potência do chute. Observa-se que a metáfora potencializa os sentidos, quebrando desta maneira linearidade do texto, criando novas apreensões visuais e sintáticas, através de imagens totalmente inusitadas e hiperbólicas.

Ele quer que as pessoas “vejam” o futebol a partir da sua ótica, para isso utiliza-se de uma criação imagética. Construindo uma nova realidade a qual ele aproxima do leitor através da possibilidade da criação de várias imagens como contraponto de sua argumentação. “Pior do que a seca, o frio, a fome, a peste e as inundações é a burrice. (...) Um simples imbecil equivale a potencialidade a qualquer furacão do Pacífico”. Sociologicamente falando, a imbecilidade ou a burrice, são piores do que qualquer fenômeno meteorológico, principalmente porque ele atribui um significante figurativo a utilização da burrice, que não tem nada haver com o seu significado denotativo, desta maneira o autor constrói um cenário que lhe permite estabelecer um discurso político através da crônica esportiva, pela qual ele mostra que aceitamos os problemas sociais sem nada fazer para mudar a situação.

Neste artigo, buscou-se apontar algumas dificuldades metodológicas que historicamente permeiam os estudos do futebol. Na tentativa de romper com a abordagem racionalizante presente nas ciências humanas, optou-se em trabalhar com a crônica esportiva e adotou-se a análise do discurso como uma metodologia capaz de auxiliar na compreensão dos sentidos que a mensagem apresenta. Acredita-se que se a “irracionalidade” for explorada pode-se perceber um grande equívoco teórico da academia, que tenta atribuir falta de consciência aos fenômenos de massa e desta forma acaba-se perdendo a oportunidade de desvendar a forma como os indivíduos de uma determinada época percebiam a sociedade na qual estavam inseridos.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

_______________ . A econômica das trocas lingüísticas. São Paulo: EDUSP, 1996.

CASTRO, Ruy. O anjo pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

DA MATTA, Roberto (org.). Esporte e Sociedade. In: Universo do Futebol. Rio de Janeiro: Pinakotheke, 1982.

FIORIN, José Luiz. Linguagem e ideologia. São Paulo: Ática, 1988.

GIULLIANOTTI, Richard. Sociologia do Futebol: dimensões históricas e socioculturais do esporte das multidões. São Paulo: Nova Alexandria, 2002.

HASSE FILHO, PEDRO. Brasil nas copas. Porto Alegre, RS: Zero Hora, 2002.

MAIGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas, SP: Pontes, 1989.

MARQUES, José Carlos Pimenta. O futebol em Nelson Rodrigues. São Paulo: FAPESP, 2000.

ORLANDI, Eni. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. São Paulo: Brasiliense, 1983.

ANTUNES, Fátima Martin Rodrigues Ferreira. Com o brasileiro não há quem possa. Tese de Doutorado apresentada ao Programa de Pós – Graduação em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, 1999.

RODRIGUES, Nelson Falcão. A batalha da burrice. In: Jornal dos Sports. Rio de Janeiro, 07 de maio de 1962.

STROGENSKI, Paulo Juarez Rueda. O papel do sujeito nos estudos da linguagem. Palestra proferida no CEFET, unidade de Curitiba, em 20/06/2004 (mimeo).










[1] Professor do Curso de Licenciatura em Educação Física, da Universidade Estadual de Ponta Grossa; Pesquisador do Grupo Esporte, Lazer e Sociedade; Doutorando em História pela Universidade Federal do Paraná, Bolsista da CAPES.
[2] Além da crise dos paradigmas das Ciências Sociais, no final da década de oitenta e início da década de 90 é o momento em que se consolidam a Pós-graduação no Brasil, os grupos de pesquisa e os eventos científicos das diferentes áreas do conhecimento, acontecimentos significativos para que a produção deste momento suplantasse tudo o que havia sido produzido anteriormente na historiografia do esporte brasileiro.
[3] Nelson Rodrigues escreveu várias crônicas de futebol à partir de 1940, até a sua morte aos 68 anos de idade. A partir de 1955 ele passou a escrever diariamente sobre esportes, inicialmente no Jornal dos Sports, escrevendo durante 11 anos neste jornal.








sábado, 7 de maio de 2011

"O panorama visto de Harvard"

Por Máximo

Este é um blog, como é óbvio, sobre o Flamengo. Justo por isso, como é óbvio, capaz de falar da vida.

SRN

 

 O panorama visto de Harvard 




Da ampla janela do escritório/mansarda que me foi atribuído na Harvard Kennedy School enxergo o topo de outros edifícios que fazem parte do complexo da universidade. A forma abobadada e o colorido dos campanários fazem lembrar cúpulas que se veem em outras paragens, meridionais ou mesmo orientais (Maetternich dizia que o Oriente começava na Rnnweg, na saída de Viena).


Tudo isso dá um ar pacífico e multicultural à paisagem, conducente à reflexão e ao debate. É verdade que esta -atmosfera leve não se reflete sempre nos temas dos debates, em geral concentrados em situações nada tranquilas, como as duas guerras em que este país está envolvido e em outros conflitos potenciais. A Líbia, embora muito presente no noticiário, surge menos nas discussões, possivelmente em razão do seu baixo valor estratégico, apesar da tragédia humanitária que a intervenção da Otan não diminuiu em nada, como bem assinalou o ministro Antonio Patriota.

Há neste país uma não disfarçada perplexidade com as mudanças imprevistas em operação no mundo, em especial no Oriente Médio. A estratégia dos EUA para essa região há anos está baseada em conceitos, como o de “árabe moderado” (por oposição a árabe fundamentalista ou radical, supõe-se), que hoje já não têm sustentação na realidade. Na verdade, nunca tiveram. O que significa ser um árabe moderado? Ou ser um árabe radical? A derrubada de Hosni Mubarak pela revolução popular tornou o paradigma de “líder árabe moderado”, que ele mais que ninguém encarnava, definitivamente obsoleto. A mudança no Egito, como assinalei desde o início – em que pese a brutalidade de outras situações, inclusive em tradicionais aliados dos EUA, como o Bahrein e o Iêmen –, é o fato de maior impacto geopolítico na questão que é chave para todas as outras: o conflito -Israel-Palestina.

O acontecimento de maior relevo dos últimos dias, por suas implicações de médio e longo prazo, é o acordo entre as lideranças do Fatah e do Hamas. A reconciliação entre as duas facções antagônicas, resultado direto das outras mudanças na região, principalmente no Egito, mas, de forma paradoxal, também na Síria, é a única via para se chegar a uma paz duradoura entre árabes e israelenses.  Claro, isso exigirá uma evolução por parte do Hamas, que terá de aceitar a existência do Estado de Israel, um fato da história que nenhuma ideologia pode pretender apagar. Já o governo israelense tem de compreender – e, quanto mais rápido o fizer melhor para todos, sobretudo para Israel – que um acordo que venha abarcar todos os segmentos representativos da população palestina terá muito mais possibilidade de ser um acordo durável. Isso era verdade antes das atuais mudanças. A expectativa de que Tel-Aviv pudesse chegar a um entendimento com a Autoridade Palestina, que somente controlava, ainda assim parcialmente, uma parte do território, que depois fosse imposto à outra facção (expectativa, diga-se de passagem, também nutrida pelos negociadores da Autoridade Palestina), sempre foi, a meu ver, ilusória.

Hoje, com um governo egípcio onde a opinião popular – inclusive aquela, muito ponderável, da Irmandade Muçulmana – terá em qualquer circunstância mais influência, em que a ilusão torna-se mera fantasia. Goste-se ou não, é essa a realidade que terá de ser enfrentada, não só por Israel, mas por qualquer potência que pretenda ter influência na região. E que ninguém se iluda, neste particular, com a situação na Síria. Todos (ou ao menos todos aqueles que se consideram democratas e progressistas, no Brasil e alhures) desejamos um desfecho que ponha fim à brutal repressão que Bashar al-Assad desencadeou (contrariando expectativas de muitos que, inclusive no Ocidente, viam nele um líder modernizador e aberto ao diá-logo que lutava para se libertar do aparato herdado do pai).

Mas um governo mais democrático em Damasco não significará necessariamente um governo mais fácil de lidar do ponto de vista de Washington e de Tel-Aviv, ao menos de acordo com a estratégia seguida até aqui. A maior repressão empreendida pelo pai de Bashar foi contra a Irmandade Muçulmana. Diferentemente dos filmes de mocinho e bandido, que parecem constituir a lente pela qual uma parte da opinião pública e, infelizmente, dos próprios tomadores de decisão, vê o mundo, a realidade é mais complexa.

Por falar nisso, passou despercebida, creio, da nossa mídia uma interessantíssima análise do ex-presidente sul-africano Thabo M’Beki sobre o ocorrido na Costa do Marfim. Para o ex-mandatário, mediador do conflito, antes dos trágicos episódios que culminaram com o bombardeio por helicópteros franceses – devidamente autorizados pela ONU, ao que parece – à residência presidencial, a história é bem diferente daquela contada pela mídia ocidental. Segundo M’Beki, os grandes perdedores teriam sido a ONU e a União Africana. Os ganhadores, naturalmente, os defensores de interesses coloniais e neocoloniais. Vale conferir.

NR:  A coluna de Amorim foi escrita no sábado 30, antes da morte de Bin Laden. O fato não altera, porém, o teor das análises.

terça-feira, 3 de maio de 2011

"O homem que matou o facínora"

Por Renato Lopes

  

Crise de popularidade, sombra de fiasco, de repente matam o maior de todos os párias/vilão/produto.
 
Toda vez que os americanos matam um terrorista tonam-se a antítese do Dr.Frankstein destruindo sua própria criação.
 
Ou um Dr.Jekyl, limando seu lado Mr.Hyde.

Tem um western, se não me engano justamente com John Wayne, chamado "O homem que matou o facínora" - 90% dos westerns são, ademais, moralistas - com uma frase antológica: "entre a verdade e o mito, escolha sempre o mito", misturado a uma outra frase do calibre do velho alemão: "A história acontece duas vezes, a primeira como tragédia e a segunda sempre como farsa"

Dá quase um "Os homens escolhem viver de duas formas: como mito ou como farsa. O problema é que em ambos os casos todos mentem".

Deixo a palavra e o coração entregues ao nosso 32º titulo. Invicto. 

SRN

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Cadáver de Bin Laden está no caixão das viúvas de Obama

Por Máximo




No nome poderiam ser parentes, pois são filhos de uma tradição muçulmana comum.

Obama, entretanto, preferiu virar branco desde há muito, desde quando fora absorvido pelo establishment americano, sem cuja conversão não ascenderia em uma estrutura de poder imperialista.

A histeria que se vê é praticamente um "estudo de caso". Lembra-me a fauna das laranjeiras, com seu histrionismo de "time de guerreiros":

De um lado, a substituição da história sem nomes, antes de retornar ao biografismo da história política do século XIX, faz muito pior: basta matar o bandido. O jornalismo da globonews parece feito dentro de um saloon do faroeste americano: imagens do povo americano nas ruas em comemoração de heroísmo do novo John Wayne: "yes, Mister Obama!"

Prefiro comemorar o trigésimo segundo título carioca.

SRN