segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Aprendendo a cozinhar

Eu usava a imagem do fusca velho sem nenhuma fundamentação. Era apenas uma impressão, um modo de  perceber, muitas vezes deslocado em relação a determinados assuntos estranhos prum carioca de um Rio que se perdeu,  de pelada descalço na rua, de pular o muro do Maracanã, de esquina e andanças pela madrugada sem maiores problemas de violência.
 
Ao conhecer a Escola de Frankfurt, ler os textos de Walter Benjamin, por recomendação de um colega , pude ver que essa sensação de deslocamento era próprio da modernidade, em que a experiência é inútil. O que pode significar a pelada descalço na rua pruma geração que só conhece o play e o computador? O velho, como diz Walter Benjamin, é de fato um inútil, porque a aceleração do tempo, provocada pelo velocidade na circulação da mercadoria, tornou a vida cada vez mais obsoleta, intransmissível.
 
Entretanto, ainda não é a pá de cal. Ver a Dilma na Presidência é uma paz para os sentidos. A comunicação ainda é possível e o fusca 62 ainda comporta mais algumas viagens na condução da mulher ao aperfeiçoamento da vida. Eu, que nunca fui capaz de dispensá-las, as acumulo e são elas que sempre me dispensam quando não mais suportam, sei o quanto é preciso o comando feminino. Elas é que são fortes. Quando a minha filha estava pra nascer, estava tão nervoso que tive de ser acalmado pela sua mãe  deitada na maca para o parto. 

Elas acumulam, acumulam, como um saco plástico de supermercado carregado de quinquilharias e fanfarronices do companheiro irresponsável, dando-lhe a falsa segurança de que pode continuar parando a vida para permanecer brincando. Suponho que tal paciência tenha um caráter pedagógico, como se acreditasse na capacidade de cognição do camarada sem precisar de muitas explicações. Indispensável prestar atenção no que não é dito, mas o camarada só irá perceber isso depois, quando, em geral, o que resta é a ausência. E aí, meu irmão, qualquer proposta que faça parecerá um incesto, pois ela se comporta diante de você como em face de um tabu. Ou, então,  como se relesse um jornal de ontem.
 
Elas tem um gosto especial pelo poder. Mandam diferente. A vaidade quase nunca vai na frente do objetivo. Mandam como se imbuídas de uma missão. Nesse sentido o poder feminino é messiânico, mas doce, sem o fundamentalismo do que se sabe de messianismos.
 
Pena que nesse segundo turno a agenda obscurantista tenha impedido uma apreciação melhor das possibilidades da questão feminina no exercício do poder. 

A Dilma teve de sacrificar o que tinha de melhor, a ex-guerrilheira, a economista brilhante, a mulher casada e separada, casada e separada, de novo, agora sozinha, sem precisar de marido pra contribuir e se apresentar à Nação. 

Política é poder, de fato, já falava o florentino, para parafrasear o 28, e Dilma, a fim de ganhar o voto crente, teve de enfatizar o aspecto maternal, até de avó. 

Não vou baixar o taxímetro.

Quero dar umas voltas no fusca 62 mandado por uma mulher. 

Se a Dilma precisar aprendo até a fazer comida.

SRN

sábado, 30 de outubro de 2010

Gol de perneta

Por 28


Já botei a perna pra secar e amanhã irei votar na Dilma por razões óbvias. 

Como pobre, devo ao Lula meu acesso ao que Delfim chama de "bancarização", conforme o comentário imperdível que ele toda semana escreve na carta capital. O crédito popular é um sucesso e só não faço prestação porque não sou de consumir, quase não vejo televisão e a que tenho  é suficiente para o futebol, para o Flamengo, sem necessidade de endividar-me pelo "plasma". 

Também não preciso de geladeira, mas, se precisasse, seria graças ao crédito popular a que poderia ter acesso à água gelada, porque pobre não usa filtro "europa".

Os pobres caminhamos para a classe média. O programa "minha casa, minha vida", para a casa própria. Quem sabe no governo Dilma entro na classe média, de fato, com carro e tudo?

Há pobres cariocas conseguindo comprar seu primeiro gol zero.
 
Quanto ao assistencialismo de que acusam o "bolsa família", é puro preconceito, desejo de continuar vendo o pobre se vendendo como "exército industrial de reserva", de que nos falava o alemão.

Por tudo isso, além do fato de um operário do interior de Pernambuco chegar à presidência da República e fazer o que ele fez, a intuição genial para as medidas lulo-kenesianas frente a uma crise semelhante a de 29, na verdade muito pior, pela escala e números envolvidos. 

É simbólico, o que, de resto, é também estético - o que não é pouco.
 
O único problema são os cabos eleitorais, entre os quais estão esses intelectuais que não medem a mão para permanecer no poder. Parece que resolveram usar contra seus adversários o que sempre foi usado contra a esquerda, a campanha difamatória, a propaganda absurda do comunista comedor de criancinhas e profanador de igrejas. Usam de tudo e vale tudo. Mas, é o tal negócio, "Política é poder", já ensinava o florentino. Além disso, conforme o alemão, " é preciso que uma esfera social particular passe para o crime notório de toda a sociedade, de forma que, emancipando-se dessa esfera, realiza-se a emancipação geral."

Nota do blog: este blog também votará Dilma.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Bem Imaterial ao arrepio de oportunismo


Por Ameríndio Sevilha



O propósito desta rápida  postagem se situa em torno da seguinte pergunta: como podem se articular história e estética?

Eis uma pergunta cuja resposta, igualmente ligeira,  está na base do ethos rubro-negro.

Um  dilema  entre historiadores tradicionais incapazes à arte da bola  e as limitações verificáveis do esteta em ir adiante, avançar sobre um campo não muito típico da obra de arte, como o futebol.

A situação atual é uma proposição a fim de articular o grande aparato historiográfico não especializado do historiador convencional e as dimensões estéticas: formal, social e semântica.
 
A crise da noção de arte, sobretudo devido ao esgotamento das vanguardas combinado com a ascenção da indústria cultural na estetização do cotidiano, levou a uma discussão sobre o estatuto e a função da arte na sociedade contemporânea ("pós-moderna", entre aspas, porque já não tenho mais paciência a tanto mugido)
 
Arthur Danto, Hans Belting e Georges Didi-Huberman são autores de referência e executaram, ao final da década de 80, investigações teóricas sobre o fim da arte, em termos hegelianos.
 
A discussão se abre, ganha amplitude e surge uma anti-noção, uma espécie de arte em termos de fato social que cancela cânones, galerias, museus, a própria materialidade da arte dissolvida numa visualidade absoluta em imagens do cotidiano. 

À título de exemplificação, a despeito do risco de reducionismo, o grafite. Seu estatuto de arte, para alguns na linha dos autores citados acima, a grande arte contemporânea, porque sem suporte, ou com suporte total, muros, paredes, janelas, vidros, sem cânones, "espontânea" e diluída no cotidiano.

Na arte da bola houve a efetivação da proposta. Quaisquer dos cartazes rubro-negros, sobretudo os que se produziram nos primórdios da década de 80, são muito mais do que iconografias. A eles incorporar-se-iam, podemos dizer, a dimensão social da arte. 

De Leandro a Lico, o mundo não era exterior à bola, estava nela, era a Grande Arte, título do romance de Rubem Fonseca ( vascaíno, um hábito de segunda, lamentavelmente, para um escritor de primeira).

São poucas e breves palavras. Algumas citações ao tom erudito que me pediram. 

Creio que não poderia ceder ao oportunismo da data de hoje. Então, pugno-me pela boa-fé, a crer num desejo de se preservar o bem imaterial que é o sentimento rubro-negro.

SRN

Pé na Cova ou Plenkov Silva



Por 28

Pé na Cova, aí em cima, ficava na entrada da favela. Não precisava da pipa no alto. Não gostava de alemão, até por razões afetivas. Filho de puta, russa, polonesa, um país desse aí,  com pracinha da FEB. A cobra fumou bonito e Plenkov Silva virou Pé na Cova.  
Chegava tranquilo, o bujão de gás já reservado, era só botar nas costas e voltar pra casa. Aquela era uma época em que eu bebia direito. 

"E aí play? Burguesinha ou quente?"

Cerveja só no amarelinho, quando era desenhista da Mesbla, ali no Passeio, e pegava minha futura-ex-mulher pra aproveitar o plano Cruzado. 

Foi o que me fodeu, primeiro os dentes. A parada da melitus, sem chance. É melhor mudar de assunto. Tem remédio agora, porque a cabeça também não anda firme. O negócio anda de um jeito que tenho de parar de escrever, olhar pro caderno com o escudo do Flamengo que ganhei da minha filha. Olho pra saber do que estou falando. Esqueço. Como esqueci-me agora mesmo do pronome. Mas e aí?

Pé na Cova. Pé na Cova, ou Plenkov Silva, porque está aqui uma cópia que o Máximo me mandou de um colega seu de faculdade. Colega é sacanagem. O Máximo é o mais velho da UERJ, muito mais veterano do que muito professor e ainda manda uma dessa "colega" da UERJ. Não fode, meu irmão. Uma molecada com idade da Carolina, e aí? Como anda a menina?


O e-mail do moleque é o seguinte:

" Esse anacronismo do 28 se faz não só no presente, mas no passado e no futuro. E não é anacronismo no sentido de ultrapassado é critico, corrosivo, é o anacronismo de quem está a um passo a frente de seu tempo, mas insiste em caminha olhando para trás. É como beijar uma mulher pensando em outra, é tudo muito bom, mas dá aquela dor de não saber para onde ir. O 28 sabe para onde ir, não o vai por que já está lá, ele é aquilo e pronto. Se você perguntar para o 28 onde ele está, vai ouvir a singela resposta "não estou lá". 
Tem até um filme, muito bom por sinal, com esse título, "Não estou lá", que é a cinebiografia do Bob Dylan. Um músico convencional, não poderia ter uma cinebiografia convencional. O diretor coloca 6 atores que supostamente encarnam Dylan em diferentes fazes de sua carreira, mas em momento algum isto está explicito ou explicado (até uma mulher interpreta o suposto Dylan). Acho que o 28 vai para o mesmo caminho. Quem disse que ele precisa ser um? Ele é arquetipos, conceitos, estereótipos, ideologia (acredito que ele só tenha uma mesmo, ele é um romântico à moda antiga). Quem é 28? Quem conhece sabe entender, só não sabe explicar."



Sem sacanagem, Máximo, vai fazer outra coisa. Volta a desenhar profissionalmente, arruma uma barraca na feira de Ipanema pra vender tela, ou então, artesanato, aqui perto, na Sãens Peña. Quando é que você pensaria ou seria capaz de escrever uma coisa dessa a respeito, por exemplo, do Pé na Cova? 

Valeu aí, Renato, mas, eu existo. Não sou personagem, apesar dos aspectos imagéticos. Calcule o que diria se me visse pendurando a perna pra secar da chuva que eu peguei outro dia saindo do boulevard?  

Não me levem a mal, mas tá incômodo aqui pra digitar. 

E os capiaus ontem? Os caras vêm da roça do tietê, atravessam a fronteira, chegam ao Brasil. Time pequeno era melhor chamar de volta o Bangu e pagar o táxi preço fechado.


SRN