sábado, 31 de março de 2012

Comemorar o quê, Cara-Pálida?

Por Tadeu dos Santos



E jovens militantes eram alvejados com gás de pimenta e a seguir empurrados pelas forças de repressão. Tudo aquilo me remetia à missa em memória de Edson Luiz, primeiro estudante morto pela Ditadura, em que a cavalaria cercara a igreja da Candelária e a seguir  massacrou aqueles que tentaram sair.  Já àquela época a Ditadura Militar  deixava bem claro que a memória dos mortos não seria respeitada. Subindo um pouco o tom, viriam mais tarde a negar também o direito ao sepultamento das vítimas.

Quase 50 anos se passaram e o quadro não mudou. Vez mais a voz dissonante é calada. Homens fardados batem e jovens apanham. Até quando?

No interior do Clube Militar, os militares comemoravam e um tanto quanto perplexo e embasbacado exteriorizo a pergunta que clama por resposta: comemoravam o quê?

Quiçá estejam a comemorar a porosidade de nossas fronteiras, há tempos franqueadas às armas e drogas. É sabido o dia e hora em que os carregamentos chegam. A atribuição é do Exército, mas por ignoradas razões não é cuidada a contento. Também pudera, com tanta comemoração, tantos comes e bebes e quem é que vai ter tempo e disposição pra essa coisa chata consistente em vigiar fronteiras.

Talvezos folguedos dirijam-se à nossa exitosa campanha na Guerra doParaguai. É bem verdade que Julio José Chiavenatto (A Guerra doParaguai – Genocídio Americano) assegura que Brasil, Uruguai e Argentina uniram-se pra derrubar o único governo que se opunha à dominação britânica no continente. Já ao término da guerra, as crianças paraguaias foram mandadas ao campo de batalha e lá foram devidamente massacradas por nosso “glorioso exército”.

No mesmo livro Chiavenatto assevera que Duque de Caxias (O Pacificador – pois sim) lançou corpos pútridos de soldados Paraguaios nas águas que se destinavam a saciar a sede da população, envenenando-a. Seria, pois, o patrono do “nosso” exército, um dos precursores da guerra bacteriológica?

Em vista dos fatos narrados a inquietante pergunta prossegue pugnando por resposta: Seria aquela guerra de tão triste memória o  motivo da festança?

Estariama comemorar o elastecimento de nossa pauta de exportação? Sim,temos nossos direitos aos royalties da tortura praticada em abugraigh . Na realidade, a técnica é 100% Tupiniquim. Sim, aeletrocução (a da foto do Iraquiano encapuzado cheio de fios),foi desenvolvida por nossos nobres militares na guerra que eles travaram contra os 'estudantes comunistas' na década de 60.

Não.Não deve ser essa a razão.

Destinar-se-ia a pajelança em memória da Transamazônica construída às expensas da floresta e mais tarde devolvida à mesma? Um monumento à mesmice, ao andar em círculo e ao desperdício de dinheiro público. Seria um tributo ao Projeto Jari ou trocavam reminiscências da finada Serra Pelada? Talvez até um certo regozijo pela falência do Loyd Brasileiro. São tantas glórias, tantos motivos pra festejos. Que fico titubeante diante dos balões coloridos, da algazarra e de todo aquele alarido.

Estariam a remorar as heróicas caçadas de escravos fugidos? Ah! Como davam trabalho aqueles mestres de capoeira. Jogavam com lâminas presas entre os dedos (os únicos cuja bravura foi destacada pela crônica Paraguaia).

-   Mas fizemos o nosso trabalho. Já sabíamos como e a quem servir – dizia um torturador entre uma e outra garfada de bolo.

Estariam a festejar  o combate aos levantes que se insurgiam contra a dominação colonial?  Foi nesse período que Caxias construiu a fama de pacificador.

Não.Os abraços , afagos e mimos dão sinais de que a coisa é maior. Bem maior.

Talvez a data louvada seja o 31 de março. Marco do cerceio à liberdade de expressão, à matança de jovens, à tortura, às prisões arbitrárias, ao fim da pluralidade.

Na realidade, a pergunta talvez fique sem resposta ou quem sabe a resposta esteja com aquele jovem de 18 anos, obrigado a pernoitar na fila pra conseguir alistar-se e servir à pátria. Já com o dia claro, uma quantidade ínfima de senhas é distribuída e ele retorna à casa numa dessas paragens bem distantes. Vai cansado, perdeu a noite anterior e perderá o resto do dia. Prepara-se para o Enem e essa rotina o distancia de seus objetivos.

Talvez seja obrigado a prestar o serviço militar. Não tem qualquer afinidade com o exército. Na realidade, sente um profundo desprezo pela instituição.

Vejo o militante vitimado pelo gás de pimenta com os olhos em chamas, ouço a história do jovem vestibulando, rememoro passagens do nosso“glorioso” exército e me pergunto se nossa passívidade e dormência terão fim algum dia.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Granja Privada

Por Tadeu dos Santos



Ando cá desconfiado de que esteja o Ronaldinho Gaúcho a pretender usucapir o lado esquerdo do ataque rubro-negro. Passam-se os jogos e vejo-o por ali um tanto quanto sorumbático, os pés presos ao chão, o olhar disperso, as olheiras salientes e um ar de dá cá o meu e o resto que se lasque.

Saliento que ele reúne os requisitos à consecução da supramencionada pretensão. A posse é mansa e certamente os impostos devem estar sendo pagos em dia.

Os comentaristas esportivos da CBN são unânimes em afirmar que ele não treina ao longo da semana. Quiçá esteja diariamente indo ao Engenhão e lá chegando, joga um colchonete ao chão e prossegue por ali, infalível, na posse mansa e tranquila de seu quinhão de terra, situado, como já disse, ali pelo lado esquerdo da intermediária.

Num futuro não muito distante (assim espero) e aquele setor do campo receberá a sua merecida placa. E lá estará escrito: “Cantinho do Ronaldinho – ele adorava esse lugar”. Quem sabe façam até um cercadinho e lá ponham uma segunda placa: “propriedade privada”.E as manchetes dirão: “Ronaldinho estuda a possibilidade de fazer puxadinho na área adquirida via usucapião”.

Não vou falar do passado do atleta, até mesmo porque o mesmo ainda não encerrou (formalmente) a carreira e assim caberia ao próprio defendê-lo da única maneira possível, ou seja, jogando futebol.

Vou apenas falar do meu desapontamento enquanto torcedor do Clube de Regatas do Flamengo.

Reinventamos a regra e assim passamos a jogar com dez e, neste passo, é bom que não esqueçamos do quanto é pífia a administração do clube, ao admitir e ainda defender esse estado de coisas.  O que falta para por cabo ao contrato mantido com o atleta. Cifras? Questões de ordem patrimonial? Multa rescisória?

Não me meterei por essas searas, eis que se manifesta aqui, apenas e tão somente, a voz do torcedor. Não posso, todavia, deixar que passe em branco a oportunidade de lançar um ligeiro lembrete à “administração” do clube, a saber: nosso patrimônio está restrito à maior (e mais bonita) torcida do Brasil e ao nosso passado de glórias, nossa memória.

Urge lembrar que o manto sagrado já se fez vestimenta em Zico, Zizinho,Geraldo, Dida, Dr. Rubens, Leandro, Júnior, Dequinha, Biguá, Bria,Jaime, Valido, Adílio, Andrade, Aldair, dentre tantos outros.

Nesses tempos em que o sujeito mal e chega e já se considera titular do direito de sentar na poltrona da janela, fica o alerta: “...respeite quem pode chegar onde a gente chegou... Também somos linha de frentede toda essa história ... ”.

quinta-feira, 29 de março de 2012

Conto do Vigário

Millôres

Por Tadeu dos Santos


...remete-me ao Millôr Fernandes.

Morou no Méier e também nas proximidades de Pilares, mais precisamente na rua Guarabú.  Li num de seus textos que ele sempre descia a Avenida João Ribeiro caminhando até chegar à rua acima mencionada, bem ali próxima ao Engenho da Rainha. Jornalista de sucesso e um dos homens mais cultos do Brasil deveria diuturnamente ser colocado como exemplo a esses jovens que mesmo sem ter consciência tentam seguir-lhe os passos.

Millôr que, como sabido, se diz um homem livre das amarras de toda e qualquer ideologia, mandou numa dada ocasião um recado para destinatários fartamente conhecidos. A mensagem era curta e grossa e vazada nos seguintes termos: - Gostaria de pedir a todos aqueles que fazem propaganda para bancos que tomam dinheiro de velhinhos aposentados que jamais digam por aí que são meus amigos...”.

O trecho acima, claro, foi escrito num outro contexto, mas define a contento os traços que marcaram a trajetória deste ser cosmopolita.

Vivemosa era da Especialização em todos os setores profissionais e no campo jornalístico a coisa não se passa diferentemente. E tome jornalista especializado em Política,  Economia,  Relações Internacionais,  Cultura,  Saúde e o mais.

Millôr,ao contrário, tinha um conhecimento enciclopédico. Poliglota, escritor de sucesso e excelente tradutor.

No entanto, não era apenas o vasto saber que o extremava dos demais.

Num tempo em que a partidarização alcançou  as redações de jornais, revistas, rádio e televisão e que findam por produzir revistas e jornais que se arvoram em fiéis defensoras do liberalismo econômico por um lado, e outras tantas que se fazem defensoras do crescimento exacerbado do Estado por outro.

Em meio a essa peleja em que os fatos são torcidos e retorcidos para dar sustentação aos mais escusos interesses, padece o bom jornalismo e sofre o leitor, que, na verdade, não lê jornal ou revistas, mas sim, convenhamos, tenta apenas escapar das arapucas postas nas entrelinhas onde os fatos são diuturnamente massacrados.

Pois em meio a tudo isso Millôr seguia incólume a essas injunções.Mantinha-se fiel à sua máxima de que livre-pensar é só pensar.Soube como poucos colocar sua enorme inteligência a serviço de suas mais íntimas convicções.

Perceba-seo quanto é desimportante aferir o erro ou acerto das opiniões porele exteriorizadas. Celebra-se aqui a independência que, emderradeira análise, é traço definidor do único jornalismo que sepode aceitar.

LuizFernando Veríssimo afirmou que a morte de Millôr Fernandes (ocorrida em 27 de março de 2012) deixou o país um pouco maisburro. É verdade.  

quarta-feira, 28 de março de 2012

Valeu, Meu Irmão


"Meia-noite em Paris"

Por Tadeu dos Santos

Com vistas à disputa do Campeonato Carioca de 1971, o Olaria, devidamente patrocinado por uma loja de eletrodomésticos, montou um time cuja escalação era: Pedro Paulo; Haroldo, Miguel, Altivo e Alfinete; Afonsinho e Roberto Pinto; Marco Antônio, Osnir, Luís Carlos e Antoninho.

Era um tempo em que os volantes jogavam (e como!!!). Talvez o argumento soe desarrazoado e exagerado, mas Roberto Pinto e Afonsinho seriam hoje titulares da seleção brasileira.

Afonsinho, como sabemos, era acadêmico de Medicina e ex-jogador do Botafogo. Ali (em General Severiano) não encontrou um ambiente muito receptivo às suas ideias de esquerda demasiadamente arrojadas para os anos de chumbo que vivíamos. A gota d'água, porém, deu-se com a intolerância dos dirigentes alvinegros em relação às suas longas madeixas. Malas feitas, o craque foi ter à rua Bariri e ali, devidamente acompanhado por Roberto Pinto, comandou um time que primava pelo maravilhoso toque de bola.

Em 24 de abril de 1971, enfrentaram-se Botafogo e Olaria. O time da rua Bariri dominou o jogo por encantadores 90 minutos. Como dizia o saudoso Waldir Amaral o peixe não foi ter às redes e o placar ficou mesmo em 0 X 0.

Íamos já ali pela marca dos 40 minutos do segundo tempo, quando o Olaria pôs o Botafogo na roda. A bola ia de pé em pé e os chorões , ou seja, atletas do Alvinegro não logrando êxito na tomada da bola, passaram a aplaudir os adversários. Afonsinho, cuja verve era, já aquela altura, afiadíssima, limitou-se a dizer: vocês estão certos. Quem sabe joga, quem não sabe bate palmas.

E o suposto time pequeno prosseguiu dando olé no pretenso grande (cujo ataque, só pra constar era formado por Zequinha, Jairzinho, Roberto e Paulo Cesar) até que viesse a última volta do ponteiro.

Ainda pra esta temporada o time montado pelo América constituía-se de: Jonas, Paulo César, Tião, Mareco e Zé Carlos; Badeco e Tarciso; Tadeu, Jeremias, Edu e Sarão.

Talvez esteja a perecer da denominada Síndrome da Era Dourada de que nos fala Woody Allen no maravilhoso “Meia Noite em Paris”, mas não titubeio em afirmar que esse time da rua Campos Salles seria hoje campeão estadual.

Na sequência esse elenco seria acrescido de Alex, Álvaro, Flecha, Luizinho e Bráulio.

Hoje falamos nos quatro grandes (como o adjetivo grande se apequenou, não?) Nos idos dos 60 e 70 do século passado tínhamos no mínimo 6 times com reais condições de lutar pelo título estadual. Em 1971, com o fantástico Olaria, a soma chegava a 7.

Confiram na Internet as histórias de América e do Bangu.

Vejam os títulos conquistados e os inúmeros bons jogadores por eles revelados (Dé, Aladim, Parada, Bianchini, Ubirajara, Fidélis, Mário Tito, Paulo Borges, Zózimo e Zizinho, por exemplo, foram jogadores do Bangu).

Hoje, como sempre nos lembra o Máximo, operou-se a mercantilização do futebol e o jogador-mercadoria precisa circular e dar lucro num curtíssimo espaço de tempo. Surgem numa temporada e já na seguinte desfilam por campos europeus.

No mesmo passo, transformaram os chamados “times pequenos” em abrigo de jogadores já entrados em anos (que expressão antiga).

A aterradora fórmula consistente em reunir a falta de renovação à senilidade dá ensejo a esse quadro desanimador em que tudo o que se vê são estádios de futebol mais vazios do que salas de cinema (disse-o um repórter da CBN).

Dizíamos ao início que o time montado pelo Olaria em 1971 era patrocinado por uma loja de eletrodomésticos. Nos tempos que seguem somos membros do BRIC e conforme declaração de nossa impoluta presidente (caráter sem jaça, também, eu suponho) estamos sendo vitimados por um tsunami financeiro.

Ora, com quadro tão favorável porque escasseiam recursos que viabilizem os chamados pequenos (não falo de recursos públicos, que isso fique bem claro). Onde estão os patrocinadores? Há toda uma estrutura a ser montada. Há jogadores a revelar. Sua marca vai aparecer na tela do Plim-Plim numa dessas tardes dominicais. Vale a pena!!!

Enquanto isso, prosseguimos na tediosa rotina travada entre os 4 grandes. Acaso surja algum inesperado pequeno a intrometer-se nessa festa de bacanas e logo um homem de negras vestes o coloca em seu devido lugar (conforme decisão do Carioca de 2005 – Fluminense x Volta Redonda).

Lembro de um tempo em que a preliminar do jogo principal reunia as respectivas equipes juvenis. A “iluminação” antiga permitia que víssemos o acender dos cigarros no lado oposto da arquibancada. Atualmente a preliminar é o próprio campeonato estadual. Um marasmo tedioso (perdoem a redundância) que, apenas e tão somente, prepara os espíritos para o Brasileirão.

E fica o registro de que o supramencionado campeonato de 1971 foi decidido por Fluminense x Botafogo. O empate favorecia o Alvinegro. A vitória, todavia, coube ao tricolor. O gol de Lula foi marcado aos 42 minutos do 2º tempo, após falta flagrante de Marco Antônio em Ubirajara. Como visto, a única novidade alvissareira ficou mesmo por conta do Olaria. No mais...