terça-feira, 2 de setembro de 2014

"A Ditadura nas representações Verbais e Visuais da Grande Imprensa:1964-1968", de Rodrigo Patto Sá Motta

Por Máximo

O historiador Rodrigo Patto de Sá Motta tem estudado charges, cartuns e caricaturas. E no artigo, cujo título está lá em cima, Patto demonstra como a representação visual, inscrita no campo da História do Tempo Presente, tem ainda mais acirrada sua natureza de instrumento na função política. Copiei abaixo um trecho do artigo, além das respectivas charges da época objeto de análise do autor, cuja leitura na íntegra vale a pena. O artigo está disponível na internet.

SRN




"O Estadão foi um dos primeiros jornais da grande imprensa “revolucionária” a criticar Castelo Branco. O tradicional diário considerou o presidente excessivamente moderado nos expurgos e equivocadamente inclinado à acomodação com lideranças do regime anterior. Não agradou ao jornal o fato de Castelo Branco apresentar medidas reformistas ao Congresso, como projetos de reforma agrária e de estabelecimento de voto para os analfabetos, iniciativas semelhantes às defendidas por Goulart.18 Entre abril de 1964 e o _nal de 1965, o OESP foi uma espécie de porta-voz da linha-dura. Além de exigir maior dureza contra os “comunistas e subversivos”, OESP contribuiu para a construção de outro inimigo do novo regime, a corrupção. O tema fazia parte do imaginário liberal desde os anos 1950, mas, nas representações veiculadas contra o governo Goulart, a corrupção foi tema secundário diante da proeminência do argumento anticomunista.19 Com o advento do novo regime começou a construção do tema dos dois inimigos da “revolução”, o par subversão e corrupção, com contribuição destacada do Estadão.20 

As charges de Hilde e Biganti acompanharam com fidelidade a linha editorial de OESP. Por vezes, eles se limitaram a ilustrar os textos, mas, em outros casos, foram mais criativos, elaborando artifícios visuais que ofereciam novas possibilidades para representar as posições do jornal. Na fase inicial, em que prevalecia a simpatia por Castelo Branco, Biganti adotou a metáfora do Castelo em sentido positivo, como símbolo da mudança de 1964. A fortaleza representava a solidez do novo poder e sua capacidade de preservar a ordem (_gura 6). Os chargistas do Estadão apoiaram os expurgos e as cassações com entusiasmo
ímpar, como se pode ver nas _guras 7 e 8. Dedetizadores (a empresa se chama “31 de março”) e navios (notem-se os símbolos nas bandeiras: a foice e martelo no barco afundado, a bandeira pirata no que estava sob ataque) serviram como metáforas para evocar a “operação limpeza” das instituições, assim como para mencionar o ataque ao comunismo e à corrupção. Essas charges ajudaram a construir as representações visuais dos inimigos a combater, agregando um tema novo, as ratazanas, bichos repelentes mobilizados para aludir à “sujeira” que se pretendia limpar (figura 9). No caso da figura 9, importante notar a representação da “Revolução” como uma senhora com ares de dona de casa, solução visual muito utilizada nas charges que tem relação com o gênero feminino da palavra revolução, mas também significa menção ao apoio de grupos femininos de direita ao Golpe. Na imagem, a senhora usara o porrete para abater a “serpente” comunista e se preparava para pegar outro bicho repelente, um rato, que representa a corrupção. Esta interpretação se sustenta na leitura de editorial anterior, que havia mencionado o combate à corrupção como o “segundo objetivo” do novo poder e, também, porque o rato configura metáfora tradicional para a ideia de sujeira e corrupção. Até o final da vigência do primeiro Ato Institucional, os chargistas do Estadão continuaram apoiando as medidas repressivas,como a proibição da UNE e a demissão de funcionários públicos, aí incluído o grupo de professores de medicina da USP expurgado em outubro de 1964 (_guras 10 e 11).21" (PATTO, p.9)

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