quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Sai Batido!


Pra fechar este ano desgraçado, "Samba do Avião", da minha Cidade, tão cantada, fritando no inferno de todas as iniquidades nacionais, mas também na beleza e no jeito que é preciso experimentar pra saber, gostar, grudar, nunca mais largar. 

O Rio, me desculpem meus amigos dos outros lugares, é o MELHOR LUGAR DO BRASIL. Aliás, daqui quando se sai só pode ser pra voltar. E pra Vila, de Noel, Nássara e da favela do Macaco (se tiver disposição, andando mais um pouco, atrás da UERJ, em frente ao maracanã - em letra minúscula, virou "soçaite", não é o Maracanã que conheci , na arquibancada do lado esquerdo da tribuna de Honra, andando mais um pouco tem a Mangueira).

SRN 2016

https://youtu.be/_fCa2YLlk58


segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Geraldo "Assobiador": a biografia que falta

Entre as biografias, sempre muito vendidas no fim de ano, falta uma:  a de Geraldo "Assobiador", meio-campo habilidoso do Flamengo, que surge com Zico, chega à seleção brasileira dirigida por Oswaldo Brandão, em 1975, e morre de operação de amígdalas no ano seguinte, em 1976. Um personagem cujas contradições ajudariam a compreender um futebol de transição à pasteurização atual. Não só andava sobre a bola, na jogada famosa que Zidane imortalizaria, mas também pela sua morte, aos 22 anos, por todas as possibilidades ou, talvez, pelas que não se ensejariam, no confronto com sua concretude histórica, como se os personagens não pudessem ser diferentes do que foram, benzidos pelo destino e condenados ao heroísmo.

Abordar Geraldo, como tema de uma biografia, já é uma escolha crítica. Impossível a ausência de paradoxos na trajetória deste mineiro que tinha até nome de personagem: Geraldo Cleofas. A um só tempo artista e desperdício, quando irritava a torcida com dribles e jogadas sem nenhum outro propósito senão o de simplesmente brincar em campo, como se estivesse numa pelada. Nessa hora éramos unânimes, no lado esquerdo da tribuna de honra: pedíamos em uníssono: Tadeu! Tadeu! -  meio-campo correto, vindo do América, que ainda existia e era um clube relevante a um ponto, até o ponto de ser considerado um dos “cinco grandes” do futebol carioca.

Geraldo também era completamente displicente em relação ao tipo de profissionalismo do futebol brasileiro. Falta a biografia nas livrarias.  Falta Geraldo em campo.


SRN


quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Doutor Sócrates: a incoerência coerente.



Quando veio pro Flamengo, no meio da década de 80, já não era mais o "Doutor Sócrates", do passe perfeito, o calcanhar único de ante-visão. Queria viver o Rio e virar o carioca em que todos se transformam venham de onde for. Merecia o Rio, assim como o Brasil mereceu a "Democracia Corinthiana” que ajudou a implantar num dos ambientes mais reacionários e obscurantistas que é o mundo da bola. Uma experiência simbólica, em que não havia distinção de "classe", presidente, diretor, jogadores, roupeiros, todos, enfim,  tinham um único e igual voto pra decidir a vida do Corínthians (pra desgosto do goleiro Leão, como era típico), num momento de transição política que nos daria o maior movimento de massas da história do país: as 'Diretas Já", em 84, que se frustraria, num Congresso que se sabia viciado pela ditadura rumo a um colégio eleitoral para a "Nova República" (a sorte de Tancredo foi ter morrido e assim poder entrar pra história). 

Talentoso também com as palavras, escrevia bem expondo-se com todas as suas contradições, que, ao contrário das dos oportunistas, era o próprio fígado. Pois as contradições dos oportunistas não têm risco e logo resolvidas com a oferta disponível, ao passo que contraditórios como Sócrates são daqueles que, mudando a realidade, mudam o discurso, aparentando apenas incoerência. Não à toa que o mesquinho prega a coerência a todo custo. Reparem.


SRN 

Warhol,baixinho, baixinho...


Foi um monstro (embora não tenha sido melhor do que o Reinaldo. O que vi, espremido entre os degraus de cimento do lado esquerdo da tribuna de honra na final de 80, pondo em risco o nosso título, não fosse o Nunes no finalzinho, foi o seguinte, e o cara já estava com os joelhos todos estourados desde os 16 anos). Mas, jamais mereceu, como andei vendo, fazer parte da Seleção Rubro-Negra de todos os tempos. Ali é o lugar do Nunes, por 80, por Tóquio, por 82, lá no sul. O Adriano, em 2009, também foi muito melhor. Hoje, o senador fariseu vem aos poucos dando adeus aos seus 15 minutos de fama política.


SRN


terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A Cristaleira do Murici



Tenho um velho amigo gago. Dessas figuras folclóricas, popular, prestativo, da rua, quarteirão, ao bairro. Conta esse meu amigo que, ruim agora, sua gagueira era bem pior quando moleque, pelo que entendi, pois nessas horas é mais fácil pra ele representar: pega minha caneta nanquim, coloca no canto da boca, torce o nariz, pega um copo, enche d'água. Olha prum lado, pro outro, cambaleia até à cozinha,  derrama  na pia um pouco da água e volta, sempre trocando as pernas, sacudindo o corpo:

"Eeeeenn...enteeen...deu, Mámámá...Máxi...?"

Entendi, o cara era um Pai de Santo, de confiança da Mãe desse meu amigo. . Ainda meio sonolento, o barulho na sala chegando até o quarto, mas já estava acostumado e sabia que naquele dia o pessoal da Fábrica Confiança, onde sua mãe trabalhava, vinha pro descarrego. Então, a baforada do charuto fora suficiente. O Caboclo, devidamente arriado, suponho (nessa parte, meu amigo dobra-se todo, ainda mais ininteligível) abre o porta do quarto, seguido pela sua mãe, e aproxima-se da cama. Faz o "pela cruz", bafora ali, bafora aqui:

"Tá carregado esse meu filho."

Essa parte é mais uma recriação, pois eu não entendia nada do que o meu amigo falava.

"Fiquei bom, nanana... hoora, Máma...ximo."

Aí tentou repetir o que começara a falar. Nisso,  bateu  4 da manhã. Tentando encurtar a conversa:

"Maravilha, meu irmão, fica pra próxima."

"Tu naaauuumm qué sasaa...ber o resto?"

O Pai de Santo também se chamava Murici e prestava serviços pra todo mundo naquela época, na fábrica. Até na sala do pai do Braguinha, que fora diretor da Fábrica Confiança, o Murici entrava e, assim como quem não quer nada, abria a sua marafa e dava sua baforada. Não cobrava nada, mas não fazia muita diferença. Murici era glutão e a garantia do "trabalho" era dada mediante o "caboclo comer e beber do bom e do melhor". Em Vila Isabel, muito português, dono de açougue, fechava a semana graças à voracidade do caboclo do Murici. Naquele dia, entretanto, Murici excedeu-se. Convenhamos que só quem conhece a gagueira desse meu amigo avalie do trabalho do caboclo: Murici, após meu amigo emitir impecável, "três tigres tristes", sacudiu o corpo de uma tal maneira que a força que o caboclo fez pra subir acabou jogando-o pela janela, vindo a cair em cima dos vasos de antúrio e "comigo ninguém pode" que a Mãe desse meu amigo cultivava na porta de casa. Murici comeu e bebeu, novamente bebeu e comeu e, antes de sair, resolveu evocar o caboclo, pois a Mãe desse meu amigo caprichara e Murici, pelo jeito, queria deixar tudo certo pra poder voltar:

"Madame, mi si fio, só pra fechar..."

E saiu pela casa, baforando. Caboclo inglês, meticuloso, resolveu passar em baixo de uma cristaleira que ficava a um canto da sala.

"Só pra confirmar..."

Murici acabou entalado e tiveram que chamar o bombeiro. Gosto muito desse meu amigo, mas já estava muito tarde. Não soube se o caboclo chegou a ser resgatado junto com o Murici.

SRN