segunda-feira, 24 de abril de 2017

Graciliano Ramos assinaria o Globo?

Voltei, após muitos anos, a ser assinante do Globo. Evidente, os limites de imprensa livre estão nos seus interesses de empresa que precisa sobreviver como outra qualquer no regime capitalista. Mas, ainda assim, neste estreito espaço de defesa da ordem, de uma sociedade de classes, é possível fazer um jornalismo voltado para a busca da informação e, nesses tempos de internet, de apuração.. 

Sempre me lembro do JB, um jornal liberal, como não poderia deixar de ser, mas em cujo espaço era possível ver o contraditório. Prestes e Roberto Campos, por exemplo (ao passo que,no Globo, havia apenas Roberto Campos, provavelmente pela atuação decisiva do ministro do planejamento do general Castelo Branco, no acordo Globo/Time life). Lembro-me, especificamente, da cobertura da bomba do Riocentro, da farsa denunciada do inquérito de uma ditadura que buscava controlar a transição política. Conseguiu, de resto, mas as reportagens e colunas do JB atrapalharam bastante. No episódio, o Globo era uma espécie de porta-voz oficial. Adiante, após tentar ignorar as "Diretas Já" e constrangido a mudar pelas circunstâncias, derrotadas as diretas e, embora apoiando Tancredo Neves, o Globo saía com um editorial que já se tornou referência na historiografia, se não me engano em outubro de 1984, defendendo os "ideais da revolução de 64". Recentemente, o globo fez uma espécie de autocrítica, sem, entretanto, convencer ninguém, haja vista o apoio que deu a passeatas recentes com a presença de tipos notórios, entre os quais torturadores tirando fotos ao lado de crianças como vovôs inofensivos, com a manchete irônica (só pode ser ironia, não acredito que acreditassem no que escreveram) de que uma das tais passeatas paulistas era a aurora da liberdade no Brasil. 

O que me levou a retomar a assinatura foi ver a cobertura da Lava-jato. Fontes e investigação bem exploradas. Também aí o mecanismo ideológico dizendo ao que veio pela ênfase que dá, com especial apuro, em tudo que diga respeito ao Lulismo. Mas, a relação da empresa imprensa com temer não é a mesma da que a leva a poupar Fernando Henrique. E, como é o vice que não é o de São Cristóvão que está alugado pra não atrapalhar o recrudescimento neoliberal de ataques aos direitos sociais, rumo, sem tréguas, a virarem puras e simples mercadorias sem disfarces. é possível ler no jornal aquilo que Graciliano Ramos - um humorista inigualável, porém, pouco reconhecido - escreveu logo na abertura de Memórias do Cárcere:



"Restar-me-ia alegar que o DIP, a polícia, enfim, os hábitos de um decênio de arrocho, me impediram o trabalho. Isto, porém, seria injustiça. Nunca tivemos censura prévia em obra de arte. Efetivamente se queimaram alguns livros, mas foram raríssimos esses autos-de-fé. Em geral a reação se limitou a suprimir ataques diretos, palavras de ordem, tiradas demagógicas, e disto escasso prejuízo veio à produção literária. Certos escritores se desculpam de não haverem forjado coisas excelentes por falta de liberdade - talvez ingênuo recurso de justificar inépcia ou preguiça.Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer. Não será impossível acharmos nas livrarias libelos terríveis contra a república novíssima, às vezes com louvores dos sustentáculos dela, indulgentes ou cegos. Não caluniemos o nosso pequenino fascismo tupinambá; se o fizermos, perderemos qualquer vestígio de autoridade e, quando formos verazes, ninguém nos dará crédito. De fato ele não nos impediu escrever. Apenas nos suprimiu o desejo de entregar-nos a esse exercício."

SRN

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