sábado, 13 de novembro de 2010

O Xangô do Infinito


Por Renato Lopes

O que são duas linhas paralelas? São as que não se cruzam. Dizem que no infinito sim. Mas até que São Tomé chegue lá para ver com os olhos do seu próprio ceticismo, ninguém põem muita fé nisso.

“O corredor é extenso, acinzentado. Pelas suas paredes sentem-se os tremores. Ele está parado. No final uma luz. Vários sons. Ele está sentado, curvado. Descamisado. Mas não há porque vestir uma camisa. Ele precisa do seu manto. É quase um Xangô. Pronto para endireitar o que está errado, e entortar o que está certo. No campo, no gramado, é só o que sabe fazer. O homem de 11 espíritos. Um só corpo. Mas que tem a força desses 11. Os clamores são fortes. Ela se ergue tal qual um titã. Veste seu manto. Ele era a legião.”

Se compararmos com as retas das quatro linhas, elas não se cruzam, mas se tocam e se completam. Formam aqueles retângulos. Sua simetria é tão perfeita que é quase impossível não associa-las a um altar místico, capaz de conjurar os quatro elementos (quatro linhas, quatro elementos, coincidência, não acham?), esses sim capazes de concederem a eternidade, esses sim permitem ao homem se sentir infinito. Como num hieros gamo, ali, o homem, toca a divindade. O passe segue sua geometria própria. A curva da bola é detentora de uma física indecifrável, só os mais herméticos filósofos clássicos poderiam decifrar. Não há cálculo exato. Seu resultado é sempre um infinito. Jogador que é jogador jamais procura a sorte no infinito, mas sim no companheiro próximo. Futebol também é alquimia. Mas ninguém sabe. E nem precisa saber.

“O altar se rega com suor e lágrimas. Todos são candidatos a Deuses nesse Olimpio de caboclos e caboclas. Ele, o Xangô em seu manto parece ter sido criado junto aos morros uivantes dos mais cortantes ventos. Quem o segura? Quem o detém? Quem pode ouvir sua respiração? Os homens criam seus deuses. Ali eles estavam vendo um nascer. Assistir ao nascimento de um Deus é como tentar ver o fogo original. É quase utópico, praticamente divino. Xangô balança seu manto. É todos. Não deixa para ninguém. Incendeia a grama. Mas por não ser um pé frio, que onde pisa o capim morre, Xangô faz crescer capim, pois no fogo original tudo é forjado. Dele se fez o tempo. Todos clamam por Xangô”

Pense um altar vazio. Pense num estádio vazio. Pense numa torcida carente por deuses. É o mesmo que ver um povo sem memória. Tão condicionados pelo caráter mercadológico. E as vezes tão dogmáticos, que se esquecem das pequenas brechas capazes de catapultar para um mundo além do material. Seus Deuses agora são profanos. Falam em cifras e vivem por elas. Onde está a mística do encantamento. Onde está aquele que roga, através do futebol pelos humildes, seus mais devotos servos. Nos estádios só o que se vê são massas. Inconscientes, alienadas, tanto quanto aqueles que jogam em altares profanados. Existem ainda os verdadeiros candidatos a Deuses, mas esses são tratados como o lado esquerdo disforme do cérebro: loucos, aluados. A lua se sente ofendida e chora por todos

“Xangô foi coroado. Seu reinado suplantou o do Reich que duraria mil anos. Em Xangô não há o preconceito. Conduz as massas, forma nações, está ai para guiar seu povo. Todos o clamam. A infinitude gira ao seu redor. Não vê só Deuses, pode ver homens com 28 faces, maiores do que qualquer vida. Não se inebria, mas embriaga. Passado, presente e futuro correm ao mesmo tempo. Lá está o jovem Xangô com os urubus. Xangô guiando a Nação. Um homem velho. Rangendo nas juntas. Não, não pode ser – pensa consigo”  

O barulho não quer dizer nada. O silencio já foi mais sagrado. Agora todos gastam o gramado. Lhe arrancam e não plantam de novo. Não há mais Deuses e nem homens comuns. É tudo cifrado, e tudo exato. Onde estão os seres do infinito? Se recolheram? Os homens não são mais dignos de compartilhar de sua presença. 

“Não há mais o corredor. O passo não é mais tranqüilo. É só maçante. Cheio de involuntário destino. Ao final, a luz já não é mais tão intensa. Mas ainda assim aguarda por Xangô. As juntas rangem. A bengala é seu apoio. A rua é muito mais larga do que o corredor. Pelo caminho um homem com uma prótese balança uma bandeira. A estação de trem é logo ali. Uma vontade de escutar round midnight de Miles Daves. Essa música sempre lhe lembra um trem. Correndo por uma paralela. Sem nunca cruzar com nada. Ele ouve clamores. “Ainda há homens de bem pensa”. Mas seu tempo agora é finito. Não é mais o fogo original.Chega dessa visão. O corredor cinzento está no fim. A luz é intensa. Os clamores mais ainda. O aguardam. Aqui, nesse tempo, Xangô ainda é rei.”
  

sábado, 6 de novembro de 2010

"Pereira Passos por ele mesmo"



Outro dia fui à UERJ, vindo da Abaeté, claudicante, na adaptação à muleta. Tentei arriscar as rampas, mas, sem chance. Os calos debaixo do braço uma festa. Minha dificuldade com a academia, ao contrário da muleta, parece uma inadaptação, vem ficando bem nítida e está com toda certeza na falta do gosto de esquina. Talvez a vaga que um dia poderia ocupar, num suposto vestibular depois de velho - e agora perneta - poderia ser melhor usada, e os corredores da UERJ nem as suas rampas, tampouco suas salas, são os paralelepípedos da Senador Soares, na continuação da rua dos Artistas. História não é a crônica de uma memória em recuperação. Pode ser que minha compreensão só alcance a complexidade que se apresente com uma clareza evidente. E é uma maravilha o conforto dos clássicos, claros, o arcabouço teórico ganhando estrutura como se fosse pela primeira vez. Agora compreendam o prazer de ver um texto, em meio aos luminares acadêmicos, na criação muito inteligente, e divertida, numa entrevista inventada com as próprias palavras de Pereira Passos.

SRN
28


Revista Rio de Janeiro, n. 10 , maio-ago. 2003 250

ENTREVISTA / Pereira Passos por ele mesmo*

Por Antonio Edmilson Martins Rodrigues e André Nunes de Azevedo

* O que será lido a seguir resultou de um trabalho de mapeamento dos arquivos do Prefeito Pereira Passos no Museu da República e da documentação oficial de seu governo na cidade com ênfase nos materiais produzidos por sua própria pena. É uma tentativa de exprimir as principais opiniões de Passos a respeito de sua obra na cidade e apresentar as principais características de sua formação. Compreende, desse modo, uma “interpretação dirigida” que envolve questões suscitadas pela própria leitura da documentação. Nossa intenção é, nos próximos números, poder apresentar o “outro lado” e produzir o contraponto.

Ao longo de sua história, o Rio de Janeiro foi definido por uma série de metáforas: “cidade rebelde, no século XVII”; “cidade-corte”, no início do século XIX; “cidade pestilenta”, na segunda metade do mesmo século; “cidade maravilhosa”, no início do século XX; “cidade-nação”, durante o Estado Novo; e, nos dias atuais, a sua mais trágica metáfora, a de “cidade da violência”. Esta é a maior expressão simbólica da crise de civilidade urbana pela qual passa o Rio de Janeiro. Fortemente abalado em sua capitalidade desde a perda de seu status de capital e recebendo duros golpes, tais como os arbítrios da ditadura militar brasileira e a fusão com o interior do estado, o Rio de Janeiro vive uma grave crise, perdendo terreno no campo da cultura e da ação política para outras cidades brasileiras. Em meio a essa constatação, a Revista Rio de Janeiro resolveu “enviar ao passado" dois historiadores, a fim de entrevistar o ex-prefeito da capital federal, Francisco Pereira Passos. A entrevista ocorreu no ano de 1913, último da vida do Alcaide, pouco antes de embarcar em viagem à Europa, onde viria a falecer em mares portugueses, próximo à Ilha da Madeira.

RRJ – Senhor Passos, gostaríamos de saber sobre sua origem.

PP – Nasci em São João do Príncipe, uma cidadezinha do Vale do Paraíba fluminense, em 29 de agosto de 1836, na fazenda do Bálsamo, de propriedade de meu pai, Antônio Pereira Passos. Meu pai era um proprietário agrícola, um senhor escravista que plantava café, milho, feijão e cana-de-açúcar.

RRJ – É verdade que seu pai tinha título de nobreza?

PP – Isso aconteceu no final de sua vida, seis anos antes de seu falecimento, que ocorreu em 1866. Ele recebeu do Imperador D. Pedro II o título de Barão de Mangaratiba, um agrado aos cafeicultores da região, o que na época era muito comum. No entanto, eu nunca gostei muito de títulos, pois sempre acreditei no trabalho e na capacidade empreendedora do homem. Foi por isso que na década de oitenta rejeitei o título de Barão do Corcovado com o qual o Imperador quis me agraciar após o meu empreendimento ferroviário na montanha do mesmo nome. Pela mesma razão, eu já havia rejeitado um casal de escravos na ocasião do meu casamento, nos anos 60.

RRJ – E quanto a sua formação?

PP – Como era comum nas famílias de fazendeiros na época, meus primeiros estudos foram orientados por preceptores, dentro da própria fazenda. Depois, em 1850, vim ao Rio de Janeiro completar os meus estudos preparatórios para a faculdade. O fiz no Colégio São Pedro de Alcântara, administrado pelos padres Paiva, um dos melhores da cidade, onde também estudaram o Marechal Floriano Peixoto e o Dr. Oswaldo Cruz. Concluída esta etapa, ingressei na Escola Militar da Corte, em 1853, na qual me formei engenheiro civil, em dezembro de 1856. Após estar formado, aproveitei a influência do meu pai na Corte e consegui ser nomeado adido de 3a classe na legação do Brasil na França. Fiquei alguns anos em Paris, onde completei a minha formação na École de Ponts et Chaussés e acompanhei uma das etapas da reforma urbana conduzida pelo engenheiro Alphand, durante a gestão do Prefeito de Paris, Eugéne Haussmann. Depois, voltei ao Brasil e iniciei a minha carreira de engenheiro trabalhando para o Império.

RRJ – Como o senhor percebe as mudanças na engenharia nacional, desde a sua formação, nos anos de 1850, até o início do século XX?

PP – Creio que a minha geração de engenheiros se formou em um Brasil com um nível de desenvolvimento material ainda muito incipiente. A cidade do Rio de Janeiro, o maior pólo de atração de obras do país, apresentava um baixo nível de desenvolvimento de sua infra-estrutura urbana, um quadro que foi revertendo-se rapidamente a partir do último quartel dos oitocentos. Ainda, a minha geração de engenheiros encontrava-se submetida à formação militar, a uma filosofia de formação de engenheiros como funcionários públicos do Império, o que, aliás, era o destino de quase todos os poucos engenheiros que se formavam no Brasil dos anos 50 e 60. Já em maior número, a geração de engenheiros que se formou no último quartel do século XIX vivenciou uma realidade distinta, era uma outra cidade. O Rio de Janeiro crescia, sua sociedade complexificava-se, cresciam também as camadas médias urbanas e com elas uma maior demanda por obras de infra-estrutura, que cresceram muito na urbe neste último quartel de século. Com isso, os engenheiros, sobretudo os engenheiros-empresários, organizaram-se em torno de seus interesses privados, como ocorreu com a fundação do Clube de Engenharia, em 1880. Eles passaram a assumir uma série de concessões de obras estatais que anteriormente ficavam a cargo, quase que exclusivamente, do capital internacional. Ademais, esta geração formou-se na Escola Politécnica, na qual o ensino da engenharia já era controlado pelos civis, tanto na direção da Escola, quanto na sua subordinação política que, desde 1874, passou do Ministério da Guerra ao Ministério do Império. Ao contrário da minha geração, mais restrita ao funcionalismo público Imperial, esta foi uma geração que atuou sobremaneira no setor privado da engenharia. Diferentemente da minha geração de engenheiros, que trabalhou tendo como meta maior a ser alcançada a perspectiva de construir uma civilização nos trópicos, que era um projeto do Império, a geração de fins do século XIX, que atuou sobretudo durante o período da República, teve como valor maior a ser atingido a promoção de um progresso que era pensado fundamentalmente como desenvolvimento material. Essa geração considerou que uma vez estabelecido o progresso material, a civilização viria como seu corolário lógico, necessário. A minha geração nunca pensou assim. No Império era diferente, não passamos, por exemplo, pela experiência do encilhamento e o governo era muito cioso quanto a uma série de referências morais.

RRJ – E sobre o abortado projeto de reforma urbana da Comissão de Melhoramento da Cidade do Rio de Janeiro que o senhor presidiu entre 1874 e 1876? Por que o senhor considera que ele não foi executado?

PP – Motivo claro: falta de dinheiro do Estado e falta de interesse da iniciativa privada, pois o projeto demandaria um investimento altíssimo sem garantias de retorno do capital investido. Mas foi uma pena que o projeto não tenha saído da gaveta, pois, no primeiro relatório de 1875, prevíamos a construção de uma grande avenida com curvas, ligando o centro da cidade até as regiões suburbanas do Andaraí e de Vila Isabel, este último um bairro que pensamos como modelo para o subúrbio do Rio. Lá, projetamos a construção de casas para operários com jardins à frente, uma universidade, um jardim zoológico e um horto botânico, ambos ligados à pesquisa científica da universidade. No segundo relatório, fruto de uma série de críticas ao precedente, no qual decidimos não intervir no centro urbano, fomos compelidos a reformar a cidade velha. Em meio a forte pressão para que derrubássemos os morros do Castelo e de Santo Antônio, que vários médicos e engenheiros consideravam propiciadores de miasmas por obstarem a circulação do ar, decidimos manter elementos naturais da urbe. Para isso, projetamos uma avenida ligando o setor norte ao setor sul do centro da cidade e outra ligando o leste ao oeste, da Praça XV de Novembro até o sopé do morro de Santo Antônio, o que nos possibilitaria resolver o problema dos miasmas pela captação das brisas oceânicas em três direções. Assim, antecipamos a trajetória da Avenida Central, projetada pelo Ministro Lauro Müller no início da Grande Reforma Urbana de 1903-1906. Antecipamos também a construção da Avenida Beira-Mar que, no mais, era até mais completa do que a que construímos quando fui Prefeito, pois, no projeto de 1876, ela ligaria o bairro de São Cristóvão até Botafogo, passando pelo centro da cidade, seguindo o contorno do litoral com as suas sinuosidades.

RRJ – A quem o senhor julga que caberia a atribuição de cuidar da cidade, de seu planejamento social, de sua infra-estrutura? Aos médicos ou aos engenheiros?

PP – Durante o Império, esta tarefa esteve mais nas mãos dos médicos. No entanto, na República, em função da organização do Clube de Engenharia e de sua capacidade de se aproximar do Estado e de fazer valer os seus pontos de vista, esta função passou, claramente, a ser dos engenheiros, o que pôde ser verificado pelo papel destacado que este tipo de profissional teve na Grande Reforma Urbana de 1903-1906. Uma vez, em uma das reuniões do Clube de Engenharia, um dos sócios do clube procurou definir o papel de ambos os profissionais nos processos de intervenção urbana. Ele disse que aos médicos caberia diagnosticar os problemas urbanos, mas que a cura dos mesmos caberia aos engenheiros.

RRJ – Voltando à questão da sua formação, qual teria sido a importância de o senhor ter participado da reforma urbana de Haussmann? O senhor se consideraria um engenheiro haussmanniano ?

PP – Sem dúvida, a reforma urbana promovida pelo prefeito Haussmann em Paris me influenciou, como a maioria dos urbanistas do Ocidente até a virada do século. No entanto, a reforma urbana promovida por Haussmann foi-me muito mais uma referência do que um modelo a ser seguido. Para constatar isto, basta comparar as plantas e a carta cadastral da minha reforma urbana com as da reforma urbana Haussmann. Uma das maiores características da reforma Haussmann foram as avenidas circulares que deslocavam o trânsito do centro da cidade. Na minha reforma, de maneira diversa, eu criei três ligações do centro urbano com o subúrbio do Rio de Janeiro. Veja os round points, tão famosos e característicos da reforma Haussmann, não fiz nenhum no Rio de Janeiro. A minha intervenção urbana foi muito mais discreta, não teve a grandiloqüência característica da reforma Haussmann, cheia de perspectivas que realçavam a monumentalidade de Paris. Entretanto, sem dúvida, alguns princípios da reforma parisiense me influenciaram, como a valorização da alta cultura e da tradição local.
Acho que sou muito pouco haussmanniano para os padrões de gosto da elite carioca. Engraçado que quando o Imperador D. Pedro II recusou os meus relatórios da Comissão de Melhoramento da Cidade do Rio de Janeiro. Ele o fez alegando que eram haussmannizantes, um belo álibe para quem não tinha condições de executar uma reforma urbana para o qual tinha pago os estudos. Depois até virou moda no Rio de Janeiro chamar os prefeitos da cidade de Haussmann ou haussmannizadores, pois, assim, a imprensa carioca já vinha fazendo com alguns alcaides que me precederam.

RRJ – Agora, gostaríamos de falar sobre aquilo que mais lhe notabilizou, a reforma urbana do Rio de Janeiro que o senhor realizou no início do século XX, como prefeito da cidade. Qual foi o seu maior objetivo nesta reforma?

PP – Sem dúvida, fazer do Rio de Janeiro uma cidade civilizada.

RRJ – E o que isto significa para o senhor?

PP – A meu juízo a emergência das massas operárias nas grandes urbes é o maior problema das cidade modernas. Elas vivem sem dignidade, o que ameaça o equilíbrio de toda a sociedade, compromete a civilidade urbana e milita contra a civilização. Para mim, uma cidade civilizada supõe conferir dignidade habitacional ao operariado, educá-lo, estimular-lhe o apreço pela cultura e o gosto do belo, condições indispensáveis da civilidade urbana e da civilização. Considero fundamental que o operariado desenvolva-se com o gosto pela beleza e a preservação urbana, com ruas e habitações dignas, bem urbanizadas, só assim estes modestos obreiros da civilização poderão integrar-se de fato à sociedade. Algo que me faria muito gosto é que os operários do Rio de Janeiro usassem mais o centro urbano após a reformulação que nele executei, pois aquele espaço, como encontrava-se antes, era um desestímulo à urbanidade. Agora, ao contrário, tornou-se um estímulo a ela, por isso, seria importante a presença não só dos operários, mas de toda a população no centro da cidade. Assim, todos poderão levar, dentro de si, aos seus bairros, um modelo de civilidade urbana.

RRJ – De quais instrumentos o senhor lançou mão para promover a civilização no Rio de Janeiro?

PP – Vários. Mas posso destacar os três projetos de vilas operárias que desenvolvi, duas junto ao centro da cidade, outra também próximo dele, na Glória; a proibição de “maus usos” da cidade; a transferência de escolas do centro da cidade para o subúrbio e a inauguração de novas escolas nestes bairros, onde maior é a necessidade delas; o fomento à educação estética do carioca, através do Teatro Municipal, e a integração de toda a cidade ao seu centro urbano, lugar exemplar de sua civilização.

RRJ – No seu entendimento, qual seria o papel da classe operária na cidade?

PP – Como eu já havia dito em duas ocasiões nas minhas mensagens à Câmara Municipal do Rio de Janeiro, eles são os modestos, mas valiosos obreiros da civilização, ou seja, são aqueles que cuidam da parte operacional desta. Como o Teatro Municipal seria erguido sem os operários? É claro que a contribuição que eles dão ao desenvolvimento da civilização é mais modesta que a dos artistas, cientistas, intelectuais e engenheiros, mas isso não quer dizer que eles não participem com contribuição alguma. Um operariado com disciplina para o trabalho e que seja governado por uma elite de sábios é muito valioso para o aperfeiçoamento de uma civilização.

RRJ – Mudando do Rio de Janeiro para a Europa, um continente pelo qual, sabemos, o senhor tem muita estima, gostaríamos de saber qual cidade o senhor considera que seria hoje (1913) a principal cidade do Ocidente?

PP – No meu entender, Berlim.

RRJ – Não seria Paris?

PP – Não, não seria. Considero Paris uma cidade com uma arquitetura muito homogênea, o que a torna um tanto monótona. Vejo Berlim como a grande cidade moderna, de grande riqueza arquitetônica e economicamente muito vivaz, com as suas indústrias dando nota da pujança moderna da cidade.

RRJ – Para terminar, gostaríamos de saber como o senhor pensa que será tratada a sua memória?

PP – Acho que isso vai depender em muito do contexto histórico em que se estará vivenciando. Acho que as elaborações a respeito da minha imagem virão a responder a demandas da cidade, a questionamentos que os seus habitantes farão a si mesmos e ao próprio Rio de Janeiro, isso se a minha figura não vier a cair no esquecimento, como é comum a maior parte dos homens públicos no Brasil.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Entre Quatro Linhas

Por Sebastião

Entre quatro paredes mexe com a imaginação e a libido de muita gente. Quem nunca pensou “ah, eu com essa mulher entre quatro paredes”. Quem nunca pensou “eu com a bola dentro dessas quatro linhas”. Todo mundo quer dar espetáculo, seja entre quatro paredes ou entre quatro linhas. A diferença é que no primeiro caso muito provavelmente não vai ter ninguém para servir de platéia (depende da sua imaginação), já no segundo caso vai ter um publico de olhos vidrados em cada jogada. No primeiro caso você pode aumentar a importância do espetáculo, dizer até o que não fez. No segundo caso é normal atribuir uma certa importância aos seus lances, terá quem discorde e quem concorde, afinal tinha o publico, só não vai poder mentir.
Quem joga entre quatro paredes pode até dizer que colocou de quatro e meteu por entre as pernas. Nas quatro linhas tem que matar a cobra e mostrar o pau, não basta só botar entre as pernas, tem que ir atrás para completar. Optando por essa jogada, entre as quatro paredes, nem sempre vai ser possível meter entre as pernas na frente e depois ir atrás completar. A regra é mais ou menos clara, tem restrições nesse quesito. Mas quem sabe procurar nunca fica sem ninguém para praticar esse lance (em ambos os casos)
Uma unanimidade em ambas as performances: o esforço físico e o prazer moral (quando dá certo) e execração (quando dá errado). É engraçado, no cômodo das quatro paredes mesmo dando algo errado, e mesmo sem a platéia, parece que de uma forma ou de outra todos ficam sabendo que não teve show, só uma fagulha. Quem opta por correr paralelo entre as quatro linhas, às vezes dá um show, mas sempre tem um ingrato(a) para reclamar que não foi isso tudo. A desqualificação do trabalho alheio é a pior coisa que existe.
Mais uma unanimidade: quanto mais gols melhor. Rola ai um lance meio dialético – quanto mais espetáculo maior tem que ser o numero de gols. Não adianta fazer bonito e não marcar, tem que fazer. Será que é isso mesmo. Nas quatro linhas a quem defenda que nem sempre é bom jogar para galera, ou seja, fazer só arte, tem que ser prático, jogar, ganhar e marcar os 3 pontinhos da tabela. Quem se aventura entre as quatro paredes é inevitável, tem que jogar para galera, tem que fazer performance, agradar e marcar com maestria. Marcar qualquer um marca, sabe marcar, esse é o “xis” da questão. Esse papo de umazinha só, bem dada, nem sempre cola não. Se tem menos de 30, faça um favor a si mesmo, FAZ BONITO. Se tem mais de 40, faça um favor a si mesmo SUPREENDA. Viu, é caminha no fio da navalha entre satisfazer e deixar tudo meia boca.
Esta aí um lance importante: a boca e o que sai (ou o que entra), nela.  Nada de ganhar no grito, não importa se é entre as linhas brancas ou as paredes manchadas. É ter raça. Gritar só para comemorar. Ai meu irmão...feliz aquele que faz o grito ser ouvido entre além das quatro paredes. Nas quatro linhas a bola pode ser metida fora e depois recuperada. Entre as quatro paredes não tem como meter fora, tem que estar sempre dentro. Isso é o básico. Tirar só se for para colocar em outro. E outra coisa...se sair, quem repõem é você e sua dupla, esse papo de gandula jogar outra bola para dentro do seu jogo só se for em ocasiões muito especiais, de resto, evite.
A pequena área é o ponto G. Tem uns caras que são gênio nesse pedaço. Ali, não tem para ninguém. Para eles não tem mistério: é só empurrar. E pensando assim, dessa forma tão simples, levam a galera a loucura. E tem uns convencidos, se gabam de entender tudo das duas pequenas áreas. Dizem come-la. Vão se ferrar vocês.
Independente onde você joga, não esqueça de se proteger, ok? Não quero bancar o chato nem o moralista. Mas quem se protege, rende muito mais.

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Grande Nássara

Por 28


Aí, Máximo, lembrei do cara. Esse era o bairro. Vila Isabel na veia. Não sei se Rubro-Negro, mas, se não era passa a ser, pela grandeza.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dilma Inácio Vargas

Rubro-Negro não foge. Muro, sem chance. Não somos uma Nação Maior à toa. Oportuna a postagem do parceiro Saruê Muniz.

SRN
Máximo



Dilma Inácio Vargas

Por Saruê Muniz

Com o fim da campanha eleitoral, é possível o retorno à lucidez. E a primeira entrevista de Dilma já demonstra que a bíblia e o crucifixo,  oportunos nas charges do companheiro Máximo,  ficarão na caricatura. Parece que o Brasil, a começar pelo lulismo, prosseguirá nela sem medo do pejorativo:
A crítica à Era Vargas sempre fora consenso entre o PT e o PSDB. Uma referenciação comum que  tinha por base a sociologia paulista que não gostava do Brasil:  Fernando Henrique., Francisco Wefort, etc. Todos muito críticos ao legado patrimonialista de nossa formação, marcado pelo iberismo de corte asiático que combina Marx e Weber. Marx, por ter apresentado a história pelo viés econômico, dividindo-a basicamente entre quatro modos de produção: asiático, antigo, feudal e burguês moderno. Weber, pelo paroxismo da racionalidade burocrática, que, se implicasse numa contradição principal, não seria entre capital e trabalho, não estaria, portanto, na luta de classes, mas no dilema burocracia e liberdade.

Weber, aliás, oferece em tal categoria  um instrumento útil, sobretudo quando Raymundo Faoro, em 58, com "Os Donos do Poder", na análise da tradição de nosso patrimonialismo ibérico, contesta a clássica tese de Weber da viabilidade do capitalismo como decorrência da ética calvinista. Para Faoro, o capitalismo deve muito mais ao feudalismo, em que já se prefigurava a possibilidade do Estado, instância decisiva na constituiçao de um aparato burocrático central, em torno do rei, de superação do parcelamento do poder político disperso entre senhores feudais. Enquanto a ética calvinista, baseada no princípio da predestinação, era só sociedade civil, mercado, sem condições de realizar a expansão marítima e  o mercantilismo como política econômica que combinava Estado e burguesia em um capitalismo comercial, base da revolução industrial e do capitalismo moderno.
A tese de Faoro é que o patrimonialismo ibérico, por não ter conhecido o feudalismo, não poderia realizar o capitalismo e estava muito mais próximo da configuração asiática em que o Estado, ou que se lhe era equivalente, estava acima da sociedade e a tudo submetia. Nossa formação, portanto, estaria marcada pelo estamento estatal, que coopta e orienta segundo sua própria lógica e conveniência. Por ser asiático, nosso Estado não teria um caráter de classe burguês, antes disso, teria um fim si mesmo, atropelando e submetendo a sociedade civil. É o que explica a nossa modernização autoritária, de baixo pra cima, sem rupturas, conciliando as diversas frações da elite, particularmente de Vargas até à ditadura militar. Há uma continuidade, operada primeiro pelo populismo, depois pela tecnocracia pós-64.

Marx fornece a categoria asiática e Weber  a categoria racionalidade burocrática, na análise do refinamento dessa dominação através do aperfeiçoamento técnico do aparelho de Estado.
Quando o PT surge, justapondo sindicalismo anti-peleguismo, esquerda católica e intelectualidade paulista, a rejeição à Era Vargas é condição de toda a crítca. Vargas e a ditadura militar, para o PT, praticamente são faces da mesma moeda.

O PT era o moderno, na afirmação independente da sociedade civil, da classe trabalhadora, frente ao controle de um Estado de corte asiático. Do modo análogo, na vertente de outros aspectos da sociedade civil, seria o PSDB.

Quando FHC chega ao poder, a recidiva liberal que arrasta o mundo é, na verdade, muito bem vista pela sociologia paulista. Era o contexto que faltava e que permitirá a pá de cal no Brasil de que não gostavam, o patrimonialismo ibérico, asiático, misturando público e privado.  Atacar esse Estado era uma oportunidade histórica, desmontando-o e privatizando-o.
No campo popular, essa visão era o que levava Brizola - de resto, filho dessa tradição, desse Brasil que nem o PT nem o PSDB gostavam - a chamar Lula de "sapo barbudo" e o PT de "a esquerda que a direita adora". Brizola nunca foi marxista, não pregava a luta de classes. E desconfiava da sinceridade e da capacidade de resistência dessa intelectualidade que vivia falando em revolução. Enxergava-se como o desenvolvimento dialético, pois a dialética não necessitava ser obrirgatoriamente marxista, do nacional-popular do Vargas histórico. Se constituíamos esse modo de Estado, não burguês, o trabalhismo nacionalista seria um aprofundamento e aperfeiçoamento na direção da inclusão das massas.

Estava ali Darcy Ribeiro. Por que Darcy não fora para o PT? Não teria compreendido o sentido histórico, a razão de ser da realidade brasileira?
Dilma também se filia ao PDT, logo após a fundação do partido por Brizola, quando da volta do exílio, a partir de 79, com a anistia.

Dilma, portanto, ao reconhecer a inviabilidade do caminho da luta armada, da qual fizera parte, reconheceria tal percepção de transformação a partir do centro político e do Estado estamental.
Lula, em seu governo, compreendeu isso, ao transformá-lo num espaço de disputa, de arbitragem para as demandas do capital e do trabalho. O condomínio estamental do lulismo foi a atualização do nacional-desenvolvimentismo.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Aprendendo a cozinhar

Eu usava a imagem do fusca velho sem nenhuma fundamentação. Era apenas uma impressão, um modo de  perceber, muitas vezes deslocado em relação a determinados assuntos estranhos prum carioca de um Rio que se perdeu,  de pelada descalço na rua, de pular o muro do Maracanã, de esquina e andanças pela madrugada sem maiores problemas de violência.
 
Ao conhecer a Escola de Frankfurt, ler os textos de Walter Benjamin, por recomendação de um colega , pude ver que essa sensação de deslocamento era próprio da modernidade, em que a experiência é inútil. O que pode significar a pelada descalço na rua pruma geração que só conhece o play e o computador? O velho, como diz Walter Benjamin, é de fato um inútil, porque a aceleração do tempo, provocada pelo velocidade na circulação da mercadoria, tornou a vida cada vez mais obsoleta, intransmissível.
 
Entretanto, ainda não é a pá de cal. Ver a Dilma na Presidência é uma paz para os sentidos. A comunicação ainda é possível e o fusca 62 ainda comporta mais algumas viagens na condução da mulher ao aperfeiçoamento da vida. Eu, que nunca fui capaz de dispensá-las, as acumulo e são elas que sempre me dispensam quando não mais suportam, sei o quanto é preciso o comando feminino. Elas é que são fortes. Quando a minha filha estava pra nascer, estava tão nervoso que tive de ser acalmado pela sua mãe  deitada na maca para o parto. 

Elas acumulam, acumulam, como um saco plástico de supermercado carregado de quinquilharias e fanfarronices do companheiro irresponsável, dando-lhe a falsa segurança de que pode continuar parando a vida para permanecer brincando. Suponho que tal paciência tenha um caráter pedagógico, como se acreditasse na capacidade de cognição do camarada sem precisar de muitas explicações. Indispensável prestar atenção no que não é dito, mas o camarada só irá perceber isso depois, quando, em geral, o que resta é a ausência. E aí, meu irmão, qualquer proposta que faça parecerá um incesto, pois ela se comporta diante de você como em face de um tabu. Ou, então,  como se relesse um jornal de ontem.
 
Elas tem um gosto especial pelo poder. Mandam diferente. A vaidade quase nunca vai na frente do objetivo. Mandam como se imbuídas de uma missão. Nesse sentido o poder feminino é messiânico, mas doce, sem o fundamentalismo do que se sabe de messianismos.
 
Pena que nesse segundo turno a agenda obscurantista tenha impedido uma apreciação melhor das possibilidades da questão feminina no exercício do poder. 

A Dilma teve de sacrificar o que tinha de melhor, a ex-guerrilheira, a economista brilhante, a mulher casada e separada, casada e separada, de novo, agora sozinha, sem precisar de marido pra contribuir e se apresentar à Nação. 

Política é poder, de fato, já falava o florentino, para parafrasear o 28, e Dilma, a fim de ganhar o voto crente, teve de enfatizar o aspecto maternal, até de avó. 

Não vou baixar o taxímetro.

Quero dar umas voltas no fusca 62 mandado por uma mulher. 

Se a Dilma precisar aprendo até a fazer comida.

SRN