sábado, 13 de novembro de 2010

O Xangô do Infinito


Por Renato Lopes

O que são duas linhas paralelas? São as que não se cruzam. Dizem que no infinito sim. Mas até que São Tomé chegue lá para ver com os olhos do seu próprio ceticismo, ninguém põem muita fé nisso.

“O corredor é extenso, acinzentado. Pelas suas paredes sentem-se os tremores. Ele está parado. No final uma luz. Vários sons. Ele está sentado, curvado. Descamisado. Mas não há porque vestir uma camisa. Ele precisa do seu manto. É quase um Xangô. Pronto para endireitar o que está errado, e entortar o que está certo. No campo, no gramado, é só o que sabe fazer. O homem de 11 espíritos. Um só corpo. Mas que tem a força desses 11. Os clamores são fortes. Ela se ergue tal qual um titã. Veste seu manto. Ele era a legião.”

Se compararmos com as retas das quatro linhas, elas não se cruzam, mas se tocam e se completam. Formam aqueles retângulos. Sua simetria é tão perfeita que é quase impossível não associa-las a um altar místico, capaz de conjurar os quatro elementos (quatro linhas, quatro elementos, coincidência, não acham?), esses sim capazes de concederem a eternidade, esses sim permitem ao homem se sentir infinito. Como num hieros gamo, ali, o homem, toca a divindade. O passe segue sua geometria própria. A curva da bola é detentora de uma física indecifrável, só os mais herméticos filósofos clássicos poderiam decifrar. Não há cálculo exato. Seu resultado é sempre um infinito. Jogador que é jogador jamais procura a sorte no infinito, mas sim no companheiro próximo. Futebol também é alquimia. Mas ninguém sabe. E nem precisa saber.

“O altar se rega com suor e lágrimas. Todos são candidatos a Deuses nesse Olimpio de caboclos e caboclas. Ele, o Xangô em seu manto parece ter sido criado junto aos morros uivantes dos mais cortantes ventos. Quem o segura? Quem o detém? Quem pode ouvir sua respiração? Os homens criam seus deuses. Ali eles estavam vendo um nascer. Assistir ao nascimento de um Deus é como tentar ver o fogo original. É quase utópico, praticamente divino. Xangô balança seu manto. É todos. Não deixa para ninguém. Incendeia a grama. Mas por não ser um pé frio, que onde pisa o capim morre, Xangô faz crescer capim, pois no fogo original tudo é forjado. Dele se fez o tempo. Todos clamam por Xangô”

Pense um altar vazio. Pense num estádio vazio. Pense numa torcida carente por deuses. É o mesmo que ver um povo sem memória. Tão condicionados pelo caráter mercadológico. E as vezes tão dogmáticos, que se esquecem das pequenas brechas capazes de catapultar para um mundo além do material. Seus Deuses agora são profanos. Falam em cifras e vivem por elas. Onde está a mística do encantamento. Onde está aquele que roga, através do futebol pelos humildes, seus mais devotos servos. Nos estádios só o que se vê são massas. Inconscientes, alienadas, tanto quanto aqueles que jogam em altares profanados. Existem ainda os verdadeiros candidatos a Deuses, mas esses são tratados como o lado esquerdo disforme do cérebro: loucos, aluados. A lua se sente ofendida e chora por todos

“Xangô foi coroado. Seu reinado suplantou o do Reich que duraria mil anos. Em Xangô não há o preconceito. Conduz as massas, forma nações, está ai para guiar seu povo. Todos o clamam. A infinitude gira ao seu redor. Não vê só Deuses, pode ver homens com 28 faces, maiores do que qualquer vida. Não se inebria, mas embriaga. Passado, presente e futuro correm ao mesmo tempo. Lá está o jovem Xangô com os urubus. Xangô guiando a Nação. Um homem velho. Rangendo nas juntas. Não, não pode ser – pensa consigo”  

O barulho não quer dizer nada. O silencio já foi mais sagrado. Agora todos gastam o gramado. Lhe arrancam e não plantam de novo. Não há mais Deuses e nem homens comuns. É tudo cifrado, e tudo exato. Onde estão os seres do infinito? Se recolheram? Os homens não são mais dignos de compartilhar de sua presença. 

“Não há mais o corredor. O passo não é mais tranqüilo. É só maçante. Cheio de involuntário destino. Ao final, a luz já não é mais tão intensa. Mas ainda assim aguarda por Xangô. As juntas rangem. A bengala é seu apoio. A rua é muito mais larga do que o corredor. Pelo caminho um homem com uma prótese balança uma bandeira. A estação de trem é logo ali. Uma vontade de escutar round midnight de Miles Daves. Essa música sempre lhe lembra um trem. Correndo por uma paralela. Sem nunca cruzar com nada. Ele ouve clamores. “Ainda há homens de bem pensa”. Mas seu tempo agora é finito. Não é mais o fogo original.Chega dessa visão. O corredor cinzento está no fim. A luz é intensa. Os clamores mais ainda. O aguardam. Aqui, nesse tempo, Xangô ainda é rei.”
  

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