domingo, 16 de janeiro de 2011

Encostas Subdesenvolvidas

Plácido Gonzaga Bastos



Não é fácil ver as próprias mazelas. Antes era mais fácil: havia a crença no natal, que tinha até o seu próprio bom velhinho. Marx, embora muito útil como crítica, não foi o papai noel trazendo o presente bonito do socialismo.
 
E o capitalismo adiante, usando o que for preciso. Durante o seu amadurecimento, na era industrial do que Hobsbawm chama de "o breve século XX", não se constrangeu, valendo-se até de formas pré-capitalistas. Curioso como a força econômica do egoísmo assentava-se sobre uma ética do trabalho, o sacrifício do presente em nome do futuro, o compromisso com o dever, a probidade, a pontualidade e a família - unidade em torno da qual organizava-se a produção.
 
O capitalismo hoje, livre do antagonismo socialista, não necessita mais do futuro. Cumpre consumir rápido. E aí a justeza da observação de Marx quando escreve sobre a força revolucionadora ínsita do capitalismo. Em sua nova e atual fase pós-industrial, mecanismos úteis até há pouco tornaram-se um estorvo. A família, por exemplo. Nem a operária, pois não mais se renova força de trabalho; nem a pequeno-burguesa, que vive para o futuro, para  imprevisto, para a educação dos filhos, para a segurança da casa própria.
 
A força revolucionadora capitalista está no limiar do seu âmago: um individualismo anti-social absoluto.
 
Diante disso, qual o significado de uma tragédia nas encostas do subdesenvolvimento senão material de consumo que se gasta rápido na televisão?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

500

Por 28

Escrevo esta postagem vendo a reportagem na globonews sobre a devastação que ocorreu no estado, sobretudo na região serrana. 

500 mortos. 

Lamentavelmente, uma pressa que não se justifica, em nome de um dinamismo que nada esclarece, não aproveitam como deveriam a presença de especialistas que se revela extremamente útil, sem concessão ao vulgarismo, na explicação do fenômeno como resultante de uma competição, cada vez mais acirrada, entre o homem e a natureza, mediada pelo mais reles oportunismo político. 

Reconhecem que o que cabe agora são medidas de emergência, mas ressaltam a importância do conhecimento das estruturas, de um levantamento de dados técnicos promovido por investigação científica, a fim de se poder mapear e estabelecer o real significado do que comumente se chama de "áreas de risco". 

Recomendam que, tal é a nossa precariedade, que devemos, em muitos casos, como em Angra dos Reis, começar do zero. 

Não estaríamos diante do exemplo mais puro e acabado de subdesenvolvimento?

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Nem a Igreja Católica Nem a Universal do Macedo

Por Máximo

Compreenderemos melhor as consequências para o futebol brasileiro da transação entre o Flamengo e Ronaldinho Gaúcho, se considerarmos a marca publicitária em que se transformaram os grandes nomes. Uma condição sem cuja análise não passaremos do animismo.

A extensão do mercado da bola é do tamanho de sua visibilidade e comunicação. E não há no Brasil nada mais evidente do que o Flamengo. Nem a Igreja Católica nem a Universal do Macedo.

Ao Flamengo, segundo a imprensa, cabem 20% da remuneração do milhão pago ao Ronaldinho. O resto é imagem, vendida no mercado pelos despachantes de hábito.

"Flamengo é Flamengo" - conforme o próprio Ronaldinho, uma maneira que a ansiedade do Gaúcho encontrou, provando que as palavras foram feitas pra dizer que o Flamengo é tudo o que se vê, o que se sabe, o que se ganha. 

Marcas como Ronaldinho exigem cidades. Evitar a roça é condição para o negócio. Como seria possível num time que acredita em certas coisas e que gosta de tomar na cuia, porque é na cuia que leva chimarrão? E o porco que levanta o focinho, mas é apenas a sineta pendurada no pescoço que lhe chama atenção?

Valores desse porte só podem ser pagos num mercado maduro acessível tão somente à grandeza do Flamengo.

Ademais, papagaios de pirata, literalmente. A Gávea ontem parecia um arraial da Ana Maria, inclusive com o Louro José, aporrinhante, verborrágico, inconveniente, excessivo, como mestre de cerimônias. 


Felizmente, o bom senso vindo justamente da estrela dessa festa junina improvisada em janeiro. Ronaldinho, cercado, falou pouco. Bastava repetir:

"Flamengo é Flamengo."

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

sábado, 8 de janeiro de 2011

RubroNegrir a Beleza

Por 28


Qual a cor?
Vermelha,
negra,
pensa ao erro da palheta,
ora a prova, ora a cadeira.


A coxa despe as cores,
afastando o vestido,
na cadeira lá da frente:
UERJ, Machado,
vestibular quase cancelado.
Meu cabelo seria bom
se junto com o seu trançado.

O joelho é linha sinuosa, lenta,
continua a coxa, incólume,
rija, grossa, até o pé.

Linda Negra
a rubronegrir a beleza.

Viestes à vida à pé.
Fomos juntos à filha do Prestes
entre olés de poças d'água,
e a protegi tal qual Noel 
à língua que dizia que passou de português.
Brasileira. 
Carioca.
Linda Rubro-Negra.

domingo, 2 de janeiro de 2011

Coxo de Amputação

Por 28


A Lagoa substitui o hospital, esquece também as esquinas no traçado de Brasília, enquanto dura o telefonema em que ela reorganiza as funções para o bairro, inviabilizando o ato de andar, que detesta, uma W3 carioca margeando o espelho d’água, Parque Lage, Jardim Botânico, Jóquei, até à PUC.

 No hospital não haveria previsão para a dor. Uma cirurgia de recomposição de amputados: os que perderam braços teriam de volta os meios de afeto, os que perderam pernas caminhariam em direção à vida, os seccionados de saudade dela receberiam um telefonema, que não seria um telefonema, mas uma cirurgia recuperando os 13 dias subitamente interrompidos.

Uma dúvida pontua a noite que escorre monótona. Os olhos abertos, na cozinha, fumando. Como não sabe mais conversar. Já havia sinais anteriores. Um talho simples, de cicatrização certa e a pele reconstituída. Engano: anos de exposição comprometeram-lhe o tecido, agora a pele enrugada só conhece a nascividade quando escreve, ainda que de improviso, sem rascunho,

Pensa no que lhe dissera, quando conversavam, andando, sobre o símbolo da solidão:

“Isso é foda. Um camarada bebendo sozinho num botequim.”

Adiante, num prédio, o apartamento escuro e a janela com um idoso, como um quadro de Munch:

“Cara, isso é que é solidão” – ela lhe diz.

Na rua, atravessando a Quinta da Boa Vista, a reflexão de andarilho levou-o ao risco de Lúcio Costa e, pensando no triângulo equilátero, figura de equilíbrio usada para a Praça dos Três Poderes, invade-o uma harmonia para além do ethos constitucional, para por sobre Legislativo, Executivo e Judiciário, o HIGS da Asa Sul em cujo vôo embarca como Ícaro. Registro de Brueghel, pendurado ele não sabe onde. O que importa é a cena da queda de Ícaro, no desafio à mediocridade, à aspereza, à realidade de compressão de torno, rija, contra a qual a cera, material usado por Ícaro, empresta um toque de ironia e faz da Asa Brasiliense uma recidiva da que usou. Ocorre que a queda de Ícaro é épica, digna de Brueghel.

Atravessa a Radial, próximo o Maracanã, voltando da Asa Sul, no trajeto idêntico que ela percorreu.

Um 30 de dezembro que estica em 30 dias de janeiro.