terça-feira, 18 de setembro de 2012

Flexibilizar É Preciso


Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



A criação de meios e recursos que propiciassem a todos a defesa de suas garantias fundamentais remonta à necessidade de delimitar as funções do Estado, fixando suas atribuições e protegendo os indivíduos de indevidas e desnecessárias ingerências do aparato estatal.

Os diferentes ordenamentos jurídicos ora são detalhistas, ora formalistas, ora exageram, ora descem ás minúcias e eventualmente fixam apenas os princípios que deverão nortear a conduta do aplicador do Direito.

Cabe asseverar que a Constituição Federal de 1988 vem à luz quando a ditadura militar a pouco retirara-se de cena (1985). Assim, com os olhos postos no enorme cipoal de abusos e desrespeitos cometidos ao longo do regime de exceção, nossa Carta Magna foi consideravelmente pródiga na elaboração de toda a sorte de garantia.

Ressaltemos, desde já, que por mais pormenorizado e eivado de garantismo, ordenamento jurídico algum possui o condão de evitar a instauração de regimes que se estribem no uso da força. Percebam que por ocasião do Golpe de 1964 vigorava a Constituição de 1946 de índole marcadamente democrática.

No plano da realidade, um ordenamento jurídico prenhe de garantias fundamentais que, claro, tem por escopo a defesa do indivíduo e a viabilização do Estado Democrático de Direito é de todo inútil e inservível diante de regimes instaurados pelo uso da força apenas.

Por outro lado, na vigência de um Estado efetivamente democrático todo o garantismo que se move no sentido de proteger o indivíduo da indevida ingerência do Estado finda por transformar-se em um amplo cobertor a abrigar toda sorte de absurdo.

Tenha-se em conta o conhecidíssimo caso do jornalista Pimenta Neves.

Com espeque no princípio de presunção da inocência recorreu por longos 11 anos de uma sentença condenatória cuja materialidade do crime era de todo indiscutível. Não há evidente exagero na consideração da culpa apenas e tão somente na ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória?

Não se pense que estamos a olvidar que o bem jurídico em discussão é a liberdade em toda a sua extensão. No entanto, não há qualquer óbice de ordem legal ou moral que impeça o cumprimento da pena tão logo ocorra a confirmação do julgado na segunda instância. A partir desse marco o recurso subsequente já não mais seria recebido no efeito suspensivo.

Em todos os demais ramos do Direito há a possibilidade do prosseguimento da execução ao não se conferir efeito suspensivo ao recurso.


Será que ao erigir o princípio da inocência o legislador buscou contemplar casos como o de Pimenta Neves? Decerto que não.

No entanto, o aplicador do Direito esmera-se em manter de pé o princípio como se de tal conduta restasse prestigiada a vontade do legislador. Tal rigidez interpretativa, contudo, trai o espírito legislativo.

Idêntico raciocínio aplica-se à legalidade na produção das provas.

Quanto mais elevado o cargo na hierarquia estatal, maior é a dificuldade na produção da prova. A defesa do ex-senador Demóstenes Torres estriba-se na ilegalidade das escutas telefônicas, eis que para tanto caberia antes à Polícia Federal obter autorização junto ao STF.

A escuta prova a existência do crime e, no entanto, não pode ser autorizada em Juízo, haja vista que ilegal no que atine à sua produção. E assim o ex-senador poderá jactanciar-se afirmando que sim eu fiz, você sabe que eu fiz e ainda assim nada poderá fazer.

Vez mais cabe perguntar se foi esse o intento do legislador.

As garantias materializadas no princípio da inocência e na estrita legalidade das provas cai tão bem quanto a mão à luva nos chamados regimes autoritários. Ali, porém, eles são substituídos por paus-de-arara, unhas arrancadas e outras tantas práticas de tortura.

Flexibilizar é preciso.

domingo, 16 de setembro de 2012

Sem Assunto


Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



Há fumaça por toda a parte. Homens armados com porretes queimam bandeiras americanas. Há também crianças ao redor. Todos trazem os olhos injetados e tomados por um ódio ancestral. O sentimento comum de revolta e indignação anima o movimento.

A imagem então se fecha e reaparece o rosto da apresentadora do telejornal que faz um ligeiro meneio com a cabeça como a dizer: vejam toda a barbárie que ainda se encontra naquela parte do mundo. Vejam quanta intolerância. Quanto atraso.

Tudo por conta deste recém-lançado filme que houve por bem lançar ofensas a Maomé.

E exsurge a pergunta: você sabia do filme? O viu? Há, de fato, ofensas a Maomé?

Num primeiro momento penso que os responsáveis pela película deveriam ter pesado o tanto de comoção que viria na esteira de tudo isso. As mortes eram previsíveis. Será que exteriorizar o tanto que vai pela cabeça de uma considerável parcela da população do ocidente justifica tanto barulho?

Logo na sequência penso na inquisição. Revisito Thomas More, Giordano Bruno, Galileu. Remeto-me às ditaduras (e perco um tempo enorme – foram muitas), revejo o Macarthismo e quase concluo que estamos todos por aí a fabricar cartilhas do correto pensar que, por mera coincidência, é o nosso pensar.

Pretender a proibição de um filme (ou o que quer que seja) porque ele critica uma determinada religião, partido ou regime político é render loas ao patrulhamento ideológico. É investir-se na condição de proprietário de verdades últimas e acabadas.

É sempre possível fechar o livro (não vá queimá-lo – eis que sempre haverá alguém que irá adorar aquilo que você detesta), desligar a televisão, lançar um fone ao ouvido e ainda pressionar simultaneamente os pés de encontro ao chão e as mãos na direção do braço da cadeira. Ato contínuo seu tronco mover-se-á verticalmente (para cima). Daí você levanta e sai do cinema (coma o resto da pipoca em casa).

Se nada disso for de todo suficiente, contraponha-se às ideias que tanta contrariedade lhe provocou. Vá pra internet, arregimente pessoas e ponha-se a descer o pau. Exija, se necessário, o seu direito de resposta.

Mas não vá pretender tolher o direito alheio à livre expressão. Não invista, de igual maneira, contra a higidez física de outrem. Isso é inaceitável.



Sei que há por aí gente de monte que considera acertada a reação muçulmana. São os mesmos que acham coisa da idade das trevas todo o procedimento ínsito ao Santo Ofício. São os mesmos que querem saber das ossadas e na sequência lançar “nossos” ditadores à cadeia (o que é muito justo, saliente-se). Tente inquirir-lhes e logo assacarão o vetusto princípio da individualização das coisas, ou seja: isto é isto e aquilo é aquilo. E por favor não vá misturá-los.

Vejo a intolerância recíproca e penso que Darwin (pra variar) é o detentor da melhor explicação. No longo processo evolutivo nos aproximamos dos semelhantes e repelimos os diferentes. É mais seguro e a segurança, bem sabemos, é fiel companheira do êxito evolutivo.

Até quando seremos cativos dessa onipresente animalidade que insiste em resistir à cultura.

Penso também que aqueles homens e crianças portando tochas e porretes constituem uma minguada minoria.

A maioria segue com a vida. Trabalham, estudam, namoram e sonham.

Mas estes não permitem o meneio de cabeça da moça do telejornal. Não dão ibope e não alimentam o ódio recíproco.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Chico Buarque, Bem Vindo Rubro Negro, e o Neto, Sempre Rubro-Negro


Hegel acreditava que uma época só pode ser compreendida quando terminada. Seu  vínculo interno só possível de reconhecimento quando suas formas já foram superadas. A crítica de Chico Buarque era só uma questão de tempo, inteligente suficiente que é  para perceber a alienação e o engodo de que fora vítima durante todo esse tempo de tricolagem.

SRN, Grande Chico Buarque
Máximo


quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Grande Saldanha x Batmédici


Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



O excelente documentário “João Saldanha” mostra toda a complexidade inerente à personalidade do João sem Medo. Ex-jogador, oriundo de família abastada, comunista, técnico de futebol e torcedor fanático.

João viveu num tempo em que não vigorava ainda a máxima do “politicamente correto” a ditar ações, opções, o que falar e sobretudo o que calar.

João não admitia jogadores cabeludos, haja vista que naqueles em que as madeixas eram lisas restava prejudicada a visão. Nos usuários do famoso Black Power o prejuízo advinha do amortecimento da bola que fazia com que a cabeçada perdesse sua eficácia e categoricamente fechava o assunto: Nada contra cabeludo na hora do rebolado, mas no meu time não joga.

Por ocasião da célebre controvérsia acerca da escalação de Dario Maravilha, desejo confessado de Medici, não titubeou em afirmar que todo o brasileiro se considera técnico de futebol e que ele compreendia os anseios presidenciais, mas que não acolheria a sugestão. Ele não escalava ministros e Médici também não escalaria o seu time.

Logo a seguir foi substituído no comando da seleção por Zagallo, cuja primeira providência foi convocar o atacante Dario.

Saldanha temia o uso político que a ditadura certamente faria da seleção e seu passado de intensa militância política fazia com que a relação travada com o comando da então CBD fosse eivada de conflitos. No plano tático sua saída representou a substituição do esquema 4 – 2 – 4 (com dois pontas abertos – Jairzinho e Edu), pelo 4 – 3 – 3 de Zagalo, com Rivelino voltando pra fechar o meio pelo lado esquerdo.

Há episódios pitorescos como os tiros dados em Manga, quando o goleiro botafoguense aceitou grana de Castor de Andrade pra entregar um jogo (Botafogo x Bangu) e ainda os disparos efetuados quando um farmacêutico vendeu pilhas usadas à sua empregada.

No entanto, fui levado a falar sobre Saldanha na esteira do jogo Brasil x Venezuela pelas eliminatórias da Copa de 1970. O primeiro tempo terminara 0 x 0 e os jogadores dirigiam ao vestiário para o descanso do intervalo. Saldanha os esperava à entrada do vestiário, já fechado àquela altura. Foram então avisados que não haveria descanso, banho ou qualquer outra rotina a ser praticada no intervalo. Isolou a chave e determinou o retorno ao campo de jogo. Voltem, ganhem e com uma diferença substancial (goleada). Foi plenamente atendido.

Recordo o episódio e fico a pensar em que momento a ladainha politicamente correta passou a alardear que não havia mais bobo no futebol. Percebam que o discurso é dotado de tamanha força e eficácia que num curto lapso de tempo o que antes era uma arrematada bobagem ganhou ares de verdade absoluta e hoje circula por aí nas mesas redondas onde os acólitos seguem pautas feitas na medida dos poderosos de plantão.

Quais os interesses atendidos pela realização dos amistosos contra a África do Sul e China?

Quase vejo Saldanha a dizer: Olha, menos de 10 não toma banho e se comemorar gol nunca mais convoco.

Dizem que os amistosos miraram no resgate da credibilidade da seleção brasileira. João também pegou a seleção desacreditada. Convocou onze feras, classificou o time e como dizem atualmente deu a assistência ao Zagallo. No entanto, os tempos eram outros. Dizíamos: Jair, Tostão, Pelé e Rivelino e Calávamos Edu, Paulo Cesar Caju, Dirceu Lopes, Roberto Miranda.

Nesses tempos norteados pela ditadura do politicamente correto, João Saldanha seria a um só tempo uma pessoa fora de seu tempo/espaço e uma persona extremamente necessária.

Estranharia o jornalismo acrítico e chapa-branca que hoje se pratica amiúde. Ficaria estupefato ao constatar que profissionalismo e paixão clubística são noções mutuamente excludentes. Inquietar-se-ia ante a pasmaceira embasbacante que a todos contagia e diria que sim, o rei está nu.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

6683/79


Por Tadeu dos Santos. graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



Como é de sabença geral (que beleza!), a Lei nº 6.683/79 foi promulgada pelo presidente João Figueiredo em 28 de agosto de 1979. Ou seja, à época o Presidente era um dileto representante da ditadura.

Dito isto, cabem ligeiras palavras acerca da sempre perseguida união de legalidade e legitimidade que, a princípio, deveria nortear todo o processo legislativo.

O supramencionado diploma legal foi, assim espero, elaborado de acordo com o devida observância das formalidades legais. Foi apreciado e votado pelas duas casas (Câmara dos deputados e Senado), sujeitando-se a seguir ao veto do chefe do poder executivo, sancionado e promulgado.

Por outro lado, sabemos que ninguém escapa aos ditames da lei e sequer sua ignorância (da lei) pode ser alegada para justificar seu descumprimento.

Ora, instrumento dotado de tamanha generalidade e coercitividade (lei) está a indicar que seus elaboradores (poder legislativo) seja o depositário da confiança da nação (essa é boa) e represente adequadamente todos os segmentos de nosso corpo social. Pressupõe também a inteira e absoluta liberdade em todas as suas acepções (imprensa, partidária, sindical, etc).

O pluripartidarismo no Brasil só reaparece em 1980, por obra e graça do Regime Militar, a saber, dos ditadores de plantão. Assim sendo, impõe-se a conclusão de que a lei de que vimos a tratar foi criada em pleno regime de exceção e com inteira ausência da liberdade partidária.

Claro está que um diploma legal que estabelece regras para a anistia elaborado segundo os interesses dos próprios pretendentes aos seus efeitos carece inteiramente de legitimidade.

Tratamos do binômio legalidade/legitimidade apenas para demonstrar que se lei alguma é a expressão de todo o corpo social, esta o é menos ainda. Tenha-se, em consequência, que toda e qualquer análise da Lei nº 6.683/79 deve levar em conta que a mesma foi formulada em pleno regime de exceção, ou seja, num ambiente em que inexistiam as chamadas liberdades fundamentais.

Outro ponto relevante é que o supramencionado diploma legal refere-se, apenas e tão somente, aos denominados crimes políticos.

Convenhamos que colocar a tortura sobre o manto protetor da Lei é conferir a este ato vil e covarde um matiz inteiramente descabido. Tal elastecimento analítico, por outro lado, também logra apequenar irremediavelmente o fazer política.

Tortura, estupro, humilhações e homicídios não guardam qualquer relação (por mais distante que seja) com a política concebida como a reunião de pessoas e meios postos a serviço do bem comum.

Tortura é dor posta a serviço do arbítrio. É ato prenhe de covardia. É cicatriz que não fecha. É sangramento que sequer o tempo consegue estancar.

Mas tudo isso aumenta exponencialmente quando torturadores circulam livremente por aí, concedem entrevistas e põem-se à sombra do regozijo dos próprios feitos.

Havia o slogan oficial: Brasil: ame-o ou deixe-o. No entanto, uma geração maravilhosa complementou-o com o necessário: mexa-se. Num quadro em que a ditadura fazia com que a censura adentrasse cada setor de nossa sociedade (judiciário, imprensa, poder legislativo, movimento estudantil). Mexer-se, à semelhança do navegar, era preciso.

Queremos saber tudo, mas sabemos das dificuldades espalhadas pelo caminho. A tortura possuía mil tentáculos. Operava no interior de quartéis e em longíquos sítios e fazendas. E tal e qual a resistência, enveredava pelos caminhos da clandestinidade.

A catarse de que nos fala o Máximo há de ser coletiva. Vamos resgatar as memórias dos cárceres desses brasileiros que ousaram pensar diferente.

As cicatrizes não fecharão e o sangue prosseguirá jorrando, mas seguiremos um pouco mais honrados.

Às famílias dirão onde estão as ossadas de seus entes queridos. E derramaremos lágrimas tardias, mas necessárias.

Torturador bom é torturador preso.

Sei que a noção de perdão ínsita ao Cristianismo e, de resto, a todas as demais religiões, goza da áurea da imutabilidade/indiscutibilidade. Quão horrível é o sujeito que não sabe perdoar. Já disse alguém por aí, porém, que só pode perdoar aquele que tem o poder de castigar.

Percebam assim o nosso impasse. Se nos empurram goela abaixo uma anistia canhestra acompanhada do cerceamento ao direito de conhecer como morreram e onde encontram-se os restos mortais dos bravos que ousaram dizer não, ficamos para todo o sempre condenados ao ressentimento e à ignorância. É como se a tortura ea seus horrores alcançassem a perpetuidade e passassem a assombrar as gerações pretéritas, bem como as vindouras.

Urge honrar aqueles que tombaram ao peso da covardia e para tanto não basta apenas o resgate da história.

É de todo injusto e inaceitável que torturadores confessos não paguem pelos crimes que cometeram.

Há momentos que se revestem de capital importância para a construção da noção de cidadania, bem como para afirmação de sentimentos comuns que findam por lançar e afirmar os fundamentos do caráter de um povo e não há, creiam, nada mais vergonhoso do que desonrar os que lutaram por nós.

De resto, há que se afastar, por inteiro, os argumentos tendentes a amenizar a importância da ditadura, as suas práticas e os seus efeitos, haja vista que utilizou todo o aparato bélico e logístico dos 3 segmentos de nossas forças armadas. Torturou e ceifou vidas em quantidade que jamais será de todo esclarecida.

Vigorava à época a Constituição de l946 que, democrática, garantia a eleição direta para todos os cargos e o pluripartidarismo. Assim, havia uma considerável liberdade partidária com livre circulação de ideias e tendências.

Não houve, assim, qualquer abalo ou ameaça ao estado democrático de direito, aos poderes legal e legitimamente constituídos, ou à separação dos poderes. Nada, absolutamente nada, explicava ou justificava o golpe de 31 de março.

Na realidade, ela pôs-se a reboque dos ditames da guerra fria. A Revolução Cubana de 1959 abrira um flanco importantíssimo na América Latina e temia-se o seu espraiamento por toda a região.

Na insana disputa por zonas de influência, a ditadura assegurou nosso alinhamento aos interesses americanos.