domingo, 16 de setembro de 2012

Sem Assunto


Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



Há fumaça por toda a parte. Homens armados com porretes queimam bandeiras americanas. Há também crianças ao redor. Todos trazem os olhos injetados e tomados por um ódio ancestral. O sentimento comum de revolta e indignação anima o movimento.

A imagem então se fecha e reaparece o rosto da apresentadora do telejornal que faz um ligeiro meneio com a cabeça como a dizer: vejam toda a barbárie que ainda se encontra naquela parte do mundo. Vejam quanta intolerância. Quanto atraso.

Tudo por conta deste recém-lançado filme que houve por bem lançar ofensas a Maomé.

E exsurge a pergunta: você sabia do filme? O viu? Há, de fato, ofensas a Maomé?

Num primeiro momento penso que os responsáveis pela película deveriam ter pesado o tanto de comoção que viria na esteira de tudo isso. As mortes eram previsíveis. Será que exteriorizar o tanto que vai pela cabeça de uma considerável parcela da população do ocidente justifica tanto barulho?

Logo na sequência penso na inquisição. Revisito Thomas More, Giordano Bruno, Galileu. Remeto-me às ditaduras (e perco um tempo enorme – foram muitas), revejo o Macarthismo e quase concluo que estamos todos por aí a fabricar cartilhas do correto pensar que, por mera coincidência, é o nosso pensar.

Pretender a proibição de um filme (ou o que quer que seja) porque ele critica uma determinada religião, partido ou regime político é render loas ao patrulhamento ideológico. É investir-se na condição de proprietário de verdades últimas e acabadas.

É sempre possível fechar o livro (não vá queimá-lo – eis que sempre haverá alguém que irá adorar aquilo que você detesta), desligar a televisão, lançar um fone ao ouvido e ainda pressionar simultaneamente os pés de encontro ao chão e as mãos na direção do braço da cadeira. Ato contínuo seu tronco mover-se-á verticalmente (para cima). Daí você levanta e sai do cinema (coma o resto da pipoca em casa).

Se nada disso for de todo suficiente, contraponha-se às ideias que tanta contrariedade lhe provocou. Vá pra internet, arregimente pessoas e ponha-se a descer o pau. Exija, se necessário, o seu direito de resposta.

Mas não vá pretender tolher o direito alheio à livre expressão. Não invista, de igual maneira, contra a higidez física de outrem. Isso é inaceitável.



Sei que há por aí gente de monte que considera acertada a reação muçulmana. São os mesmos que acham coisa da idade das trevas todo o procedimento ínsito ao Santo Ofício. São os mesmos que querem saber das ossadas e na sequência lançar “nossos” ditadores à cadeia (o que é muito justo, saliente-se). Tente inquirir-lhes e logo assacarão o vetusto princípio da individualização das coisas, ou seja: isto é isto e aquilo é aquilo. E por favor não vá misturá-los.

Vejo a intolerância recíproca e penso que Darwin (pra variar) é o detentor da melhor explicação. No longo processo evolutivo nos aproximamos dos semelhantes e repelimos os diferentes. É mais seguro e a segurança, bem sabemos, é fiel companheira do êxito evolutivo.

Até quando seremos cativos dessa onipresente animalidade que insiste em resistir à cultura.

Penso também que aqueles homens e crianças portando tochas e porretes constituem uma minguada minoria.

A maioria segue com a vida. Trabalham, estudam, namoram e sonham.

Mas estes não permitem o meneio de cabeça da moça do telejornal. Não dão ibope e não alimentam o ódio recíproco.

Nenhum comentário:

Postar um comentário