quarta-feira, 12 de setembro de 2012

6683/79


Por Tadeu dos Santos. graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



Como é de sabença geral (que beleza!), a Lei nº 6.683/79 foi promulgada pelo presidente João Figueiredo em 28 de agosto de 1979. Ou seja, à época o Presidente era um dileto representante da ditadura.

Dito isto, cabem ligeiras palavras acerca da sempre perseguida união de legalidade e legitimidade que, a princípio, deveria nortear todo o processo legislativo.

O supramencionado diploma legal foi, assim espero, elaborado de acordo com o devida observância das formalidades legais. Foi apreciado e votado pelas duas casas (Câmara dos deputados e Senado), sujeitando-se a seguir ao veto do chefe do poder executivo, sancionado e promulgado.

Por outro lado, sabemos que ninguém escapa aos ditames da lei e sequer sua ignorância (da lei) pode ser alegada para justificar seu descumprimento.

Ora, instrumento dotado de tamanha generalidade e coercitividade (lei) está a indicar que seus elaboradores (poder legislativo) seja o depositário da confiança da nação (essa é boa) e represente adequadamente todos os segmentos de nosso corpo social. Pressupõe também a inteira e absoluta liberdade em todas as suas acepções (imprensa, partidária, sindical, etc).

O pluripartidarismo no Brasil só reaparece em 1980, por obra e graça do Regime Militar, a saber, dos ditadores de plantão. Assim sendo, impõe-se a conclusão de que a lei de que vimos a tratar foi criada em pleno regime de exceção e com inteira ausência da liberdade partidária.

Claro está que um diploma legal que estabelece regras para a anistia elaborado segundo os interesses dos próprios pretendentes aos seus efeitos carece inteiramente de legitimidade.

Tratamos do binômio legalidade/legitimidade apenas para demonstrar que se lei alguma é a expressão de todo o corpo social, esta o é menos ainda. Tenha-se, em consequência, que toda e qualquer análise da Lei nº 6.683/79 deve levar em conta que a mesma foi formulada em pleno regime de exceção, ou seja, num ambiente em que inexistiam as chamadas liberdades fundamentais.

Outro ponto relevante é que o supramencionado diploma legal refere-se, apenas e tão somente, aos denominados crimes políticos.

Convenhamos que colocar a tortura sobre o manto protetor da Lei é conferir a este ato vil e covarde um matiz inteiramente descabido. Tal elastecimento analítico, por outro lado, também logra apequenar irremediavelmente o fazer política.

Tortura, estupro, humilhações e homicídios não guardam qualquer relação (por mais distante que seja) com a política concebida como a reunião de pessoas e meios postos a serviço do bem comum.

Tortura é dor posta a serviço do arbítrio. É ato prenhe de covardia. É cicatriz que não fecha. É sangramento que sequer o tempo consegue estancar.

Mas tudo isso aumenta exponencialmente quando torturadores circulam livremente por aí, concedem entrevistas e põem-se à sombra do regozijo dos próprios feitos.

Havia o slogan oficial: Brasil: ame-o ou deixe-o. No entanto, uma geração maravilhosa complementou-o com o necessário: mexa-se. Num quadro em que a ditadura fazia com que a censura adentrasse cada setor de nossa sociedade (judiciário, imprensa, poder legislativo, movimento estudantil). Mexer-se, à semelhança do navegar, era preciso.

Queremos saber tudo, mas sabemos das dificuldades espalhadas pelo caminho. A tortura possuía mil tentáculos. Operava no interior de quartéis e em longíquos sítios e fazendas. E tal e qual a resistência, enveredava pelos caminhos da clandestinidade.

A catarse de que nos fala o Máximo há de ser coletiva. Vamos resgatar as memórias dos cárceres desses brasileiros que ousaram pensar diferente.

As cicatrizes não fecharão e o sangue prosseguirá jorrando, mas seguiremos um pouco mais honrados.

Às famílias dirão onde estão as ossadas de seus entes queridos. E derramaremos lágrimas tardias, mas necessárias.

Torturador bom é torturador preso.

Sei que a noção de perdão ínsita ao Cristianismo e, de resto, a todas as demais religiões, goza da áurea da imutabilidade/indiscutibilidade. Quão horrível é o sujeito que não sabe perdoar. Já disse alguém por aí, porém, que só pode perdoar aquele que tem o poder de castigar.

Percebam assim o nosso impasse. Se nos empurram goela abaixo uma anistia canhestra acompanhada do cerceamento ao direito de conhecer como morreram e onde encontram-se os restos mortais dos bravos que ousaram dizer não, ficamos para todo o sempre condenados ao ressentimento e à ignorância. É como se a tortura ea seus horrores alcançassem a perpetuidade e passassem a assombrar as gerações pretéritas, bem como as vindouras.

Urge honrar aqueles que tombaram ao peso da covardia e para tanto não basta apenas o resgate da história.

É de todo injusto e inaceitável que torturadores confessos não paguem pelos crimes que cometeram.

Há momentos que se revestem de capital importância para a construção da noção de cidadania, bem como para afirmação de sentimentos comuns que findam por lançar e afirmar os fundamentos do caráter de um povo e não há, creiam, nada mais vergonhoso do que desonrar os que lutaram por nós.

De resto, há que se afastar, por inteiro, os argumentos tendentes a amenizar a importância da ditadura, as suas práticas e os seus efeitos, haja vista que utilizou todo o aparato bélico e logístico dos 3 segmentos de nossas forças armadas. Torturou e ceifou vidas em quantidade que jamais será de todo esclarecida.

Vigorava à época a Constituição de l946 que, democrática, garantia a eleição direta para todos os cargos e o pluripartidarismo. Assim, havia uma considerável liberdade partidária com livre circulação de ideias e tendências.

Não houve, assim, qualquer abalo ou ameaça ao estado democrático de direito, aos poderes legal e legitimamente constituídos, ou à separação dos poderes. Nada, absolutamente nada, explicava ou justificava o golpe de 31 de março.

Na realidade, ela pôs-se a reboque dos ditames da guerra fria. A Revolução Cubana de 1959 abrira um flanco importantíssimo na América Latina e temia-se o seu espraiamento por toda a região.

Na insana disputa por zonas de influência, a ditadura assegurou nosso alinhamento aos interesses americanos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário