Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ
A criação de meios e recursos que propiciassem a todos a defesa de suas garantias fundamentais remonta à necessidade de delimitar as funções do Estado, fixando suas atribuições e protegendo os indivíduos de indevidas e desnecessárias ingerências do aparato estatal.
Os diferentes ordenamentos jurídicos ora são detalhistas, ora formalistas, ora exageram, ora descem ás minúcias e eventualmente fixam apenas os princípios que deverão nortear a conduta do aplicador do Direito.
Cabe asseverar que a Constituição Federal de 1988 vem à luz quando a ditadura militar a pouco retirara-se de cena (1985). Assim, com os olhos postos no enorme cipoal de abusos e desrespeitos cometidos ao longo do regime de exceção, nossa Carta Magna foi consideravelmente pródiga na elaboração de toda a sorte de garantia.
Ressaltemos, desde já, que por mais pormenorizado e eivado de garantismo, ordenamento jurídico algum possui o condão de evitar a instauração de regimes que se estribem no uso da força. Percebam que por ocasião do Golpe de 1964 vigorava a Constituição de 1946 de índole marcadamente democrática.
No plano da realidade, um ordenamento jurídico prenhe de garantias fundamentais que, claro, tem por escopo a defesa do indivíduo e a viabilização do Estado Democrático de Direito é de todo inútil e inservível diante de regimes instaurados pelo uso da força apenas.
Por outro lado, na vigência de um Estado efetivamente democrático todo o garantismo que se move no sentido de proteger o indivíduo da indevida ingerência do Estado finda por transformar-se em um amplo cobertor a abrigar toda sorte de absurdo.
Tenha-se em conta o conhecidíssimo caso do jornalista Pimenta Neves.
Com espeque no princípio de presunção da inocência recorreu por longos 11 anos de uma sentença condenatória cuja materialidade do crime era de todo indiscutível. Não há evidente exagero na consideração da culpa apenas e tão somente na ocorrência do trânsito em julgado da sentença condenatória?
Não se pense que estamos a olvidar que o bem jurídico em discussão é a liberdade em toda a sua extensão. No entanto, não há qualquer óbice de ordem legal ou moral que impeça o cumprimento da pena tão logo ocorra a confirmação do julgado na segunda instância. A partir desse marco o recurso subsequente já não mais seria recebido no efeito suspensivo.
Em todos os demais ramos do Direito há a possibilidade do prosseguimento da execução ao não se conferir efeito suspensivo ao recurso.
Será que ao erigir o princípio da inocência o legislador buscou contemplar casos como o de Pimenta Neves? Decerto que não.
No entanto, o aplicador do Direito esmera-se em manter de pé o princípio como se de tal conduta restasse prestigiada a vontade do legislador. Tal rigidez interpretativa, contudo, trai o espírito legislativo.
Idêntico raciocínio aplica-se à legalidade na produção das provas.
Quanto mais elevado o cargo na hierarquia estatal, maior é a dificuldade na produção da prova. A defesa do ex-senador Demóstenes Torres estriba-se na ilegalidade das escutas telefônicas, eis que para tanto caberia antes à Polícia Federal obter autorização junto ao STF.
A escuta prova a existência do crime e, no entanto, não pode ser autorizada em Juízo, haja vista que ilegal no que atine à sua produção. E assim o ex-senador poderá jactanciar-se afirmando que sim eu fiz, você sabe que eu fiz e ainda assim nada poderá fazer.
Vez mais cabe perguntar se foi esse o intento do legislador.
As garantias materializadas no princípio da inocência e na estrita legalidade das provas cai tão bem quanto a mão à luva nos chamados regimes autoritários. Ali, porém, eles são substituídos por paus-de-arara, unhas arrancadas e outras tantas práticas de tortura.
Flexibilizar é preciso.
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