quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Grande Saldanha x Batmédici


Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



O excelente documentário “João Saldanha” mostra toda a complexidade inerente à personalidade do João sem Medo. Ex-jogador, oriundo de família abastada, comunista, técnico de futebol e torcedor fanático.

João viveu num tempo em que não vigorava ainda a máxima do “politicamente correto” a ditar ações, opções, o que falar e sobretudo o que calar.

João não admitia jogadores cabeludos, haja vista que naqueles em que as madeixas eram lisas restava prejudicada a visão. Nos usuários do famoso Black Power o prejuízo advinha do amortecimento da bola que fazia com que a cabeçada perdesse sua eficácia e categoricamente fechava o assunto: Nada contra cabeludo na hora do rebolado, mas no meu time não joga.

Por ocasião da célebre controvérsia acerca da escalação de Dario Maravilha, desejo confessado de Medici, não titubeou em afirmar que todo o brasileiro se considera técnico de futebol e que ele compreendia os anseios presidenciais, mas que não acolheria a sugestão. Ele não escalava ministros e Médici também não escalaria o seu time.

Logo a seguir foi substituído no comando da seleção por Zagallo, cuja primeira providência foi convocar o atacante Dario.

Saldanha temia o uso político que a ditadura certamente faria da seleção e seu passado de intensa militância política fazia com que a relação travada com o comando da então CBD fosse eivada de conflitos. No plano tático sua saída representou a substituição do esquema 4 – 2 – 4 (com dois pontas abertos – Jairzinho e Edu), pelo 4 – 3 – 3 de Zagalo, com Rivelino voltando pra fechar o meio pelo lado esquerdo.

Há episódios pitorescos como os tiros dados em Manga, quando o goleiro botafoguense aceitou grana de Castor de Andrade pra entregar um jogo (Botafogo x Bangu) e ainda os disparos efetuados quando um farmacêutico vendeu pilhas usadas à sua empregada.

No entanto, fui levado a falar sobre Saldanha na esteira do jogo Brasil x Venezuela pelas eliminatórias da Copa de 1970. O primeiro tempo terminara 0 x 0 e os jogadores dirigiam ao vestiário para o descanso do intervalo. Saldanha os esperava à entrada do vestiário, já fechado àquela altura. Foram então avisados que não haveria descanso, banho ou qualquer outra rotina a ser praticada no intervalo. Isolou a chave e determinou o retorno ao campo de jogo. Voltem, ganhem e com uma diferença substancial (goleada). Foi plenamente atendido.

Recordo o episódio e fico a pensar em que momento a ladainha politicamente correta passou a alardear que não havia mais bobo no futebol. Percebam que o discurso é dotado de tamanha força e eficácia que num curto lapso de tempo o que antes era uma arrematada bobagem ganhou ares de verdade absoluta e hoje circula por aí nas mesas redondas onde os acólitos seguem pautas feitas na medida dos poderosos de plantão.

Quais os interesses atendidos pela realização dos amistosos contra a África do Sul e China?

Quase vejo Saldanha a dizer: Olha, menos de 10 não toma banho e se comemorar gol nunca mais convoco.

Dizem que os amistosos miraram no resgate da credibilidade da seleção brasileira. João também pegou a seleção desacreditada. Convocou onze feras, classificou o time e como dizem atualmente deu a assistência ao Zagallo. No entanto, os tempos eram outros. Dizíamos: Jair, Tostão, Pelé e Rivelino e Calávamos Edu, Paulo Cesar Caju, Dirceu Lopes, Roberto Miranda.

Nesses tempos norteados pela ditadura do politicamente correto, João Saldanha seria a um só tempo uma pessoa fora de seu tempo/espaço e uma persona extremamente necessária.

Estranharia o jornalismo acrítico e chapa-branca que hoje se pratica amiúde. Ficaria estupefato ao constatar que profissionalismo e paixão clubística são noções mutuamente excludentes. Inquietar-se-ia ante a pasmaceira embasbacante que a todos contagia e diria que sim, o rei está nu.

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