segunda-feira, 28 de maio de 2012

Uróboro

Por Tadeu dos Santos, formado em Ciências Sociais pela UERJ



Estatura mediana, camisa de mangas compridas listrada, calça social bege e tênis preto.

Segue ensimesmado, os gestos são transloucados e trava diálogos com multidões. O andar não é reto, na realidade, vai ziguezagueando como se a cada mudança do interlocutor seguisse em direção ao que se lhe sucedia.

A dicotomia ínsita à indumentária consistente em mandar-lhe a camisa e a calça em direção aos labores do dia e por-lhe o tênis à caminhada, fazia dele um ser inteiramente estranho a todos os que naquela manhã cinzenta exercitavam-se em meio aos carros do estacionamento.

Era um passageiro tardio da nau dos loucos de que nos falava Foucault. Sim, num tempo em que  a razão cartesiana não criara ainda o seu contraponto, ou seja, a desrazão e bem antes que os ditames do capitalismo passasse a exigir aqui e ali a vigência do binômio uniformização/produtividade, o discurso dos insanos era ouvido e mais do que isso, era também dotado de ares divinais.

Este dirigia-se a todos e a nenhum e o discurso entrecortado trazia uma racionalidade datada, inexata. Respondia aos queixumes pretéritoscomo se eles ainda estivesse por vir e seu incessante zigue-zague trazia à tona os descaminhos, os atalhos e o nunca chegar típic odos que vivem à vera  (ou não).

Pensava nos diálogos travados pelos transeuntes cotidianos do estacionamento. Fala-se de futebol, de amores perdidos e achados, da vida profissional, dos filhos e netos, dos êxitos passados e pouco ou quase nada de futuro e concluía que o louco da camisa listrada não lograria achar por aqueles sítios a sua tribo.

Ele ser atemporal, ignorante das coisas pretéritas e ansioso pelas que ainda não se deram à vista, sem nada pra chamar de seu e despido de toda e qualquer ansiedade material prosseguiria circulando apressado com os mesmos gestos largos e aquele tênis preto que mal tocava o chão. Um enigma, um insano à procura de um nau que não mais atraca por esses portos.   

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