sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Pra que entrar em campo domingo?

Por 28

Outro dia fiz um trato com Deus. A principal das cláusulas rezava que tenho de ser levado aos pedaços: um dedo aqui, um calcanhar ali, em seguida a perna direita, depois, a esquerda. E assim sucessivamente, até se Deus achar conveniente - mas, isso implicaria assistência especial, o que já complica - restar a própria língua pra  falar e continuar ditando as merdas que já não poderia mais escrever.

Confesso que é o Nação que me deu um sentido.

Este é um blog sobre o Flamengo que sempre se amplia. Porque o Flamengo é tudo o que se vê, o que se sabe, o que se fala.

Minha ignorância é enciclopédica. E as pedras que joguei na cruz foram guardadas, contadas e agora cobradas pelo que resta. E aí, sem chance, se tentar ler como se tivesse todo o tempo. Procuro, ao menos, dirimir a confusão conceitual do que me é possível.

Um método conveniente se baseia em parar a leitura toda vez que estiver diante de um conceito complexo, que se ramifica em abordagens distintas, às vezes, mesmo, díspares. Essa interrupção, dependendo das sinapses, pode variar de uma semana até um ano. Enquanto isso as ideias ficam secando. E o Flamengo fatura pela terceira vez esse torneio caboclo, o da Copa Brasil, parte pro brasileiro e a vida que segue seguindo como tem de ser.

Olhando pro prego em que penduro a perna, é o tal negócio. É o caso do populismo. Dá pra frigir os ovos mais ou menos da seguinte maneira:

Ou se considera o populismo em sua origem fascista, como encaminhamento da ascenção das massas a fim de evitar o rompimento do regime da propriedade, a respeito de cujos exemplos podemos dispor dos mais notórios: italiano e alemão.

Ou se considera o populismo um avanço, porque, malgrado a inclusão que permite, permite também à esquerda avançar, ocupar posições. O líder populista, de resto,  precisa da esquerda. A crítica que se faz é que o líder populista esgotar-se-á na antinomia. Mobiliza, mas não organiza. Nem pode, pois a mediação é que lhe dá função perante as massas. Uma vez que a política de massas vire política de classe irá pro vinagre. É a análise de certa intelectualidade de esquerda, entre os quais Caio Prado, em "A Revolução Brasileira". Quando Jango tentou dar o passo já era tarde.

Sou Flamengo e foi como disse: Flamengo é o Rio,  não é o resto, cuja igreja já tem até pastor: Balduíno dos Reis de Janeiro, que outro dia aporrinhou meu interfone com seus prosélitos tentando mendigar uns trocados da Grandeza que só pode ser Rubro-Negra. Justo na hora em que o remédio fazia efeito e me dava todas as condições pra prosseguir na leitura sem os lapsos de memória que me fazem esquecer a página imediatamente anterior.



Portanto, quanto ao populismo ao qual me referira, querer fixar Lula como um líder populista é mais do que uma imprecisão de linguagem: é uma estupidez conceitual. Lula é fruto justo de um processo orgânico. Foi Delfim o primeiro a perceber o real significado de Lula. Delfim dizia que toda aquela hierarquia, toda aquela disciplina tarefeira, nunca tivera qualquer efeito sobre Lula. Indiferente, Lula nunca fora do partidão e o máximo que deste se aproximou devia-se a sua condição de sindicalista. Para Delfim, Lula era um brasileiro típico, pobre, com a esperança de dias melhores.

Não é à toa a atualidade de Gramsci. O Estado ampliado do italiano deixou de ser gerente do capital e agora é um espaço de disputa também aberto aos trabalhadores. Lula conseguiu magistralmente mitigá-lo. Bolsa família; crédito popular; minha casa, minha vida: renda, consumo, propriedade. A generalização lenta de hegemonia de uma classe média brasileira.

Estou convencido de que, a exemplo de Getúlio, cuja dimensão transcende a bitola acanhada de um reles líder populista latino-americano, Lula também exigirá estudos mais aprofundados de decifração de seu enigma. 

Uma vez Flamengo sempre Flamengo. 

Diz aí, meu irmão: pra que entrar em campo domingo?

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