Por Jackson Muniz Freire
Caro Máximo:
Quanto mais eu leio, maior é o cuidado que começo a ter com as palavras. As palavras nunca foram ingênuas, mas no cotidiano não oferecem muito risco: são como um mergulho numa piscina. Agora, quando andam com a história, em meio a teorias, métodos, nos colocam à beira de um precipício: qualquer deslize, um abraço.
O que é ser Rubro-Negro?
Uma pergunta cuja resposta, quando a minha ignorância era ainda pior, eu respondia de primeira. Era um essencialismo com caráter quase biologicista. É óbvio que há algo de degeneração genética no fato de se ser tricolor, vascaíno ou botafoguense. Mas, ainda estou sem disposição para esse tipo de leitura, do contrário acabaria como o Antônio Magri, eletricista e ministro do trabalho do governo Collor, ao ser perguntado se costumava ler:
"Ler muito confunde as ideias."
Magri poderia, de resto, ser o orientador de nosso grupo de estudos marxista de botequim em frente à UERJ. Diante de tantas linhas e correntes, o eletricista certamente nos recomendaria que escolhêssemos apenas uma, a mais simples, de fácil digestão.
Talvez o mais importante seja investigar o que nos leva a nos reconhecermos como Rubro-Negros. O que há no Manto Sagrado?
Somos de um tempo de uma figura hoje mítica: Geraldo, assobiador. Negro rebelde, na linha do PC Caju, Geraldo morreu, aos 22 anos, numa operação de amígdalas, em 1976. Subiu junto com o Zico e ambos foram campeões cariocas de 74, título ao qual você fez referência outro dia. A jogada que o Zidane consagrou já era lugar comum com Geraldo, que, além do francês, ainda imprimia a sua caminhada sobre a bola um gesto de desdém como se soubesse superior. O cara, porém, irritava. Em seu último ano de vida, a torcida já não o suportava e não esperava sequer o intervalo pra pedir a sua substituição pelo Tadeu, um bom apoiador vindo do América.
Nessa retrospectiva de uma memória que me ficou percebo a força da representação. A narrativa que faço é a própria evidência que cancela a pergunta "O que é ser Rubro-Negro?" e instaura a necessidade de investigar as fontes do meu sentimento de pertencer á "comunidade imaginada" Rubro-Negra. Segundo Benedict Anderson, "comunidade imaginada" nada tem de artificial, uma vez que basta que nos identifiquemos. Se assim nos sentimos, assim, portanto, é.
Mas, será o Flamengo, de fato, uma "comunidade imaginada"?
Acredito que sim pela análise comparada com o uso da expressão na História Política. O que é uma Nação, segundo o conceito de "comunidades imaginadas' de Benedict Anderson? trata-se de um aglomerado de significados compartilhados, independente de classes, etnias, religião, etc, que permite que um agrupamento humano consiga se comunicar e se entender a respeito da questão nacional, da condição de pertencer a uma determinada cultura, praticada num determinado território, sob controle de um determinado Estado. Isso, em outras palvras, não é a definição do Flamengo?
Assim também o mito Zico. O que faz do Galo de Quintino um símbolo de unidade de tamanha comunidade imaginada, uma massa de 40 milhões que se reconhece como tal?
Penso que talvez seja a nossa representação não só em sua própria trajetória pessoal, combinando talento e superação, mas também no futebol que imprimira àquele time campeão de tudo, em que gozávamos a festa, que só pode vir do prazer estético classificado como "futebol-arte", com o apelo à raça, que expressa a crença desses milhões de brasileiros no trabalho como meio de mobilidade social.
O que acha? Ou a porção de moela passou do ponto na soda cáustica?
O que é ser Rubro-Negro?
Uma pergunta cuja resposta, quando a minha ignorância era ainda pior, eu respondia de primeira. Era um essencialismo com caráter quase biologicista. É óbvio que há algo de degeneração genética no fato de se ser tricolor, vascaíno ou botafoguense. Mas, ainda estou sem disposição para esse tipo de leitura, do contrário acabaria como o Antônio Magri, eletricista e ministro do trabalho do governo Collor, ao ser perguntado se costumava ler:
"Ler muito confunde as ideias."
Magri poderia, de resto, ser o orientador de nosso grupo de estudos marxista de botequim em frente à UERJ. Diante de tantas linhas e correntes, o eletricista certamente nos recomendaria que escolhêssemos apenas uma, a mais simples, de fácil digestão.
Talvez o mais importante seja investigar o que nos leva a nos reconhecermos como Rubro-Negros. O que há no Manto Sagrado?
Somos de um tempo de uma figura hoje mítica: Geraldo, assobiador. Negro rebelde, na linha do PC Caju, Geraldo morreu, aos 22 anos, numa operação de amígdalas, em 1976. Subiu junto com o Zico e ambos foram campeões cariocas de 74, título ao qual você fez referência outro dia. A jogada que o Zidane consagrou já era lugar comum com Geraldo, que, além do francês, ainda imprimia a sua caminhada sobre a bola um gesto de desdém como se soubesse superior. O cara, porém, irritava. Em seu último ano de vida, a torcida já não o suportava e não esperava sequer o intervalo pra pedir a sua substituição pelo Tadeu, um bom apoiador vindo do América.
Nessa retrospectiva de uma memória que me ficou percebo a força da representação. A narrativa que faço é a própria evidência que cancela a pergunta "O que é ser Rubro-Negro?" e instaura a necessidade de investigar as fontes do meu sentimento de pertencer á "comunidade imaginada" Rubro-Negra. Segundo Benedict Anderson, "comunidade imaginada" nada tem de artificial, uma vez que basta que nos identifiquemos. Se assim nos sentimos, assim, portanto, é.
Mas, será o Flamengo, de fato, uma "comunidade imaginada"?
Acredito que sim pela análise comparada com o uso da expressão na História Política. O que é uma Nação, segundo o conceito de "comunidades imaginadas' de Benedict Anderson? trata-se de um aglomerado de significados compartilhados, independente de classes, etnias, religião, etc, que permite que um agrupamento humano consiga se comunicar e se entender a respeito da questão nacional, da condição de pertencer a uma determinada cultura, praticada num determinado território, sob controle de um determinado Estado. Isso, em outras palvras, não é a definição do Flamengo?
Assim também o mito Zico. O que faz do Galo de Quintino um símbolo de unidade de tamanha comunidade imaginada, uma massa de 40 milhões que se reconhece como tal?
Penso que talvez seja a nossa representação não só em sua própria trajetória pessoal, combinando talento e superação, mas também no futebol que imprimira àquele time campeão de tudo, em que gozávamos a festa, que só pode vir do prazer estético classificado como "futebol-arte", com o apelo à raça, que expressa a crença desses milhões de brasileiros no trabalho como meio de mobilidade social.
O que acha? Ou a porção de moela passou do ponto na soda cáustica?
SRN
JMF
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