Por Tadeu dos Santos
Ao nascermos há já uma miríade de armadilhas nos aguardando.
Você será compelido a optar por uma religião. Sua família é religiosa, seus professores e amigos também. E assim todos os seus referenciais serão erigidos tendo por norte os dogmas inerentes a toda e qualquer religião.
Ela definirá os contornos de sua personalidade, os seus quereres, os rumos de sua vida e até mesmo sua visão da morte. Será uma influência diuturna a fornecer as respostas para todas as questões que lhe surgirem pelo caminho.
Ainda que um dia você adira a uma ideologia que afirma que a religião é uma venda que nos lançam aos olhos a impedir a visão do tanto que há de essencial, haverás de evocar o “princípio da individualização das coisas”, a saber “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa” e dizer:
- Ora, bem sabes que religião é uma coisa e Deus é outra. Não me venhas com truísmos e não mistures o imisturável.
Outra arapuca pronta a fechar-se tão logo ponhas o pé em seu interior é o nacionalismo. Com espeque na oposição do “nós e os outros”, cresceremos firmemente convencidos de que, é óbvio, somos melhores do que os demais. Nossa música é a melhor do mundo, somos criativos, temos molejo e as nossas mulheres... Ah! As nossas mulheres...
E a noção de contrários, claro, vem acompanhada de toda a sorte de estereótipos. E assim alguns povos são cruéis: Árabes, Mexicanos. Outros tantos não são afeitos à democracia: Russos. A pecha de desonestos recai, exemplificativamente, sobre os Turcos (pergunte a qualquer Grego ou Italiano) Argentinos (é o que dizem os Uruguaios).
Mas não só de preconceitos e estereótipos vive o nacionalismo. Ele também se alimenta do ódio recíproco e entranhado. Daqueles que nem mesmo o passar do tempo tem o poder de amainar. É o que se passa entre Argentinos e Ingleses, Poloneses e Russos, Chineses e Japoneses, Palestinos e Israelenses, dentre tantos outros.
Confesso que jamais pus as vestimentas da armadilha religiosa, mas claudico no que tange ao nacionalismo. Fujo, tanto quanto posso, das armadilhas; mas sou fustigado e tentado por elas incessantemente e a vigilância que se faz necessária é, confesso, bastante cansativa.
A vitória da judoca Sara Menezes é um evento limite.
Impressionava a autoconfiança que ela trazia no semblante. A cabeça erguida o tempo todo como a dizer que bem sabia que por aqui atleta que não seja jogador de futebol, precisa construir o pódio com as próprias mãos.
E a adversária, a Romena, era, na ocasião, a campeão olímpica.
Sara é do Piauí. Terra prenhe de latifundiários e miséria à farta. Traz, pois, em seu DNA, a coragem e um incomum senso de sobrevivência.
Nascida num país que tem o 6º maior PIB do mundo, a 5ª maior extensão territorial do planeta (8.514.877 km²) e uma delegação olímpica pífia, faz-se, em consequência, depositária de todos os mitos.
É verdade. Somos todos Sísifos a subir com a pedra apeada às costas, ainda que o castigo divino, quiçá a gravidade, a devolva incessante ao pé do morro. Somos todos Prometeus a esquecer o fígado comido na véspera e lançar-se à resistência já no dia seguinte.
Sim! Sara Menezes é uma figura mitológica. Tinha sangue nos olhos e ainda que selados os lábios indagava à Romena:
- Quem disse que essa medalha é tua?