quinta-feira, 16 de agosto de 2012

"Noventa Milhões em Ação..."

Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito, pela UERJ



Não há como deixar de falar sobre os caminhos que permitem o feliz encontro do cinema com o futebol. Ambos privilegiam sobremaneira a estética do movimento. Miram ainda que de diferentes ângulos, no lúdico, na fantasia.  

"Pra Frente Brasil" é um filme de 1982, a direção é de Roberto Farias. Trata-se, em apertadas linhas, da conquista do tricampeonato em 1970. O pano de fundo é a dura repressão ocorrida nos porões da Ditadura instaurada no país em 1964. Aponta claro, para o uso político que se fez daquela conquista. Vivíamos o milagre econômico e vicejava por aqui o mais escandaloso dos ufanismos. Brasil, ame-o ou deixe-o era a alternativa dicotômica deixada aos que ousavam discordar.

"O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias", é de 2006, a direção é de Cao Hamburger.
Também aqui se retrata a conquista do tricampeonato no México. Desta feita, porém, tem-se a perspectiva de um menino que afastado dos pais (capturados pelas forças repressivas), conhece seu primeiro amor, encanta-se com o futebol e desfruta da amizade do amigo de seu falecido avô. São belíssimos os desempenhos de Michel Joelsas (Mauro, o menino) e de Germano Haiut (o vizinho de seu avô).   

O viés político, sobretudo no primeiro filme ("Pra Frente Brasil"), tem o condão de ditar os contornos de ambos os filmes. Nada contra. Afinal reconhecemos que política e futebol mantêm uma relação umbilical, ainda que um tanto quanto promíscua. Nos dias que seguem mais do que uma preferência por este ou aquele jogador, o que se tem na realidade é uma opção política por uma dada concepção de se praticar o futebol. Nunca antes na história deste país o “Ordem e Progresso”, de corte nitidamente positivista, estiveram tão atrelados aos ideais informadores de nosso escrete. E como isso é triste, não?

Retomemos, porém.

A Inglaterra venceu a Copa de 1966. Pois por lá realizaram o belo “A Bola da Vez” (Reino Unido, 2006, direção de Paul Weiland). Vê-se no filme o entrelaçamento entre os problemas da dita vida privada (uma família judia em vias de comemorar o Bar Mitzvah de seu filho – que finda por coincidir com a final da copa – os problemas financeiros da família e a distância dos pais) – e o sucesso da Inglaterra na Copa.

A Alemanha saiu-se vencedora nas copas de 1954, 1974 e 1990. "O Milagre de Berna" (Das Wunder Von Bern), de 2003, direção de Sönke Wortmann, cuida da conquista de 1954. Aquela foi a Copa da Hungria de Puskas. No entanto, o filme também visto sob a ótica de um menino, fala da frieza e da tenacidade germânica. Naquele campo enlameado Rahn, seus companheiros e suas chuteiras adidas (as travas podiam ser atarraxadas) fizeram a felicidade do pequeno Matthias. Um grande filme.

Os cronistas esportivos não se cansam de afirmar que o Brasil é um celeiro de craques. É verdade e não irei aqui descer às minúcias. Não esperem, pois, um imenso rol com nossos craques de todos os tempos. Mas também sob esse aspecto é escassa a nossa produção cinematográfica.

Em "Pelé Eterno" (Brasil, 2004, direção de Aníbal Massaini), o maior jogador de todos os tempos tem sua vida retratada através de seus gols e alguns depoimentos de ex-jogadores. Ali não há qualquer liame entre futebol e problemas da vida privada. Tampouco se vê qualquer ligação entre o futebol e as nossas mazelas políticas.

É um filme com o jeitinho do Pelé, o mais suíço dos brasileiros. Pelé é o representante mor do não sei, não vi e se disserem algo em contrário, eu nego. Pelé é a personificação da isenção. Dizem que tal postura garante sua frequente presença nos eventos organizados pela Fifa. Essa mesma postura também permite que compreendamos o interminável amor nutrido pelos argentinos por Diego Maradona que, sabemos todos, em tudo se envolve, chora em público, erra e, às vezes, pede desculpas, droga-se, engorda, emagrece. Como é humano este ídolo, não? Paradoxalmente em sua homenagem erigiram uma igreja.

Já o Pelé aparta-se do Edson. Acredita que é rei e fala de si na 3ª pessoa. Só nos restou mesmo admirar o Pelé jogador. O filme segue essa trilha. Há muitos gols e pouca informação (nada, por exemplo, sobre a Ditadura). Enfim... Um Pelé clássico. Ao fim e ao cabo, a constatação: como jogava bola esse Pelé.

Em “Garrincha – A Estrela Solitária” (Brasil, 2003, direção de Milton Alencar Jr), tem-se a vida do nosso anjo torto. Mané, o último dos românticos. A fita centra-se nos problemas decorrentes do vício (alcoolismo) e de sua tumultuada vida afetiva. Peca, a meu ver, por não enquadrar todo o dilema particular do jogador com a realidade circundante. Tratando-se, contudo, de filme biográfico sai-se bem melhor do que o já comentado Pelé Eterno.

Em todos os estados brasileiros temos acirradas rivalidades: Fla-Flu, Grenal, Corinthians e Palmeiras, Cruzeiro e Atlético Mineiro etc. Eis aí mais um tópico referente ao futebol que ainda não recebeu o devido tratamento de nosso cinema.

Lembro de “O Casamento de Romeu e Julieta” (Brasil, 2005, direção de Bruno Barreto) em que dois jovens, a mocinha Palmeirense e o rapaz Corintiano, se apaixonam e enfrentam a fúria familiar (todos apaixonados pelos respectivos clubes). O filme não é bom.

"Hooligans", (2005, direção de Lexi Alexander) não é, a toda evidência, um grande filme, mas retrata o quanto pode ser traumático o acirramento da rivalidade. Ao fim tornou-se mais um ingrediente a engordar o caldo que conseguiu refrear a onda de violência que tornava a freqüência aos estádios uma aventura cercada de horrores por todos os lados.  

O futebol é jogado entre 4 linhas, mas se faz presente em cada aspecto de nosso cotidiano. Casais brigam e se reconciliam ao sabor das mais diversas rivalidades futebolísticas. Pelé já provocou uma trégua para que os litigantes pudessem vê-lo jogar. Já ouvi a história de um casal que se separou porque a mulher resolveu ir ao banheiro do Maracanã (acompanhada do marido, claro) e nesse ínterim saiu o célebre gol de Pelé, no jogo Santos x Fluminense.


 Foi com os olhos postos nessa invasão da esfera privada levada a efeito pelo futebol que se fez o excelente “À Procura de Eric” (Inglaterra, 2009, direção de Ken Loach), em que o jogador Cantona (francês) que jogou no futebol inglês torna-se o conselheiro do carteiro, também Eric.

Essa também é a trilha percorrida por “O Segredo dos Seus Olhos” (Argentina, 2009, direção de Juan José Campanella). O filme ganhou o Oscar na categoria Melhor Filme Estrangeiro. É imperdível. Rivalidades à parte, havemos de reconhecer o quanto são formidáveis os nossos hermanos.

No mais, fica o registro de que Garrinha não foi nosso único anjo-torto. Heleno de Freitas do Botafogo, Almir do Flamengo, Nei Conceição do Botafogo também o foram. E a lista não para aqui.


"Boleiros – Era Uma Vez o Futebol" (Brasil, 1998, direção de Ugo Giorgetti) é, sem sombra de dúvida, o filme que melhor coroa a relação cinema/futebol. Uma beleza de filme. Lá se vão, no entanto, 12 anos. Façamos outros (já há o Boleiros 2). Há um latifúndio a ser cultivado (no bom sentido, claro). Urge que prossigamos.

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