sexta-feira, 16 de março de 2018

"Podemos ser cínicos"

Marielle é assassinada com todas as características de execução. O carro que emparelhou fuzilou o dela matando também o motorista Anderson e deixando ferida com estilhaços a assessora. Marielle certamente mexeu com interesses que estão na base da justificativa da propaganda da intervenção. Sua execução é um ataque, pelo símbolo que encarna e pelo deboche do recado, à premissa maior do Estado democrático de direito: a dignidade da pessoa humana. 

A força que executou Marielle e Anderson tem um exato controle do simbólico. A comoção pública que se seguiu não podia deixar de ser prevista. Fez parte do cálculo. Cumpriu o objetivo. Era tão necessária quanto o cinismo do recado.

É não entender nada - o que se compreende em quem também perdeu alguém anteontem com violência - ou má fé, manipulação interesseira, revelando o esforço de diluir o tamanho do significado da execução de Marielle e Anderson. Falo do pragmatismo sempre mesquinho, realismo de fancaria, expresso na indignação de fariseu:

"Pessoas são assassinadas todo dia no Rio e não aparecem na imprensa!" O fariseu ainda usa estatística de porrinha: "é só olhar os dados!"

Não acredito em ignorância. 

A boa fé não pode enxergar na execução de Marielle e do Anderson senão o recado da certeza do poder absoluto:

"Podemos ser cínicos."

Será que o imbecil que escreve que "cidadão de bem não tem medo das Forças Armadas" não percebe, ainda que por instinto de sobrevivência, que os autores da execução da Marielle e do Anderson não só sabiam, como também queriam o resultado na comoção que obtiveram, pois não há ignorância nem erro de estratégia em assassinar uma vereadora carioca, integrante do Poder Político, Público, com a Cidade sob intervenção nas mãos de um general que o imbecil tanto adula, bajula e venera?

Como é que tem imbecil, que chegou a sentar o rabo numa carteira de universidade, que, diante da dimensão e da escala do que significa a execução de Marielle e do Anderson, consegue usar rede social e dizer que "não tem gritaria quando morre cidadão honesto, como aquele empresário que levou um tiro"? Será que um puto desse (desculpem-me) não vê o significado da ampliação da milícia, agentes do estado que começaram sob o suposto "combate ao tráfico e restauração moral da ordem pública", agora em aliança com o próprio tráfico pelas vantagens de escala internacional que significa tal negócio do qual também faz parte o lucro da venda de armas? Um puto desse não percebe que um poder dessa natureza, incontrolável, cínico, capaz de fabricar cadáveres como simples meio de recado não terá nenhuma consideração, se for conveniente e bom pros negócios, com a "moralidade do cidadão de bem" de que esse puto é um exemplo? 
Ainda bem que rede social não passa de uma bolha.



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