quarta-feira, 30 de março de 2011

"A Crítica É Como o Violão..." (última parte)

 O Nação publica hoje a última parte do texto do sociólogo Maurício Murad, criador,  em 1990, do Núcleo de Sociologia do Futebol da UERJ, um dos pioneiros do estudo acadêmico sobre o mundo da bola.

 


Por Maurício Murad

5)...novos narradores maior peso à exclusão dos negros que à dos pobres brancos.” (Soares, 1999: 128 )

Nova generalização e indevida, como toda generalização. Em meus trabalhos procuro deixar claro esta articulação. Mais uma vez sugiro a leitura do meu livro, que não foi consultado. Nesta questão, entretanto, o “novo pesquisador” se contradiz dois parágrafos adiante, quando me cita: “violência social e racial... proibido a negros e pobres... formação social dominada pelo colonialismo e pelo escravismo...” E só não foi mais explícita a contradição, porque, na pressa, esqueceu de continuar caminhando pelo meu artigo (consultado) “Futebol e violência” (Murad, 1996:89-103) e citar outras passagens como esta que trata da “popularização e democratização do futebol entre nós.... Uma violência histórica, constitutiva, formadora e fundadora da sociedade brasileira. Que o digam os índios, negros, pobres e seus descendentes de ontem e de hoje. A violência tanto social, quanto racial (e de gênero), é uma constante na estrutura da formação brasileira” ... “é a sociedade brasileira e suas estruturas básicas, que se oferecem à investigação, quando estudamos o nosso futebol”. Este o mérito de uma Sociologia do Futebol, ou então estaríamos fazendo reportagem esportiva. Trechos de meu livro (Murad, 1996) também provam como foi parcial e insuficiente o trabalho realizado: “... futebol é uma das vias de acesso para se estudar duas das constantes estruturais da vida brasileira: o preconceito racial e a exclusão social, aquele inserido nesta”.“...pobres e pretos discriminados nas primeiras décadas de nosso futebol...” “contradições sociais, étnicas,...um novo locus político...de manifestações...no futebol elitista e racista”. No parágrafo de abertura, do Capítulo Bate-Bola Temático, 2º Tempo, (op. cit., 1996:161), que antecede a apresentação dos textos-resumos, tomados como fontes em Pesquisa de Campo,  está claramente avisado: “De cada uma das pesquisas a seguir relacionadas, destacaremos apenas e tão-somente alguns aspectos, algumas referências interpretativas e não o seu conjunto. ... Nunca é demais reiterar que as referências listadas são elementos, partes de uma totalidade. Faz-se necessário, no entanto, ler os conteúdos escolhidos como parcelas de uma estrutura analítica maior (que lhes dá mais sentido e maior dinâmica), a qual está norteada, basicamente, pelos princípios expostos no Capítulo III.2...” . Erro crasso retirar os textos do contexto. E este equívoco não foi pontual, funcionou como registro de metodologia. É possível que os outros autores também questionados, tenham sido, igualmente, objetos dos mesmos enganos. Penso estarmos diante de um protótipo anacrônico da Palingenesia (Schopenhauer) estóica...

6) “Murad nesse segmento nos fala da perseguição dos árbitros em relação aos negros no espaço do jogo. ... o texto deseja ser politicamente correto ao inventar uma história de resistência ... Tais construções, sem dados empíricos...” (Soares, 1999 : 134,135).

As conclusões acima estão no corpo do artigo, imediatamente após a uma citação de minha autoria, que supostamente lhes serve de referência. Então vejamos se há legitimidade na pretensão. Meu texto selecionado tem, exatamente, dezoito linhas e não aparece uma vez sequer a palavra árbitro. Então de onde se extraiu esta primeira conclusão? Mais: meu texto está abordando uma violência social, decorrente de uma história escravagista e não uma perseguição formal, protocolar, reativa atitude dos árbitros. É a violência estrutural da formação da sociedade brasileira, entranhada em nosso cotidiano, em nossos hábitos, que o episódio simboliza e revela. “Os preconceitos têm mais raízes que os princípios “, sentenciou Maquiavel, com sabedoria. Há que se observar com mais complexidade os objetos da investigação, ou perde-se o direito à cientificidade. Pouco antes, na página 129, questiona-se, não diretamente a mim, “onde estariam os regulamentos ou leis segregadoras...”. Aqui transparece uma certa ingenuidade da pesquisa em supor que a ciência opera com realidades dadas. As metáforas do “óbvio ululante” e dos “idiotas da objetividade”, ambas cunhadas por Nelson Rodrigues e que inspiraram o artigo de DaMatta “Antropologia do óbvio” (Dossiê Futebol–USP, no. 22, 1994: 11 a 17), são interessantes sinais para todos nós pensarmos questões de fundo, de natureza epistemológica, sobre nossa função de pesquisadores. É uma obviedade a não existência de documentos oficiais da discriminação. Como tê-los num contexto pós Lei Áurea, 1888, pós Constituição de 1891, a primeira da República, segunda do Brasil e pós Código Civil (Clovis Bevilacqua e Rui Barbosa) de1916? E é aí que reside o valor da investigação sistemática, na busca das camadas subjacentes, silenciosas, emergentes, neste caso, de uma escritura ideológica. Parafraseando Freud (este em relação à Psicanálise), poder-se-ia dizer, a ciência tem que trabalhar com aquilo que é dito, mas principalmente com aquilo que não é dito. De modo contrário, estaríamos reduzidos à empiria da constatação, à uma História oficial e tecnocrática. Em que lei ou regulamento, no Brasil de hoje, está escrito, assumido publicamente, a discriminação de mulheres, de idosos, de índios, de negros, de pobres etc.? E isto não é uma obviedade ? Se não, porque teríamos mais de 2000 (dois mil ! – Jornal Estado de São Paulo, 28/03/98) grupos organizados em todo o território nacional, lutando pelos direitos dessas chamadas “minorias”. Ao tratar do surgimento do Direito Esportivo brasileiro, esclareceu Oliveira Viana, sociólogo e jurista: “Dominados pela preocupação do direito escrito e não vendo nada mais além da lei, os nossos juristas esquecem este vasto submundo do direito costumeiro do nosso povo...” (1951,vol. 1:14). Se houvesse tempo e espaço, para continuarmos por esta trilha, encontraríamos um vasto material de Sociologia Jurídica, de incomensurável valor para a compreensão agonística e antitética dos esportes, como para alguns esclarecimentos necessários a este debate. Conceitos como norma de direito e norma de cultura e a prevalência deste sobre aquele; a teoria do antijurídico de Max Mayer; a maior abrangência do fato social que a norma jurídica e o reconhecimento da existência de um direito penal peculiar aos desportos, conforme a conferência de Nelson Hungria, um dos mais respeitados professores de Direito Penal no Brasil, citada por Valed Perry, autoridade internacional em Direito Esportivo, consultor do COI - Comitê Olímpico Internacional e da FIFA, (1973:143/45). E com que tranqüilidade afirma-se o desejo de um texto (Soares, 1999:135). Quem faz este tipo de afirmação, tão subjetiva, ou tem dados comprobatórios e nesta hipótese é preciso mostrá-los, para não confundir os leitores, ou não os tem e aí se expõe a cobranças de responsabilidade...

Elementos de fundamentação empírica

Outras tantas discussões caberiam aqui, não fossem minhas limitações de espaço. Mais cinco ou seis, com certeza, como por exemplo: na página 138, relativamente à “culpa dos negros” pela derrota de 50, Soares (1999), cita Guedes para dizer que isto “não aparece em nenhum dos periódicos que consultou...”, mas, deixa de citar a mesma autora (Guedes, 1999:36), quando esta afirma que “Há uma excelente avaliação sobre o modo como se culparam os “negros” pela derrota na Copa de 1950, em Mário Filho” ( e a obra indicada é o NFB. Então, há muito mais coisas entre um trabalho e sua crítica, do que imagina uma vã sabedoria... Entre “os novos narradores” e “os novos pesquisadores”, há mais complexidade, pesquisa e trabalho realizado, do que conseguiu alcançar o olhar radical da ruptura. E para terminar, segue abaixo uma listagem de dados, produto de anos de pesquisa, que avalio como importantes, para ajudar a elucidação de pontos centrais do presente debate. O ideal seria analisá-los, mas isto há que ficar para outra oportunidade.

“Ainda garoto eu tinha medo de jogar futebol, porque vi, muitas vezes, jogador negro, lá em Bangu, apanhar em campo, só porque fazia uma falta, nem isso as vezes... meu irmão mais velho me dizia: malandro é o gato que sempre cai de pé... tu não é bom de baile? Eu era bom de baile mesmo e isso me ajudou em campo...gingava muito...sabe que eu me lembrava deles ... o tal do drible curto eu inventei imitando o miudinho, aquele tipo de samba... “ –Domingos da Guia, vídeo Núcleo /UERJ, 1995.

“Eu jogava bem, tinha ginga, tinha manha, a mesma do samba... Mestre - Sala dribla e jogador samba ... quando é craque, né ? Eu era... joguei no Cerâmica... na época era muito difícil ... eu sou crioulo, né ? Mas joguei muito e apanhei muito. Era só vacilar. Num jogo do Cerâmica com o Hadock Lobo, só porque eu fiz uma falta normal, apanhei até da polícia ... “ - Mestre Delegado (Mangueira), áudio Núcleo/UERJ, 1991.

“Pensei em me adiantar, avançar com a bola e ajudar o Prego... quem sabe a gente até empatava ... aí me lembrei que era o único preto do time... E se sofrêssemos um gol lá trás, sem eu ter voltado... a culpa vinha toda para cima de mim..”- Fausto dos Santos, A Noite, 28/7/30, RJ: 34.

“Os jogadores de cor, quando passaram a ter livre acesso no futebol oficial, em times médios inicialmente, comiam o pão que o diabo amassou ... e foi uma pena, porque entre 1912 e 17 tivemos o apogeu não oficial do futebol colored “.T. Mazzoni, caps. IV, seção CXX e V, seção CXLVIII – História do Futebol no Brasil, l950.

“O Corinthians surgiu como surgiu, porque os deserdados da época precisavam ocupar um espaço que existia e que a elite procurava negar “ ... “O Corinthians foi 1º clube paulista a ter um jogador negro – embora o preconceito proibisse a participação dele no campeonato ...” - Juca Kfoury, A Emoção Corinthians, Brasiliense, SP, 1983: 61 - referenciado não em Mário Filho, mas em Paulo Várzea e seu irmão Max Valentim, pesquisadores considerados fundamentais.

“O Vasco da Gama massificou o futebol, uma quase revolução, quando formou um time de gente modesta,vinda da segunda divisão. Isto foi o ápice, mas já estava espalhado na sociedade, com o Corinthians ( destaque ), o Bahia, Britania, no Pará, América, em Minas...” Mazzoni, op. cit. , Capítulo VI, Seção CLXV.

“Tem muita discriminação no Brasil e no futebol, só que se tentava esconder tudo pela hipocrisia... nós tivemos que lutar muito. Só perguntar aos jogadores... não isso não é segredo, apesar que ainda tem muita gente tentando esconder, tentando dizer que é tudo invenção... quem viveu e sentiu na pele é que sabe...”-Gentil Cardoso, Tim, o Estrategista, P. Zamora, Ed. Gol, RJ, 1969.

“Naquela época, nem o Pelé jogaria nos clubes ricos. Eu vi Fla-Flu, sem nenhum preto em campo”. Domingos da Guia, Folha de São Paulo, Esporte,15/01/95 : 4.

“Assim, as primeiras notícias de caráter esportivo que realmente atiçaram a curiosidade do público, foram aquelas que mostravam a discriminação social e racial nos clubes e nos times, numa época que os sindicatos já faziam as suas domingadas à base do futebol e que São Paulo era muito politizado...” - Almanaque Esportivo Olímpicus, São Paulo, 1945-46 : 291.

“Ali na região de Porto Novo, divisa do Estado do Rio com Minas Gerais, encontramos clubes de pretos e clubes de brancos, com associados, festas e atividades diferenciadas, além de times de futebol também diferenciados ... e isso ainda nos anos cinqüenta “- Flávio Cunha, A História do Futebol no Estado do Rio – Região Centro Norte e Norte, Editora Luades,1962, RJ, Volume III: 164, 165.

“... a integração de negros, mulatos e mesmo de brancos pobres aos clubes elegantes, foi pontilhada de conflitos. Em certos clubes os negros não eram aceitos de forma alguma “. Futebol de Fábrica em São Paulo, Dissertação de Mestrado, USP, 1992, SP (Fátima Martin R. F. Antunes : 24 ).

“Dia 4 de março de 1952. Tesourinha veste seu uniforme ... e pela 1ª vez um jogador negro é titular do Grêmio. ... Á Diretoria em nota oficial publicada anteontem na imprensa ... por decisão unânime, resolveu tornar insubsistente a norma que vinha sendo seguida de não incluir atleta de cor em sua representação de futebol”. S. Endler, Tesourinha, Tchê !,1984,RS: 78,79.

“A história social do futebol no R. G. do Sul revela momentos de forte segregação racial, com destaque para a existência de ligas exclusivamente formadas por atletas negros”. Gilmar Mascarenhas de Jesus, in Coletânea do VI Congresso Brasileiro de História do Esporte, Lazer e Educação Física, UGF, 1998, RJ: 110.

“...a existência de um preconceito, que por muito tempo subsistiu nos grandes clubes do futebol profissional: a proibição dos negros participarem de suas atividades. O art. 3º do novo regulamento (1942) da AADA, Associação Amália de Desportos Atléticos, das Indústrias Matarazzo, tratava dos bailes mensais e instituía até mesmo a discriminação racial entre os freqüentadores, dividindo o salão em alas para brancos e negros. A justificativa era proporcionar maior liberdade aos associados : ... b) para maior liberdade, o salão será dividido em duas partes, cabendo uma aos sócios de cor e outra aos brancos; ... e) os elementos brancos não poderão freqüentar o baile dos de cor e o mesmo para os de cor que não poderão freqüentar o salão dos brancos “. “A separação entre negros e brancos em clubes de fábricas, também parecia ocorrer em outros lugares “. (ibidem : 162,163).

“Da AMEA – Associação Metropolitana de Esportes Amadores só fará parte aquele elemento são e puro...” . ( Correio da Manhã, RJ, 8/4/1924 : 7 ).

“...os primeiros tempos, isto é, ... que se exigia o afastamento do negro, pelo menos das equipes oficialmente inscritas ... Quando se formou uma seleção brasileira, em 1921, ... não fez parte ... um negro sequer. Diziam até que o Presidente Epitácio Pessoa dera ordens expressas nesse sentido. Os jornais do Rio, em grande parte, protestaram, tendo a revista Vida Esportiva movido intensa campanha em defesa do negro atacando, também, o racismo que ainda perdurava em São Paulo”. ( Jornal do Brasil, 23/9/1965, Cad. IV Centenário : 212).

“Gente boa eu tenho um medo danado da cidade grande. Acho tudo falso, não sinto verdade e tem mais: dizem que eu sou patrimônio do clube, mas na hora h fecham as portas pro patrimônio e eu sinto que até a cor pesa nesses momentos...” (Garrincha, depoimento em áudio, 1980, Arquivo Sonoro da Rádio Jornal do Brasil).

“Quantas vezes, no Botafogo, e isto também acontece em outros clubes brasileiros, fui surpreendido por um diretor me pedindo : João, vê se dá um jeito nisto e manda esses crioulos saírem da sede. Não pode, não é ? ... não é por nada não, nosso uniforme é preto e branco, mas vamos clarear, vamos clarear...” Fluminense também era assim...Flamengo... Paulistano, que preferiu fechar sua seção de futebol a ter que aceitar pobre e preto em seu time (informação semelhante, também, em Anatol Rosenfeld : “as equipes deviam ser integradas por jovens delicados e finos” – O Futebol no Brasil, Revista Argumento, nº 4, 1973: 68 ) , o Grêmio Porto-Alegrense, o Atlético e o Coritiba, no Paraná. Em Minas ... na Bahia ... em Pernambuco ... no Ceará ... no Pará ... “ – João Saldanha ,Os Subterrâneos do Futebol, José Olympio Editora, RJ, 1980: 115, 116 e 117.

“Relatórios médicos foram feitos, sigilosamente, para a CBD. Chegaram à conclusão de que o problema brasileiro estava na alma dos jogadores, que eram muito nostálgicos, sentiam muito a falta de casa, da comida, principalmente os negros, que eram emocionalmente mais instáveis. Portanto, o time na estréia da Copa ( 1958 ) deveria ser o mais branco possível” – Nilton Santos, Minha Bola, Minha Vida, Gryphus, RJ,1998: 74.

“Que os negros se sentiam inferiores diante dos louros, na hora do vamos ver ; que os mulatos desobedeciam os sistemas táticos e não seguiam à risca a ordem dos vestiários. Era isso que se falava lá o tempo todo... até chateava a gente...” Garrincha, entrevista a TV Globo, a respeito da Copa de 1958, maio de 1982.

“Claro que tinha preconceito e durou muito ... tudo que é jogador que viveu a época sabe disso ... o Zizinho mesmo que era o Pelé de sua época e que era muito respeitado, várias vezes reclamou isso comigo. Hoje ele nem gosta de lembrar ...” – Ademir M. Menezes, depoimento em vídeo, 1994, Núcleo/UERJ.

“Durante anos eu sentia esse peso da culpa, até hoje mesmo ... é a cor pesou, sim. Sabe como é, né, preto não tinha vez e na hora de apontar o culpado ... isso sempre foi assim desde as peladas que eu jogava na rua ... “ – Barbosa, depoimento em vídeo, 1995, Núcleo/ UERJ.

“O Bahia adota a capoeira para treinar jogadores. A capoeira desenvolve um gingado tipicamente baiano que é muito útil na hora dos dribles... e resgata uma tradição histórica...”. ( Folha de São Paulo, 12/10/1997, Esporte : 4 ).

“A forma ‘abrasileirada’ de jogar futebol, mantém estreita correlação com outros usos sociais do corpo, considerados definidores dos brasileiros, como a dança, em especial o samba e todas as danças dos rituais afro - brasileiros, a capoeira, o requebrar feminino, compondo um conjunto gestual muito vasto, dentro do qual deve ser analisada”. Guedes (1998:51), citando afirmações mais ou menos parecidas, de Arno Voguel e Roberto DaMatta.

Conclusão

Há inúmeras outras referências equivalentes. Entretanto, não é possível continuar, nos limites que tenho de tempo e espaço. Reitero que esses acervos estão, como sempre estiveram, à disposição dos interessados e no próximo livro, que pretendo publicar, sobre as relações entre Cinema e Futebol, há um capítulo inteiro tratando da questão do negro. Mas, desde já, acredito ser possível concluir, com isenção, que não se inventou uma história de discriminação e resistência e muito menos uma receita a da capoeira e do samba, como base do futebol brasileiro.  Do contrário, teremos que abrir espaço e incluir Soares, pelo menos em parte, no grupo de “novos narradores” , pois em sua dissertação de mestrado Malandragem no Gramado : o declínio de uma identidade, Universidade Gama Filho, dezembro de 1990, se lê à pag. 88 : “Assim, o futebol no Brasil foi apropriado pelas camadas populares que o elevaram a um dos símbolos de identidade, formando com o samba e o carnaval a identidade do Rio de Janeiro, do carioca. O “esporte bretão” , trazido para o Brasil por e para as elites, foi rapidamente apropriado pelas demais classes sociais, ... . Por esta razão, no Brasil, no campo das elaborações sobre a cultura popular, postula-se uma relação que está sempre presente entre o futebol, o samba e a malandragem, elementos que constituem um eixo de construção da identidade popular ( do carioca ) e, por extensão, brasileira”. Na  pag. 90, está escrito : “O malandro constrói sua fama pela habilidade que possui em reverter as situações adversas ; este talento é desenvolvido naturalmente, na improvisada vida de rua, da mesma forma que o “jogador malandro” desenvolve suas habilidades para o futebol”.

Criticar é uma delicada corda-bamba: pode rimar com respeitar, ou com desrespeitar as contribuições de cada um. A realização destas, é sempre muito difícil e trabalhosa, principalmente quando se trata de tema, ainda, tão cercado de preconceito na academia, como o futebol. Nós todos sabemos disso. Não é o direto à crítica que se questiona, mas o tom empregado. Fiquemos, então, com a primeira rima, (criticar/respeitar) rima rica para todos, autores e leitores. Não é defensivismo, é defesa – legal, legítima e ética, perante um certo ofensivismo. Ou se preferirem, a aplicação da 3ª Lei de Newton - ação e reação. Firmeza e serenidade são sinais do bom combate. Vamos em frente. Já são muitas as dificuldades para os trabalhadores intelectuais no Brasil. Não inventemos outras. E quando for inadiável a crítica (porque sempre haverá diferentes leituras), que ela seja realizada. Mas que seja com o princípio que Tácito preconizou em relação à História, no início dos Anais: sine ira et studio ( sem ódio nem parcialidade.

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[1] Coordenador do Núcleo de Sociologia do Futebol, do Depto. de Ciências Sociais da UERJ.
[1] Ver p. 166, nota de rodapé.
[1] Mário é o primeiro a levantar a tri-hipótese da popularidade do Flamengo, em ter a maior torcida do país: pobres, negros e mestiços no plantel, após longa resistência; a transmissão radiofônica para todo o pais (só o Rio de Janeiro transmitia por ser a capital da República), de dois tri-campeonatos 42, 43 e 44 e 53, 54 e 55 e, finalmente, os treinamentos em campo aberto, novidade que ocasionava o contato direto com os torcedores.


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