Por Máximo
Este é um blog sobre o Flamengo. A partir do Flamengo tudo é possível porque estamos diante de um "fato social total". Portanto, nada mais oportuno do que reproduzir um artigo do Professor Maurício Murad, um dos pioneiros do estudo do futebol como objeto acadêmico.
Aliás, foi o próprio Professor quem me enviou seu texto - o que me honra muito.
O Núcleo de Sociologia de Futebol da UERJ, montado em 1990 pelo Professor Murad, foi o primeiro esforço relevante da Nova História no Brasil. Outros estudos sobre novos objetos e fragmentação identitária, evidentemente, já vinham sendo desenvolvidos desde há muito, desde a década de 70, justamente quando essa nova forma de fazer história havia alcançado plena maturidade na Europa (onde, de resto, em meados dos setenta, já surgiram núcleos de estudo sobre a especificidade e o papel do esporte na sociedade contemporânea).
Murad, num esforço admirável, parte do zero e seu trabalho me é muito caro pelo fato de tratar de um objeto não só "novo", por excelência, mas, sobretudo, depreciado, tratado pejorativamente em qualquer face do espectro intelectual e político. Para os intelectuais "sofisticados", o futebol era um assunto menor; para a esquerda, uma alienação que desviava a energia revolucionária. A história material de constituição do Núcleo revelou-se desde o esforço mais prosaico, como conseguir dinheiro pra cadernos de fichamento, até a organização de uma bibliografia razoável e de uma iconografia que, percebida corretamente, passaria a ser valorizada como fonte não só na história, mas também na sociologia.
Murad, num esforço admirável, parte do zero e seu trabalho me é muito caro pelo fato de tratar de um objeto não só "novo", por excelência, mas, sobretudo, depreciado, tratado pejorativamente em qualquer face do espectro intelectual e político. Para os intelectuais "sofisticados", o futebol era um assunto menor; para a esquerda, uma alienação que desviava a energia revolucionária. A história material de constituição do Núcleo revelou-se desde o esforço mais prosaico, como conseguir dinheiro pra cadernos de fichamento, até a organização de uma bibliografia razoável e de uma iconografia que, percebida corretamente, passaria a ser valorizada como fonte não só na história, mas também na sociologia.
Mas, chega de chorumela, como diria meu amigo 28, e vamos ao que interessa:
SRN
"A crítica é como o violão : um instrumento muito fácil de se tocar mal e muito difícil de se tocar bem."
Parafraseando Billy Blanco.
Por Maurício Murad
Introdução
Inúmeras são as questões que gostaria de abordar, concernentes ao artigo assinado por Antonio Jorge Soares – e este declara – com a ajuda de Hugo Lovisolo,[1] publicado no nº anterior (23/1999) desta revista. Questões epistemológicas, teóricas, metodológicas, técnicas, ideológicas. O espaço, entretanto, só permite um resumo dessas idéias, que penso, talvez, publicá-las integralmente.
O Negro no Futebol Brasileiro (NFB) (1947/Pongetti; 1964/Civilização Brasileira; l994/ Firmo), de Mário Filho é um clássico no exato sentido do termo, aplaudido por inúmeros pensadores da vida brasileira, dentro e fora dos campi. Gilberto Freyre, Câmara Cascudo, Edison Carneiro, Marcos Carneiro de Mendonça, Thomaz Mazzoni, José Lins do Rego, Milton Pedrosa, Fernando de Azevedo, João Saldanha, João Máximo, Edilberto Coutinho, Florestan Fernandes, Anatol Rosenfeld, José Sebastião Witter, Roberto Moura e tantos outros pesquisadores fundamentais. O autor pesquisou durante mais de cinco anos para a primeira edição e continuou num certo sentido, por mais dezessete para a segunda, revista e ampliada. Mais do que um livro (básico) de Sociologia do Futebol, é uma importante contribuição à Sociologia brasileira, para alguns tendo relevância próxima àquela d’Os Sertões, de Euclides da Cunha, ou Casa Grande e Senzala, para o entendimento de nossas estruturas básicas. O próprio Gilberto Freyre, citando, também, A. Ramos (Introdução à Antropologia Brasileira) e Roquette-Pinto (Rondonia), assim o considerava – depoimento de Freyre ao Arquivo do Instituto Joaquim Nabuco, Recife, áudio doado por Edilberto Coutinho, l977, incluindo os fecundos e elogiosos comentários de Florestan Fernandes ao NFB e seu autor.
O Núcleo de Sociologia do Futebol da UERJ tem disponível toda essa comprovação documental, além de significativa parcela dos arquivos de José Lins (que apresentou Mário a Gilberto), Thomaz Mazzoni, Mário Filho, Marcos Carneiro de Mendonça, além de depoimentos gravados em áudio e vídeo (cerca de 32 horas, incluindo parte do arquivo sonoro da Rádio JB ), com jogadores, jornalistas e dirigentes dos anos 30 (Domingo, Leônidas, Zezé), anos 40 e 50 (Barbosa, Flávio Costa, Zizinho, Jair, Ademir), 60 e 70 (Didi, Nilton Santos, Pelé, Garrincha, Pompéia, Orlando Baptista, Luís Mendes, Agatirno, João Havelange, PC Caju, Jairzinho) e mais pra cá: Júnior Baiano, Iranildo, Lúcio, Romário Amaral, Odvan, etc. como, também, mais de trezentas cópias (307, exatamente) de documentos, revistas esportivas e jornais de época falando sobre as relações sócio-raciais no interior do futebol brasileiro. São eloqüentes depoimentos dos agentes sociais envolvidos, personagens históricos das ações e conjunturas observadas. Com base (não somente) neste manancial, citado apenas em parte, é que realizo meus estudos e pesquisas sobre a participação do negro em nosso esporte-rei. Há 20 anos mais ou menos acumulo esses acervos e há 10 de modo sistemático, quase cotidiano. Por isso li com alguma surpresa, o artigo de Antonio Jorge Soares no último número desta revista. Com preocupante tranqüilidade, critica-se um campo de trabalho razoavelmente consolidado, já faz algum tempo. Em todo o artigo, questiona-se a autoridade, as fontes e a consistência de quem pesquisou a temática do negro no futebol brasileiro, como se a fonte de todos (equivocadamente e de modo indevido para a pesquisa científica, tomados em bloco) fosse exclusivamente Mário Filho e, mais grave, com se Mário fosse só O Negro no Futebol Brasileiro.
Se ele foi e ainda é uma referência (inclusive para os “novos pesquisadores”, como Soares) é tão somente porque é um clássico. Foram quarenta anos de militância de Mário Filho nos esportes em geral e no futebol em particular, desde a histórica a entrevista com Marcos Carneiro de Mendonça, em 1927, até sua morte em l966. Colunas esportivas nos jornais A Manhã, Crítica, O Globo, Jornal dos Sports, revista Manchete. Livros como A Copa Rio Branco de 32 (1943, José Lins do Rego fez o prefácio), Histórias do Flamengo (l946)[1], o Romance do Futebol (1949) etc. Trabalhou e muito com seu irmão Milton, na pioneira atividade dos cine-jornais, no famoso “Esporte em Marcha”, uma espécie de antecessor do definitivo Canal 100, de Carlinhos Niemeyer, em linguagem e temática, além da sofisticação de imagens, aliás imprescindíveis para aquilo que estamos debatendo aqui. Imagens que não foram citadas e, tudo indica, nem pesquisadas. Em 1947, portanto, quando da primeira edição do NFB, 20 anos já haviam se passado e Mário Filho já havia produzido muito, acumulado experiência e amadurecido seu assunto preferido e sempre revisitado: as relações sócio-raciais no futebol brasileiro. Florestan Fernandes, no áudio acima referido, fala da obsessividade de Mário em conferir tudo antes de escrever.
A crítica é livre, necessária e estimulante, mas há que ser acompanhada pela ética acadêmica e respeito pessoal, ou tudo pode desandar. A meu juízo, um pouco mais de leitura e mais complexidade, teriam evitado tantos deslizes. Não teria sido mais fecundo reexaminar Mário e o NFB, no interior de seu zeitgeist? Por que houve, poder-se-ia dizer, a opção metodológica, por um certo etnocentrismo acadêmico? Se a verdade não é em Mário definitiva, como não o é em nenhum de nós, porque será em Soares? Um pouco mais de leitura e complexidade, teriam evitado deslizes, também, em relação a nós. No meu caso particular, em verdade, foram tomados como base de consultas, dois e não três resumos de pesquisas, como está na bibliografia. O do Congresso Mundial de Educação Física, 1997, é o mesmo de Pesquisa de Campo, no. zero, um pouco mais ampliado, um pouco mais circunstanciado em suas categorizações. Isto poderia explicar o porquê da inclusão de mais uma fonte, bem como sua serventia, para o desenvolvimento do texto. No entanto, a periodização eleita e citada no artigo, é justamente a outra que, por razões de espaço, é mais esquemática e simples. Pior: meu livro, bem mais completo e fundamentado, no qual indico inúmeras fontes documentais, explicando a periodização, por exemplo, com seus critérios teóricos e cortes metodológicos, sequer foi comentado. Meu trabalho foi editado com parcialidade. Por que? Da periodização que foi utilizada (Soares, 1999:140,141) para a outra, constante da bibliografia, há uma diferença de exatos nove itens explicativos, que excluídos, é óbvio, modificam as conclusões, inclusive no que concerne à noção de “rebranqueamento”, entre aspas, a qual não faz parte do texto amplificado. Trechos excluídos, sem nenhuma explicação e/ou justificativa, além do esquecimento das razões (isto está no livro) que me levaram a elaborar uma periodização (pedido dos alunos, apenas como ponto de partida, para que a mesma pudesse funcionar como referencial da segunda unidade do meu curso Sociologia do Futebol), embora reconhecesse, previamente, os riscos de simplificação de todo método de periodizar, nunca taxativos e sempre passíveis de questionamentos.
(continua)
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