domingo, 12 de dezembro de 2010

Não Precisa Explicar

Por Renato Lopes

Na segunda metade do século XIX um naturalista inglês, chamado Charles Darwin, partiu num tour cientifico pela América do Sul, passou pelas Ilhas Galápagos e depois de muito observar a natureza, sua fauna e flora, elaborou a Teoria da Evolução (ok, sei que foi muito mais do que isso, é só uma forma breve e grosseira até, para expressar onde quero chegar). Escandalizou o mundo ao afirmar que homens e primatas tinham um ancestral em comum (o não menos famoso “elo perdido”), deu uma afastadinha de Deus nas questões concernentes a vida e seus desdobramentos, teve suas palavras destorcidas, principalmente por um tal Herbert Spencer que tentou usar um outro equivoco, O Darwinismo Social, para explicar a sociedade como é, dotada de igualdades e desigualdades, tendo como mote a teoria da evolução, onde só os mais fortes sobrevivem. Mas Spencer, talvez por estar muito inebriado com as suas idéias (ou seria falta delas), nem se deu ao trabalho de perceber que existem numa sociedade  relações materiais, uma estrutura, uma superestrutura, uma síntese, embalados na dialética, ou seja, não é linear, é interativo. Um principio que aliás, se bem observado está muito bem escrito, não com as palavras habituais, nas idéias de Darwin. Ele sempre levou em conta a interação e as propriedades dos seres vivos, capacidade de se desenvolver melhor em um ambiente do que em outro, a disputa que há entre seres de uma mesma espécie e de outras, o embate nunca será só entre espécies diferentes como uma necessidade sempre de sobrepujar a outra. Darwinismo não é historicismo, não se trata de se sobrepor em linha reta, o próprio Darwin assumia isso. Logo, a sociedade não é linear, afinal ela é parte do processo histórico. Spencer só faltou dizer com todas as letras que não há lutas de classes. E fez pior: aumentou o racismo e o preconceito contra todos os povos, logicamente não europeus, e trouxe de volta as tabulas rasas dos pensadores menores, aquele tipo ideal tão pensando por um certo Marx Weber. Mas, o papo não é bem esse. É futebol, em muitos casos puro darwinismo.

Vamos até a copa de 1986. Um argentino, com pouco menos de 1,70, penetra na zaga da seleção inglesa, ergue a “mão de Deus”, ajeita o tesouro dos céus (vulgo bola de futebol), e marca um senhor gol. Os ingleses até hoje o tem entalado na garganta. Talvez no dia que eles tiverem muito mais do que um simples Rooney, provocarão uma sensação dessas em outra seleção.

Avancemos mais um pouco. Na copa de 1994, um outro baixinho, dessa vez jogando pela seleção brasileira, está entre os gigantes nórdicos da seleção sueca. Recebe o cruzamento de outro baixinho, ele nem sequer pula, não é bem um titã para se erguer entre meros mortais, não precisa, ele só dá um “quique” pula, cabeceia e marca um gol, que posteriormente se revelou a chave para o nosso burocrático tetra campeonato.

Dois momentos distintos, duas copas, dois jogadores, Maradona e Romário, dois politicamente incorretos, dois algozes quando o assunto é as quatro linhas. Dois caras se opondo a tudo considerado o mais adverso em suas condições de jogadores, e mesmo assim fazendo bem o seu trabalho. Por que?

Um cara de quase dois metros, pode se adaptar menos aquele gramado do que um baixinho de um metro e sessenta a pouco? Será que nesse mato a girafa do pescoço grande tem mais dificuldade em dobra-lo até o chão para pegar o capim, coisa que a girafa menor faz de forma mais corriqueira? O uniforme da seleção argentina é azul, não verde, em mimetismo com o campo Maradona não entrou, então ele estava visível a todos. Qual a medida da boa adaptação do nanico portenho em comparação aos gigantes anglo saxões? Pois segunda consta nos “autos”, eles são de estirpe mais nobre. É...basta assistir a um jogo para ver o Spencerianismo ir para o ralo. E ainda há quem defina o futebol como um instrumento alienador. Corta essa, povo. Um passo na evolução, Maradona? A troco de que? Ele só era o cara no lugar certo, na hora certa, fazendo a jogada certa Mais do que força, entre em cena a esperteza. Quem se propõe a ser superior, deveria ser o bom em tudo, afinal é o tipo ideal. Não classifico essa força, raça e vontade do Maradona como evolução, linha reta, justo com a bola nos pés (ou nas mãos), isso não existe, está mais para astúcia mesmo. Uma capacidade incrível de se adaptar aos mais diversos meios. De viver a dialética, sem ser a síntese definitiva, afinal ele precisa se reinventar.Está mais para a semente, que assume as caracteristicas do meio onde se planta. E depois disso existem os trogloditas prontos para defender a lei do mais forte

Romário não tem asas, só no sentido de abusado mesmo. E voava pelo campo. Na pequena área estava mais para abelha em volta da colméia só esperando para dar o bote. Na força nunca ninguém conseguiu segura-lo. Favorecido pela genética com uma estatura diminuta, mas compensada em outras áreas, como no oportunismo futebolístico, ganhou a capacidade de se adaptar igualmente as condições mais adversas. Seja no jogando no campo de areia do Abóbora, lá dentro do jacarezinho, ou num estádio lotado num país europeu em pleno inverno. Traz no sangue o calor dos trópicos. Não podemos considerá-lo o próximo passo da evolução, ele é só mais um astuto. Ele tem a visão, o tempo da bola, se antecipa ao gol.

Pensemos um pouco. Darwin, com a sua teoria numa mão e, como bom observador, com um binóculo na outra, assistindo atentamente os dois craques jogarem. Origem distintas, capacidades semelhantes, mas sempre com a mesma finalidade: o gol. Nenhum usou de força, só mesmo esperteza. Ao redor deles, sempre uma massa de pessoas, igualmente distintas, vivendo aquele momento, sempre conscientes de que independente do que aconteça ali não vai torná-los menos proletários, menos vitimas da mais valia. Palavras de Darwin: “Não são os mais fortes, e quem é forte por natureza nessa sociedade? São fortes providos por aquilo que lhes concede as condições materiais em que vivem e através da difusão dos meios que controlam para espalhar sua cultura de dominador. Tentam evoluir à medida que buscam minar a luta de classes, porém não o conseguem, por se tratarem de uma lei mais naturalmente observável do que todas. Se lutam para acentuar a exploração, a perseguição, o máximo que alcançam e acentuar as contradições de seu sistema, criam novas ferramentas contra eles mesmo, querem acabar com o conflito entre as classes, criando uma classe única, mas não abolindo-a. Nem o tigre que caça nas savanas quer comer todas as zebras de uma vez, ele sabe que quando acabá-las acaba seu tempo naquele ambiente, por isso eleger uma. O povo tem seu objetivo, fim da classe burguesa. A burguesia quer acabar com o pobre e acabar com as outras burguesias. Lobos de si mesmo. O pintassilgo do bico mais largo sempre busca a melhor minhoca na terra. O do bico curto está fadado a padecer mais cedo. O homem com um pouco mais de recursos tende a viver mais. O homem que abre mão de parte de seus recursos e compartilha suas idéias com o menos afortunados perpetua sua vida e aumenta a dos outros. Como isso pode ser evolutivo? O que há de linear no gesto de solidariedade? Onde estão fortes a fracos bem marcados? Spencer me deve algumas explicações. Ah esses dois baixinhos...preciso de um autografo deles. Esses sim são fortes.”

Agora vamos partir em busca dos elos perdidos de Maradona e Romário.

  

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