domingo, 20 de fevereiro de 2011

Tradição Inventada

Por Luis Carlos de Araújo Lima



Caro Cinéfilo:

História e cinema é uma combinação que ainda não deu certo. Outra que também não deu foi futebol e cinema. Talvez porque seja difícil encontrar melhor rendimento estético do que o que nos dá o próprio jogo. Na literatura, também falta um grande texto da bola. Rubem Fonseca, mestre do conto urbano carioca, volta e meia faz alguma referência, como naquele conto cuja primeira linha é a descrição de uma cusparada do Gerson na lateral do campo. Mas não passa disso, nunca fez do futebol um objeto central de quaisquer de seus contos ou romances.

A dificuldade que me parece intransponível é como conciliar aquilo que é feito para não se explicar ("O narrador não explica nada, apenas expõe": Benjamin, em "O Narrador") e o que é justo o contrário, em que a explicação chega ao ponto da tautologia, como é o caso da disciplina história. Como narrar sem ser pedagógico?


Uma pergunta cuja resposta fica mais complicada se também recorrermos a Hobsbawm. Hobsbawm é um autor de referência no estudo do futebol, com seu texto sobre as tradições inventadas:

"Tradição inventada é um conjunto de práticas e acordado ou tacitamente aceito que visa impor valores e comportamentos através da repetição. Estabelecem com o passado uma continuidade bastante artificial. Em poucas palavras, elas são reações a situações novas que ou assumem a forma de referência a situações anteriores, ou establecem seu próprio passado através da reptição quase que obrigatória".

Tradição inventada, portanto,  não é pra ser mexida. Segundo Hobsbawm, feita pra permanecer invariável, exige pompa e circunstância. 

A segunda forma à que se refere Hobsbawm - a situação nova, através de sua repetição obrigatória, formalmente invariável, a fim de se constituir em seu próprio referente - é uma invenção deliberada para virar tradição.

Organizemos um festival de guarânia paraguaia ali perto do Riocentro. Todo ano, durante cinco anos, naquela mesma data,  daquele mesmo jeito, invariável formalmente, com muita pompa e circunstância fuleiras, juntando de tudo do que há no resto do Rio, da fauna laranjeira aos de segunda de são cristóvão - façamos isso nesses próximos cinco anos naquele trecho da cidade onde se tenta inventar um carioca paulista e teremos uma legítima tradição inventada.

O futebol seria, portanto,segundo vários estudiosos que sobre ele se debruçam, a representação simbólica dos campos de tensão existentes na sociedade: infraestrutural (econômico) e superestrutural (político, religioso, estético).

Tensão social representada é dramatização. E a dramatização da tradição inventada, após o festival de guarânia paraguaia fabricado pelo resto do Rio,  de um tricolor refinado e elitista é expô-lo à expiação pública, suas idiossincrasias e frescuras reduzidas ao que, de fato, são: ridicularias de fraque e cartola de veludo, num belo estreito de território, fritando a 40 graus, entre o mar e a montanha. Nem o fraque nem a cartola resistiram e o veludo inútil foi reaproveitado, colado à sola do sapato gasto na caminhada para se distanciar da prórpia esquizofrenia: um clube de massa, mas que desta quer distãncia.

As coisas não são tais quais se passaram, caro Cinéfilo. 

Ou alguém sem rivotril com cachaça acredita em algo vindo da fauna das laranjeiras, do vizinho do pinel ou dos de segunda em frente à ebal?

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