A antipolítica nem sequer é uma estratégia
nova. Lembro-me, bem recente, do Enéas. Mas, desnecessário recorrer à
caricatura. Faz parte do próprio sistema político, com personalidades que o
encarnam reservando à vergonha o farisaísmo da justitificativa da vida que
levam. Ampliando o recorte e abandonando
a caricatura, tivemos mesmo em 89, na nossa primeira eleição direta para
presidente, após a ditadura, Fernando Collor e Lula decidindo o segundo turno.
O “caçador de marajás” era filho de senador,
neto de Ministro do Getúlio, ele próprio ex-prefeito, ex-deputado e ex-governador da periferia política, por
isso, desconhecido e apto ao super-herói midiático que vinha ao encontro do
desespero nacional decorrente das expectativas frustradas de uma Nova República
articulada para a transição democrática e que acabara em José Sarney e
hiperinflação.
Líder sindical das grandes greves do ABC, símbolo da redenção do povo no poder, fundador
do PT, ex-candidato a governador, deputado federal constituinte, Lula ainda não
havia dito - talvez por conhecê-lo há pouco por dentro - que o Congresso era
uma escória composta de trezentos picaretas, todavia, não pensava muito
diferente e estava ali, diante do invejoso Collor que não tinha um equipamento de som como o
dele, para enfrentar o sistema encarnado no engodo disfarçado de “caçador de
marajás”.
Como se vê, a antipolítica é um recurso
eficaz. O contexto hoje, aqui e no mundo, é outro, e a rejeição à política como um
espaço da ladroagem piorou a um ponto, com estímulos perigosos à disseminação
de práticas fascistas, que exige responsabilidade das lideranças e forças
políticas na busca permanente da relação sempre difícil, tensa, que não se
esgota em palavras de ordem, tampouco no facilitário oportunista da antipolítica,
entre liberdade e igualdade.
Bolsonaro é um risco não pelo eleitorado que
sempre representa, mas pela esperança que passou a encarnar. Embora nada sendo
de antipolítica, deputado que é há quase trinta anos, reflete um problema
negligenciado pelas forças progressistas por menor, caudatário, quando não
sobrevivência de um anacronismo moralista. Refiro-me à corrupção e à violência.
Não é fácil ter de reconhecer em uma
experiência política, ainda que de baixo reformismo, a corrupção como a fonte de
uma estratégia em que os meios não mereciam respeito, “instrumentos de classe”,
perante fins de hegemonia com o objetivo de “resgatar o pobre”. Gostaria de
acreditar tratar-se de uma página virada. Entretanto, a história não é mestra
da vida, e, em política, nada é garantido e está dado de uma vez por todas.
Vivemos
uma conjuntura em que a violência, sobretudo na nossa Cidade, e a
corrupção, generalizada no sistema político, exigem uma dimensão de coerção e
controle legalmente disponível no monopólio da força weberiano que se encontra
no fundamento do Estado democrático de direito da nossa Constituição Cidadã de
88. As forças progressistas têm
dificuldade com a coerção, como se o seu uso implicasse descurar as causas
sociais. Compreensível. A Revolução permanece um mito. O problema é que, na
hipótese remota de Bolsonaro presidente, ele não terá os escrúpulos que outros
tiveram, sem base política para governar, de tentar o apoio nas FFAA e na
preparação de uma recidiva ditatorial. Um risco, de fato, pois que proporcional
à esperança que incorporou e que certamente se frustará quando virem que se
trata de mais um engodo da antipolítica.
SRN