domingo, 22 de abril de 2018

A continuidade do Estado do bem-estar

Corrupção e violência fazem parte hoje da agenda do chamado "Estado do bem-estar", cuja construção vem desde 86, com a eleição (aliás, não suficientemente explicada como deveria) para a constituinte e, ao final, a própria Constituição de 88. Lula fez parte deste processo, deu a sua contribuição que hoje só se ampliaria se não insistisse na versão, lamentavelmente, encampada por Boulos, de que não entende nada quem vê na sua prisão apenas uma disputa eleitoral e não um um risco à democracia. O desmonte do projeto do Estado democrático de direito - soberania, cidadania, respeito à dignidade da pessoa humana, ao valor social do trabalho, da livre iniciativa e pluralismo político - vem bem acondicionado, embalado para presente e com cartão manuscrito onde se lê: "a Constituição não cabe mais no PIB".

O risco, que é uma possibilidade, vem de outra fonte, está na expansão de uma direita agressiva e retrógrada, pouco a pouco referência para a insegurança e o medo cotidianos dos que vivemos, por exemplo, na nossa Cidade. 

A corrupção também. Descurada, considerada resquício farisaico que frequenta a mentalidade mesquinha de classe média, vale questioná-la, impondo duvidar da tese da falta de compromisso com a moral de uma ordem que se quer superar. Certo, corruptos são a autoridade e o empresário, cúmplices. Expropriação é outra coisa, quando praticada em favor da hegemonia que libertará o povo brasileiro. 

Creio que, neste ponto, amadurecemos.

SRN


sexta-feira, 20 de abril de 2018

Invertendo a seta do tempo

O futuro não é mais o destino, como, aliás, já queriam os pós-modernos. O vídeo da Fapesp, cujo link segue abaixo, evidencia uma possibilidade em poucos minutos agradáveis de assistir. Pois muito bem:
O que caracteriza o tempo? O que o define?
Sabemos o que é o tempo, podemos senti-lo, mas falta a definição que só pode vir da física que, adrede, não se recusa.
Entropia – eis a palavra para o fenômeno verificável empiricamente, pelo nosso sentimento, em substituição às palavras que não temos. Entropia é a desorganização, o enfraquecimento, a perda da capacidade de se manter estável. A exposição dá-se em corpos cujas temperaturas sempre passam do calor para o frio, da integridade para a fragmentação. Trata-se de um fenômeno irreversível: um copo de café perde calor, esfria, não volta a esquentar. Após jogá-lo fora, desequilibramos o copo à mesa, cai e, quebrado, não volta a integrar-se a partir dos seus cacos. Entropia.
O sentido do tempo, sempre para o futuro, é explicado, portanto, pela entropia.
Ocorre que, em sistemas microscópicos, formados pelos chamados “spins’, a organização destes elementos pode alterar a passagem habitual da temperatura em contato do quente para o frio. Uma configuração determinada, nesta mesma escala, pode fazer o “spin” frio transferir sua temperatura ao “spin’ quente, invertendo, assim, a linha do tempo, sem alterar, de resto, as leis da termodinâmica.
Observa-se também, em tais condições de laboratório, os "spins" possuindo o dom da ubiquidade, estando em dois lugares ao mesmo tempo. É um problema, sobretudo, se se conseguir resolver a escala e obtidas as condições necessárias, em que, aos "spins", pudéssemos nós, humanos, substituí-los. Na seta invertida do tempo, viajando, poderíamos, com a nossa massa, ocupar dois lugares ao mesmo tempo no espaço? Aí, então, seria, de fato, uma maravilha. Do ponto-de-vista político, estaria cientificamente justificada a cara de pau.

SRN

quinta-feira, 19 de abril de 2018

Interesse público e o novo ciclo de ouro do petróleo



Um exemplo objetivo do interesse público está na exceção ao princípio da exclusividade em que o legislador, em virtude dos imprevistos da dinâmica da vida aos quais o poder público tem de atender, garante no ano civil do orçamento em execução a contratação de operações de crédito por antecipação de receita.
Reparem a dependência da qualidade, do espírito público do governante. Trata-se justo da parte que cabe ao indivíduo na história a partir das condições dadas.
Um governador pode, por exemplo, antecipar receita dando como garantia a receita futura do seu estado. Aqui, no Rio, um novo ciclo de ouro do petróleo, já se especula o recurso. Significa antecipar dinheiro vendendo o futuro mediante ágio. Isso tem de ser muito bem pensado, considerar relevância, urgência e, sobretudo, capacidade de fazer a melhor operação para o interesse público a ser traduzido em água, esgoto, políticas públicas de educação, saúde e segurança.
A atuação do Ministério Público do estado será cada vez mais bem-vinda.
SRN 

terça-feira, 17 de abril de 2018

Política pulverizada é opinião


Política pulverizada é opinião, sem os compromissos da prática vinculada a movimentos e partidos. Não se trata de quem a tem na condição de integrante, que pode, no íntimo, discordar, apresentar o que pensa se houver oportunidade, mas é só isso: a militância o espera.
Sempre releio Graciliano. E o trecho adiante está no início de Memórias do Cárcere:
“Tendo exercido vários ofícios, esqueci todos, e assim posso mover-me sem nenhum constrangimento. Não me agarram métodos, nada me força a exames vagarosos. (...). Posso andar para a direita e para a esquerda como um vagabundo, deter-me em longas paradas, saltar passagens desprovidas de interesse, passear, correr, voltar a lugares conhecidos.”
SRN



segunda-feira, 16 de abril de 2018

O engodo da antipolítica


A antipolítica nem sequer é uma estratégia nova. Lembro-me, bem recente, do Enéas. Mas, desnecessário recorrer à caricatura. Faz parte do próprio sistema político, com personalidades que o encarnam reservando à vergonha o farisaísmo da justitificativa da vida que levam.  Ampliando o recorte e abandonando a caricatura, tivemos mesmo em 89, na nossa primeira eleição direta para presidente, após a ditadura, Fernando Collor e Lula decidindo o segundo turno.

O “caçador de marajás” era filho de senador, neto de Ministro do Getúlio, ele próprio ex-prefeito, ex-deputado  e ex-governador da periferia política, por isso, desconhecido e apto ao super-herói midiático que vinha ao encontro do desespero nacional decorrente das expectativas frustradas de uma Nova República articulada para a transição democrática e que acabara em José Sarney e hiperinflação.
Líder sindical das grandes greves do ABC,  símbolo da redenção do povo no poder, fundador do PT, ex-candidato a governador, deputado federal constituinte, Lula ainda não havia dito - talvez por conhecê-lo há pouco por dentro - que o Congresso era uma escória composta de trezentos picaretas, todavia, não pensava muito diferente e estava ali, diante do invejoso Collor  que não tinha um equipamento de som como o dele, para enfrentar o sistema encarnado no engodo disfarçado de “caçador de marajás”.
Como se vê, a antipolítica é um recurso eficaz. O contexto hoje, aqui e no mundo,  é outro, e a rejeição à política como um espaço da ladroagem piorou a um ponto, com estímulos perigosos à disseminação de práticas fascistas, que exige responsabilidade das lideranças e forças políticas na busca permanente da relação sempre difícil, tensa, que não se esgota em palavras de ordem, tampouco no facilitário oportunista da antipolítica, entre liberdade e igualdade.
Bolsonaro é um risco não pelo eleitorado que sempre representa, mas pela esperança que passou a encarnar. Embora nada sendo de antipolítica, deputado que é há quase trinta anos, reflete um problema negligenciado pelas forças progressistas por menor, caudatário, quando não sobrevivência de um anacronismo moralista. Refiro-me à corrupção e à violência.

Não é fácil ter de reconhecer em uma experiência política, ainda que de baixo reformismo, a corrupção como a fonte de uma estratégia em que os meios não mereciam respeito, “instrumentos de classe”, perante fins de hegemonia com o objetivo de “resgatar o pobre”. Gostaria de acreditar tratar-se de uma página virada. Entretanto, a história não é mestra da vida, e, em política, nada é garantido e está dado de uma vez por todas.
Vivemos  uma conjuntura em que a violência, sobretudo na nossa Cidade, e a corrupção, generalizada no sistema político, exigem uma dimensão de coerção e controle legalmente disponível no monopólio da força weberiano que se encontra no fundamento do Estado democrático de direito da nossa Constituição Cidadã de 88.  As forças progressistas têm dificuldade com a coerção, como se o seu uso implicasse descurar as causas sociais. Compreensível. A Revolução permanece um mito. O problema é que, na hipótese remota de Bolsonaro presidente, ele não terá os escrúpulos que outros tiveram, sem base política para governar, de tentar o apoio nas FFAA e na preparação de uma recidiva ditatorial. Um risco, de fato, pois que proporcional à esperança que incorporou e que certamente se frustará quando virem que se trata de mais um engodo da antipolítica.
SRN

sexta-feira, 13 de abril de 2018

O interior da Guanabara

O interior da Guanabara é muito grande. Do campo que se estende da faixa do interior paulista (desculpem-me o pleonasmo) até o sul da fazenda é compreensível a breve superioridade do 'curingão". Trata-se de uma espécie de Goiás estendido com variação de sotaque. Quando estive em Pirinópolis, a imagem estava dada do que quero dizer: uma pick-up Mitsubishi com um par de chifres no capô e dois berrantes como retrovisores, um de cada lado (fora o som estourando Leandro&Leonardo os paralelepípedos da cidadezinha do tomate inscrita na memória do ciclo do ouro goiano).
Como se vê, a explicação da pesquisa do datafolha, publicada pelo Globo, não precisa de muita exegese.
SRN

Um Tio Padre


Eu tive um tio padre, irmão da minha mãe. Estudou no São José, entrava no Seminário (acho que ali no Rio Comprido), saía do Seminário, e, não fosse pela minha Tia, firme e forte aí até hoje, não teria sequer se graduado em filosofia. Mas, o fato é que acabou padre, andou pela Bélgica, França, Barra Mansa, Mogi das Cruzes (no interior paulista, desculpem-me o pleonasmo), morreu, recentemente, em Juiz de Fora, após uma temporada de monge, Irmão Cirino, o codinome que adotara, onde o conheci melhor, ali no São Bento,nos anos 2000. A vista da Baía de Guanabara, daquele penhasco privilegiado do Mosteiro quando eu ia visita-lo aos sábados, era uma maravilha, justificava a visita. A vocação pro sacerdócio foi alguma coisa certamente muito divertida para o meu avô, português, açougueiro, daqui da Tijuca:
“Meu filho, eu já tenho três saias, e você ainda vai botar mais uma.”
Hoje, meu avô, absolvido pelo anacronismo do neto, padeceria na brasa do churrasco da patrulha. Juarez, aliás, foi porque meu avô gostava do tenentismo e, por isso, batizou o filho.
Fiz as ilustrações ( uma Maria negra, que percebeu e gostou) para o livro que esse meu tio resolveu lançar pouco antes de morrer. Trata-se de umas perguntas que queria que nós respondêssemos acerca de Maria. Eu me diverti fazendo os desenhos, mas não respondi a nenhuma das perguntas. É quase pueril, mas, curiosamente, o apelo ao diálogo que meu tio padre faz acho que vale.
SRN


quinta-feira, 12 de abril de 2018

Cariocas Já!


Temos parte do território disputado a fuzil por três facções do tráfico e milícias, a Rocinha debruçada sobre São Conrado, a Cerro Corá a poucos metros da mansão do Roberto Marinho, a praia e o arrastão. Somos a Maior Nação, Rubro-Negra. Não temos, cariocas, outra saída histórica senão a democracia inclusiva, mais cedo ou mais tarde. Aliás, mal ou bem já fazemos isso, há muito, com todo mundo, Diante de tanto farisaísmo dos últimos dias, cariocas deveríamos ser mais provincianos e esquecer o resto do País, que nos inveja, mas que vive nos esculachando.
Há tempos em Brasília, numa roda, o único carioca era eu. Todo mundo falando mal da minha Cidade: "não sei por que o Rio tem tanta fama." O outro: "e nem é tão bonito assim, Tem lugar mais bonito." O seguinte; "só tem bandido." Meia-hora nesse papo. Ao final, saí perguntando: você é de onde? O cara disse. E você? o outro responde. Até que, depois do último, fechei a tampa: curioso. Há meia hora vocês estão falando mal da minha Cidade. Mas, eu nunca ouvi falar de onde vocês vieram.
Saúde, Jaguar e Moacir Luz, dois cariocas, na veia, em um desenho que fiz, há tempos, pruma exposição sobre samba.
SRN
P.S. Ia me esquecendo: o paulista mais incensado é carioca, nascido em Botafogo e criado em Copacabana: Fernando Henrique Cardoso.



quarta-feira, 11 de abril de 2018

O mau-caráter do revisionismo historiográfico


Não tenho nenhuma admiração pelo que os intelectuais são. Gosto ou não do que escrevem, conforme as limitações da minha capacidade de entendimento. E não tenho, porque têm interesses e defeitos de caráter como os meus, como os de qualquer um. Mas, o que tenho visto na prisão de Lula ultrapassa, difícil encontrar paralelo em qualquer casa de tolerância.
Arautos de uma historiografia revisionista, capazes de escrever que o escravo foi também cúmplice da sua própria escravidão, por isso, não cabe cota universitária nem qualquer tipo de anacronismo reparatório, hoje usam o peso do nosso legado histórico pra explicar a prisão do Lula.
Um deles chega a dizer que temos uma elite tão retrógrada e "escravagista" que é capaz de condenar um homem do povo que aceitou as regras do jogo, não atentou contra os interesses desta elite, fez vista grossa e até estimulou a corrupção de que ela precisava pra continuar sendo elite e, ainda assim, mesmo tão cordato, é submetido a tamanha humilhação e injustiça. E vaticina: a democracia corre risco.
Burrice não é.
Não respeitaria um tipo desse como orientador. Penso em, mesmo velho, voltar atrás, fazer o Enem e tentar engenharia, meu sonho de moleque. Pode ser também Direito. Tanto uma graduação, quanto outra, eu as termino quase septuagenário. Direito talvez seja mais eficaz. Direito tributário é uma especialização que dá dinheiro, excelente pra quem tem defeitos de caráter, normais, como todo mundo.



terça-feira, 10 de abril de 2018

Uma democracia oportuna


Lula era um oportunista. Oportunista no sentido melhor do termo, daquele que identifica a oportunidade para realizar o que acha importante. Pra isso, foi fundamental sua capacidade de negociar, adquirida na luta sindical contra multinacionais, habilitando-se como alguém que veio do povo para administrar um regime sem comprometer qualquer interesse consolidado, nenhuma hierarquia estruturada, desde que pudesse melhorar a vida dos mais pobres, inscrevê-los na sociedade de mercado. Como o capitalismo que temos é terrífico, qualquer alívio já é bem-vindo.  Mas, durante a tarefa, a tentação foi grande. De fato, a democracia de um regime desse tipo está em risco porque um negociador como o Lula, que veio do povo, excedeu-se envolvendo-se na corrupção típica desse mesmo regime?



sábado, 7 de abril de 2018

Resta líder



Lula é o que resta de grande liderança. Basta olhar os seus adversários. Além dos erros alheios que acabam por beneficiá-lo.
Carmem Lúcia, com todo o afeto que as mulheres me despertam, me deu pena. Sob o argumento de não "apequenar" o STF, acabou virando a Branca de Neve tendo de arrumar togas pros sete anões em que transformou os Ministros da casa.
Não quis o Supremo refém de um casuísmo. Afinal, Lula é um brasileiro como outro qualquer. Mas, pautou o HC do Lula que põe em dúvida a prisão do condenado em segunda instância e não pautou as ADCs que avaliariam, em tese, a jurisprudência da prisão do condenado em segunda instância. E terá de pautá-las, se não o Marco Aurélio pede questão de ordem e pauta, atropelando-a
Lula - como afirma Delfim Netto: "compreende rápido o que importa" - está no melhor dos mundos.
Preso, é o Tiradentes do Pedro Américo, esquartejado, com cada pedaço distribuído entre a militância a expô-lo à opinião pública, demonstrando como sofre quem ousa enfrentar a "plutocracia oligárquica, bajulada pela classe média branca."
Solto, desde que não seja agora pra justificar o argumento, será o migrante nordestino, trepado no pau-de-arara estacionado na porta do Planalto berrando que, ali, naquele lugar da elite, "nunca antes na história deste país" o povo levou vida boa, consumo e cachacinha.
Lula é muito mais inteligente que Moro, Carmem Lúcia, Gilmar HC, Dallagnol e é tão esperto e oportunista quanto bolsonaro.
Preocupa.
E se Lula e bolsonaro produzirem uma anomia com o acirramento dessa polarização violenta?

sexta-feira, 6 de abril de 2018

"UDN vermelha" ou música do Paralamas?


Lula não é, nunca foi socialista, tampouco liderou qualquer projeto político semelhante. O "baixo reformismo" que comandou era um mero projeto de poder que buscava hegemonia numa composição que só poderia dar no que deu. Reformismo intenso no Brasil ou termina em suicídio (Vargas) ou em golpe (Jango).  Nem Vargas nem Jango, embora líderes de origem burguesa, ao contrário de Lula, não se associaram de maneira corrupta à "plutocracia oligárquica, bajulada pela classe média branca". Nem Vargas nem Jango associaram-se a empreiteiros nem a fundos de pensão corporativos. Lula paga o preço por ter sido útil ao capital. Como li ontem, em algum lugar, "preso político sempre foi aquele que ameaçava a ordem burguesa, não quem dela se beneficiou."
E o pior: o que era um projeto de hegemonia, agora virará uma questão de sobrevivência pessoal. Lula preso, ainda que por poucos dias ( há mecanismos jurídicos que conseguirão mantê-lo em liberdade, para não falar das ADCs que, mais cedo ou mais tarde, serão julgadas pelo STF), será, irresponsavelmente, cada vez mais o candidato do PT. Temo pela polarização violenta que viveremos. Pela primeira vez, caso isso ocorra, temo também pela ruptura do inédito período de amadurecimento institucional de 30 anos que vivemos em nossa história.
Um dado histórico muito importante, agora oportunamente esquecido: o PT, com Lula à frente, foi o campeão fiscal da moralidade que muitos hoje consideram hipócrita, demonstrando que, ao contrário do senso comum, o que temos é uma história saturada de memória, quase sempre, conveniente. Tanto que chegou a ser chamado de "UDN vermelha". Isso cobra um preço.
Não se esqueçam da música que o Paralamas fez a partir do que o Lula classificou o Congresso: um bando de picaretas e ladrões.


quinta-feira, 5 de abril de 2018

E a do português? Eu conto depois.

Tentando entender o fato como uma produção social. O pronunciamento do general Villas Bôas. Um general, mesmo boquirroto e falastrão, basta falar que o país amanhece sob ameaça de golpe. É golpe. Aí, o general vizinho do prédio ao lado também fala, mas vai além, pega a espada pendurada na parede e grita, escoteiro: "sempre alerta, comandante!". Trama-se o golpe. O whatsapp se inflama. Golpe! 
Eu pergunto: somos mesmo tão infantis, com medo do castigo? 
30 anos de normalidade institucional, com dois impeachments, sem ameaça de ruptura, não mudaram a nossa realidade? 
Se vivemos outra realidade, amadurecida institucionalmente, por que diatribes de general provocam tanta repercussão por ganhar curso em meios que têm por obrigação dar a tais diatribes a dimensão de bufonaria que contém? 
Ou, somos mesmo uma população que clama, de fato, por ditadura militar? 
Prefiro achar que o facilitário de quem vê tudo de um modo muito simples não contamine a responsabilidade de quem tem, por obrigação profissional, tê-la na vida.


Gilmar HC ofuscado pelo carioca Marco Aurélio


Marco Aurélio virou charge, pra desgosto de Gilmar HC ((que aqui, no meu desenho, entretanto, continua protagonista), quando da primeira sessão, sacando do bolso uma passagem aérea, disse que não poderia ficar muito tempo, pois teria de voltar pro Rio. Com todos os problemas, a polarização violenta em continuar agenda política e aqui vira símbolo, bala, morte, execuções, pesquisa do Datafolha e uma intervenção que não consegue sequer salvar o roteiro ruim do figurante do Zé do Caixão, todo carioca, como o Ministro, volta - e rápido. Está absolvido, para usar um termo pertinente.  E, ontem, bem disposto, embora fora da Guanabara, fez um voto com a concisão necessária à atenção que pretende fixar sobre a tese que o sustentou. Marco Aurélio defende que, bem antes do HC do Lula, já deveriam ter sido votadas em plenário as ADCs que tratam da tese da prisão do condenado em segunda instância. 

Assim como o Direito e a Ciência Política confundem-se, em teorias, leis e jurisprudências, no fundamento de decisões antagônicas e mesmo que se negam, justificando o que se quer, a História não teria problema nenhum de ser mobilizada e contribuir com o Ministro em sua estada em Brasília. Vale dizer: o fato há muito não é mais compreendido como dado, mas fruto de produção social a respeito do qual se diz alguma coisa. 

No caso do voto de Marco Aurélio, a especificidade não pode preceder a tese da qual extrairá o sentido. A decisão de Carmem Lúcia, evitando as ADCs, foi, de fato," a pior estratégia". O casuísmo Lula, para o bem ou para mal, é o que "apequena" o STF, evidenciando justo o caráter político tão temido por Carmem Lúcia. Se as ADCs tivessem sido julgadas e estabelecida a tese, ratificadora ou não, da prisão do condenado por qualquer colegiado de juízes, certamente teríamos sido dispensados da peroração do douto Gilmar HC. Mas, em compensação, o humor nacional perderia uma grande revelação.

SRN




quarta-feira, 4 de abril de 2018

Diatribes e Boquirrotos

A polarização violenta, com traços diluídos de fascismo, deve preocupar quem tem responsabilidade - o que não é nem muito o caso do general Villas Boas, um boquirroto que guarda analogia com Gilmar Mendes. Villas Boas é o Gilmar Mendes das FFAA. 

Acaso, tanto um, quanto o outro, por suas diatribes, botam em risco o quadro institucional que se consolida há mais de 30 anos?

SRN


Ontem e Hoje

Em 89, Brizola, na última semana para a eleição do primeiro turno, aproveitou seu horário de propaganda na televisão para conclamar aos candidatos do campo da oposição para que se reunissem, abrissem mão de projetos pessoais e encontrassem um nome que não fosse o Lula, porque o Lula - dizia Brizola - era, dentre eles, o mais fácil de ser derrotado. O tempo passou. Lula é hoje justo o contrário. Com ele no palanque, a conjuntura nacional pode ser uma coisa ou outra.
Sou de uma geração que nasceu nos anos 1960 e que só pôde votar, pela primeira vez, pra Governador, em 82, com 18 anos. Pra presidente, então, só sete anos depois. Participei, intensamente, das campanhas das Diretas Já, fiz camisas, desenhos, fui a pé ao histórico comício da Candelária com amigos, pois daqui de Vila Isabel era a melhor opção com tudo fechado desde a Praça da Bandeira. Nada se comparou aquele movimento em esperança autêntica, até ingênua, pura. Sabia a cúpula política da interdição imposta pela transição controlada pelos militares. Derrotadas as Diretas, Tancredo já operava nos bastidores. Era o candidato da "conciliação", do "não revanchismo". Brizola, o estratego de grande visão, não se engajou, apoiando à distância a ida ao colégio eleitoral. Chegou até a propor a prorrogação do general Figueiredo por mais dois anos, ao fim dos quais, em 86, haveria eleição direta à presidência. Calculem como o couro não comeu nas costas dele. Valorizo, por isso, a importância do voto. Discordo dos que o veem apenas como mero meio tático. Muita gente morreu, foi torturada. O voto direto já nos deu Collor, que sofreu o impeachment, dentro das regras do estado democrático da Constituição de 88. Lula foi eleito, reeleito, elegeu a Dilma, que também sofreu o impeachment nas mesmas condições que o Collor, pois um impeachment é sempre uma combinação entre direito e política. Como disse, não peguei a ditadura no auge, mas já, como adolescente, em sua transição controlada. Agora, posso dizer,  vivemos um ambiente que eu nunca vi. A violência é uma linguagem, e o proto-fascista bolsonaro dela se aproveita como ninguém (embora não a tenha criado). Temos, mais do que um movimento organizado, um sentimento fascista difuso que decorre da desesperança e corrupção. A propósito, também achava que a bandeira da corrupção era coisa de udenista, e o próprio PT, em seu purismo original, era mesmo chamado de 'UDN vermelha". A "Carta aos Brasileiros (da FIESP)" muda tudo. O Lulismo é uma corrente política como qualquer outra, oportunista, pragmática, que ´pagou ao PMDB o que foi preciso pra garantir a "governabilidade".
A analogia que faço agora diz respeito às FFAA.
Ontem, na premissa maior da Guerra Fria, golpistas e praticantes de crimes de Estado, com tortura, espionagem e sabotagem, vendo no seu povo um inimigo interno.
Hoje, continuam anticomunistas, mas, profissionais, respeitadoras da divisão dos Poderes e do jogo de pesos e contrapesos da democracia representativa.
Hoje, o Alto-comando se reúne, com todos os generais para uma avaliação política.
Não se trata mais de golpismo, mas de avaliação baseada na polarização violenta que vive o país e que guarda relação direta com o HC do Lula que poderá viabilizá-lo como candidato à presidência.
Não acredito que alguém que não seja cego pelo Lula possa admitir que o Lulismo não tenha sido corrupto na administração do regime contra o qual, até na Constituição de 88, o PT se recusava a aceitar.
Acredito mesmo que a popularidade do proto-fascista Bolsonaro, com eleitores em massa entre os mais pobres, esteja na razão direta da corrupção  praticada por um operário que se diz igual a ele, povo, na presidência da república.
Para não falar – repito - da violência que se generaliza sem controle e contra a qual o discurso estrutural das esquerdas é pertinente, mas não é suficiente. Há hoje uma dimensão coercitiva legal, dentro do Estado democrático de direito, necessária.
Nesta conjuntura completamente diferente do passado (comparar com 64 é um anacronismo: nem sequer como caricatura este MBL pode se comparar em eficácia ao que foi o IPES)), corremos o risco de uma solução que não dê posse a Lula caso ele prossiga até as eleições? Na polarização violenta que vivemos é justo submeter o país ao interesse de salvar a pele de um conciliador, que não mede o que for pra comprar a “governabilidade” que nos deu Temer, como Lula?
Os anacronismos comparativos assaltam a História. Vargas, como sempre, o principal alvo de caça. O Maior Estadista Brasileiro não descansa nem em sessão espírita, sempre demandado, psicografado. Foi Fernando Henrique, que disse que iria superá-lo. Lula também nada de esquecê-lo,  primeiro lá trás, hostil, no ABC, agora, com saudade, contra o “pacto oligárquico” que o admitiu como gerente.








domingo, 1 de abril de 2018

"Por que o Rio", ratazana?

Não tenho paciência pra quem não gosta do Rio. Cariocas, aliás, deveríamos ser mais provincianos, embora jamais superaríamos, neste aspecto, qualquer paulista dos demais estados da federação. Não cabe mais, pelo visto, o “estado de espírito” com que Vinícius de Moraes referia-se às demais capacidades - mineira, pernambucana etc – com que transformavam-se em carioca, sempre bem-vindas. A começar pela capacidade de Michel Temer. Hoje, Lauro Jardim publicou que, em Davos, Temer quis orientar o New York Times a corrigir a estada do seu correspondente no Brasil. “Por que o Rio, se a política está em Brasília e a economia em São Paulo?” Temer não passaria mesmo de um traço no Ibope não fosse o Rio, para o bem ou para o mal. Precisou de o Globo de Lauro Jardim, jornalista aqui no Rio, pra sair dos dutos subterrâneos onde opera sua política e ganhar protagonismo nacional. Agora usa o Rio, no que qualifica de uma “jogada de mestre”, pra ressuscitá-lo, livrá-lo da luz do sol que ilumina, péssima pra determinados tipos de filmes B, o que dirá para um Temer, que não passa disso. Aqui, Getúlio se matou pra entrar pra História. Daqui, sob intervenção, Temer sairá da história, provavelmente, para um camburão.




Feliz Páscoa (em tempos de reforma trabalhista)!