segunda-feira, 16 de abril de 2018

O engodo da antipolítica


A antipolítica nem sequer é uma estratégia nova. Lembro-me, bem recente, do Enéas. Mas, desnecessário recorrer à caricatura. Faz parte do próprio sistema político, com personalidades que o encarnam reservando à vergonha o farisaísmo da justitificativa da vida que levam.  Ampliando o recorte e abandonando a caricatura, tivemos mesmo em 89, na nossa primeira eleição direta para presidente, após a ditadura, Fernando Collor e Lula decidindo o segundo turno.

O “caçador de marajás” era filho de senador, neto de Ministro do Getúlio, ele próprio ex-prefeito, ex-deputado  e ex-governador da periferia política, por isso, desconhecido e apto ao super-herói midiático que vinha ao encontro do desespero nacional decorrente das expectativas frustradas de uma Nova República articulada para a transição democrática e que acabara em José Sarney e hiperinflação.
Líder sindical das grandes greves do ABC,  símbolo da redenção do povo no poder, fundador do PT, ex-candidato a governador, deputado federal constituinte, Lula ainda não havia dito - talvez por conhecê-lo há pouco por dentro - que o Congresso era uma escória composta de trezentos picaretas, todavia, não pensava muito diferente e estava ali, diante do invejoso Collor  que não tinha um equipamento de som como o dele, para enfrentar o sistema encarnado no engodo disfarçado de “caçador de marajás”.
Como se vê, a antipolítica é um recurso eficaz. O contexto hoje, aqui e no mundo,  é outro, e a rejeição à política como um espaço da ladroagem piorou a um ponto, com estímulos perigosos à disseminação de práticas fascistas, que exige responsabilidade das lideranças e forças políticas na busca permanente da relação sempre difícil, tensa, que não se esgota em palavras de ordem, tampouco no facilitário oportunista da antipolítica, entre liberdade e igualdade.
Bolsonaro é um risco não pelo eleitorado que sempre representa, mas pela esperança que passou a encarnar. Embora nada sendo de antipolítica, deputado que é há quase trinta anos, reflete um problema negligenciado pelas forças progressistas por menor, caudatário, quando não sobrevivência de um anacronismo moralista. Refiro-me à corrupção e à violência.

Não é fácil ter de reconhecer em uma experiência política, ainda que de baixo reformismo, a corrupção como a fonte de uma estratégia em que os meios não mereciam respeito, “instrumentos de classe”, perante fins de hegemonia com o objetivo de “resgatar o pobre”. Gostaria de acreditar tratar-se de uma página virada. Entretanto, a história não é mestra da vida, e, em política, nada é garantido e está dado de uma vez por todas.
Vivemos  uma conjuntura em que a violência, sobretudo na nossa Cidade, e a corrupção, generalizada no sistema político, exigem uma dimensão de coerção e controle legalmente disponível no monopólio da força weberiano que se encontra no fundamento do Estado democrático de direito da nossa Constituição Cidadã de 88.  As forças progressistas têm dificuldade com a coerção, como se o seu uso implicasse descurar as causas sociais. Compreensível. A Revolução permanece um mito. O problema é que, na hipótese remota de Bolsonaro presidente, ele não terá os escrúpulos que outros tiveram, sem base política para governar, de tentar o apoio nas FFAA e na preparação de uma recidiva ditatorial. Um risco, de fato, pois que proporcional à esperança que incorporou e que certamente se frustará quando virem que se trata de mais um engodo da antipolítica.
SRN

Nenhum comentário:

Postar um comentário