segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Do Inferno para 28


Por Renato Lopes, tributário Kerouak

Qual foi seu Eldorado?
Quantas vezes quis ter tentáculos em vez de mãos ?
O que dá mais prazer: a agulha quente para estourar as bolhas do pés, ou o gol na pelada?
Já sabe o caminho para o seu inferno?
Já se sentiu uma mercadoria?
Você se acha uma ilusão?
É, 28. Você nunca se contentou em ser só o transeunte da galeria de novidades passadas. Não quis olhar só as vitrines. Quebrou todos elas. Deixou tudo solto. Se misturou ao que muitos só se contentam em olhar. Você viveu, vive, do jeito que dá.
Free Jazz. Flamengo, a preta, o samba, a Vila, a bomba, a música, a carcunda do pai. Podia estar em todos os lugares. Em todos os tempos. Tempo e lugar nunca foram problema para você.
O homem que desfere os cem golpes. O absinto da noite do free jazz ficou retido nos seus olhos e nas suas palavras, por isso todos querem cruzar seu olhar, beber nas suas palavras. Se Niemeyer se inspirava na curva das morenas, lá estava você fazendo questão de mostrar por que ele estava certo. Noel aparece até hoje na fumaça lisérgica do ar que te envolve.
Agora é o médico. O joelho rangendo. O caminhar roto. Sair a galeria. Entrar o corredor esverdeado desbotado do Pedro Ernesto. A cadeira de rodas, para quem um dia foi a locomotiva, e fazia questão de que o trilho fosse o fio da navalha.
Se te amputam uma perna? Já sei: o primeiro saci branco. E merece o título. A diabetes, o Alzheimer, são o bom combustível. Mau humor. Que porra nenhuma, senso critico e ácido. Falta de memória? Overdose de lembranças, natural de quem vivia tudo ao mesmo tempo e agora. E não duvido nada que continue vivendo. A lembrança é orgânica. Viva demais para ser deixada de lado.
Se eu como ela por R$20,00, você ainda come por qualquer preço. O saco encrustrou? Não tem problema, mete com ele também, afinal pode ser a única coisa que agora fica duro. Coça? Arde?. O meu um dia também vai arder. Mas vai ser castigo, por ficar com pena, ou ter pensando demais antes de empurrar a pica em uma Tive pena da de R$20,00. Ela valia 100 vezes isso. Foda-se, diria você. Só tenho R$10,00, é pegar ou largar.
O ano? 1981. Tudo na sua vida converge para esse lugar, sim para você é um lugar. O tempo do qual ninguém sai. O ano que não terminou. Seu 1968. Seu espaço. Ali tudo está em você.
A idade transcede. Que beneficio. Que luxo, o único que você provavelmente fez questão. Nem do amor romântico, nem da vida caseira. Para que isso? O dia só tem 24 horas e você roda no 220V. 28 almas? Poucas para você.
Quantos amores? Um só porra. Nem você pode ter mais de uma. Paixões? Mais do que qualquer um pode suportar ou aceitar. Paixão é coisa que incendeia até os cabelos. Você que o diga hein.
Uma estrada. Não, para você mais uma. Vai nela? Claro que vai. Para onde vai? Já me conta? Claro que sim, todos vão saber.Mija no caminho para marcar posição hein o cachorro velho.
Vai, mas fica.
Chegam perguntas do inferno. Todos querem saber de você.
O que digo? Foda-se? Agora não? Espera porra?
Deixa para lá. Eles ainda não estão preparados para você
Ninguém está.
 

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