sexta-feira, 26 de novembro de 2010

João Sem Medo

Quando o futebol era acusado pelos intelectuais de alienação e de ferramenta de manobra da ditadura, que faturara, ardilosamente, o tricampeonato mundial no México, João Saldanha dizia que falavam bobagem, pois se tratava de um "ramo da arte popular", independente de governos ou da conjuntura. Não negava a manipulação, mas o cinema também havia sido manipulado por Hitler nem, por isso, deixara de ser a arte popular mais representativa do capitalismo industrial.

O argumento que usava era bom. Dizia que o clima tropical e a pobreza do país propiciavam condições objetivas adequadas, fato que levava à prática massiva do futebol, ao contrário da Europa, onde a quantidade de espectadores era muito maior do que a de praticantes. E é verdade. O europeu, com um frio daqueles, onde arrumar disposição? Além disso, o moleque tem mais o que fazer, ler, estudar, preparar-se para uma cultura letrada. O futebol não é um meio de mobilidade social como no Brasil. Somos uns estropiados, prontos pra jogar descalços, no meio da rua. Até botija de plástico de caninha da roça serve como bola.


O problema é que Saldanha morreu em 90, na Itália, assistindo àquela copa medíocre, início da "Era Dunga", cujo apelido fora ele mesmo quem inventara. Qualquer "craque" hoje, mal saído dos juniores, afásico, já tem assessor de imprensa, protetor de gordura antibajulação, mansão na Barra e quantas namoradas à disposição. 

O neoliberalismo chegou ao futebol com a “Era Dunga” (este, na África,  revelou-se ao menos digno ante  os ataques de um sistema de produção de violência simbólica, cuja licença de serviço público  necessita revisão, do que, por certo,  o governo Dillma não se eximirá) . E, se no resto não conhece limites, no futebol aproveita o que há de mais atrasado de nossa formação – escravismo, nepotismo, patrimonialismo, o diabo – ao arremedo de uma estrutura vulgar de novos-ricos.

Apesar de botafoguense, Saldanha faz falta. 

Tenho certeza de que também escreveria certo sobre a estupidez de um Rio que não se reconhece.

Nenhum comentário:

Postar um comentário