quinta-feira, 18 de novembro de 2010

"Só Jesus Afasta o Demônio das Pessoas"


Por 28




Rio quantos graus de entulho e cadáveres.

Andar pela cidade, de muleta,  é um exercício penoso.Essa merda de fralda, quase um andrajo,  nas esquinas de charme só possível ao turista que busca o exótico.

João Cabral de Mello Neto, ao final da vida, amargurava ter voltado. A cidade barulhenta, insuportável, no apartamento do Flamengo, debruçado sobre as pistas do Aterro de tráfego intenso. Sentia saudade de Sevilha.

O Rio também não trata bem seus filhos mais simples: embora entendam que não podem usar como queiram a cidade, poderiam ter do poder público uma disciplina justa.

O artista popular, que só quer vender em paz o que faz, sem licença, é um mero camelô. A Praça Sãens Peña, à noite, é território de ninguém. E o artista popular  lembra de Plínio Marcos, que dizia que do “esgoto não sai nada, indispensável torná-lo potável ou evitá-lo”.

Paro de pensar pra mijar.

Com a fralda descartável fica mais fácil.

Piora quando faz frio. Dobradiças sem óleo, as pernas  viram um alicate cego. Acordei  cedo porque acabou a mortadela e o café também não dava. Troquei a fralda, mas não fiz a ablução. Quando chegasse teria de ir ao banheiro, não iria ter trabalho duas vezes. Olhei pela janela. Ninguém. Tranquilo. O camarada que varria a rua me lembrou o outro, gordo, de quando morava no Jacaré. Era um outro gordo aleijado, de muleta também, olheiro na entrada do Rato. Vendia jujuba velha e um café rançoso numa garrafa térmica rachada.

Vesti a camisa do Flamengo que colecionara no Lance. Solidariedade Rubro-Negra é outra coisa e o gari me cumprimenta. O letreiro de rua anuncia o filme. Estava ali há uma semana, mas só notara agora porque ouvira que, mal começara, já batia recordes de bilheteria. Um punk espírita é um exemplo de pós-moderno. A estética ecumênica acumula a decadência obsoleta, que se afima lixo descartável que nem o Solidariedade Rubro-Negra varreria pra sua lixeira de plástico com rodinha. Não é à toa que a pós-modernidade vira programa de televisão. 

Além da morrinha física, tenho algumas de caráter moral. É que vi um papel no chão,  ia entregar ao Solidariedade. Mas, resolvi ler, achando que era “dinheiro fácil, na hora”:

“Qual a relação de Benjamin com a pós-modernidade?”
A volatilidade ínsita à desnecessidade da obra, em curso desde a emergência das técnicas industriais de reprodução que passam a privilegiar a imagem, está na base do obsoletismo acelerado da produção estética moderna: gestos, performances, instalações que serão logo em seguida desmontadas. Fica apenas o registro: a imagem reproduzida. Não seria que a desnecessidade da obra, que começa no campo estético, privilegiando a imagem, haja afinal alcançado a base material da sociedade na organização dessa sociedade virtual, nas contradições que se empregam como fragmentos ecumênicos?
Venha saber como isso é possível, como Benjamin coloca o carro na frente dos bois, a superestrutura apresentada com autonomia. Trago também a pessoa amada em três dias.”

Assoprei o papel que não era de 5 afastando a terra do meio-fio, e guardei-o na fralda.

2 comentários:

  1. Para onde será que esse papel levará o 28? Ao Benjamin ou a pessoa amada?
    Fisicamente 28 podia até ser o único de muleta na rua mas mentalmente, com exceção da solidariedade Rubro Negra, todos tinham sua muletas mentais.

    ResponderExcluir
  2. 28 jogou bola comigo na rua. Adolescentes na mesma época, da mesma geração. Posso dizer que o conheço, na medida em que é possível conhecer alguém. No fundo, acredito que 28 tem medo é da velhice. Da muleta ao deboche, tudo tem a ver com a inadaptação que sente às restrições físicas, do diabetes, do Alzheimer.

    ResponderExcluir