Depois do penúltimo final de
semana, tenho evitado ir à Zona Sul. Tudo bem, Tijuca, Vila Isabel, Grajaú
ficam a um passo, bastando atravessar o túnel. O problema é que ando de ônibus
e, vindo da Zona Norte, no 433, pode ser que tome uma “dura”, ali na altura do
Rio Sul, e a polícia descubra que só tenho o dinheiro da passagem de volta, e
eu não tenho mais idade pra apanhar, muito
menos pai nem mãe pra serem mobilizados por assistente social.
Mas, não teve jeito. E, dentro do
433, pensava na sugestão que o pai da minha netinha Luíza me fizera: Marx era
ou não teleológico?
Na minha opinião, tão útil ou
inútil quanto qualquer outra, era. Mas, não de um messianismo como o que
estamos acostumados a ver nas religiões. Isso porque desenvolvera a dialética
materialista que deixa em aberto o devir. Mas, de onde vinha a ideia de um
destino humano a ser cumprido, presente em Marx?
Vinha da lei do valor, que fundamenta a caracterização
que Marx faz do capitalismo como modo de produção. E nela, centralmente, está
justo o trabalho, que é o elemento comum ao valor de uso, que é de natureza
qualitativa (cada um de nós, individualmente, determina a utilidade que tem das
coisas), com o valor de troca, que é de natureza quantitativa, para viabilizar
a operação de compra e venda no mercado. Trata-se de uma relação tão
metabólica, por submeter todas as relações sociais, que, pra ser superada,
abolindo, em consequência, as classes sociais, era necessário eliminar a
organização do trabalho para a produção de um excedente que é a condição da
mais-valia, concomitante, à valorização do capital. É o excedente, produzido
pelo trabalho organizado para tal fim, que produz a riqueza nos termos de
mercadoria sob o capitalismo.
Por isso, a importância que Marx atribuía à luta
política.
Foi quando vi um cara igualzinho ao Marx, sentando no
banco da frente. Falava sozinho, numa espécie de comício feito para o sussurro.
Tive de ouvir. E era alguma coisa sobre Economia Política. Mandava alguém
reparar na análise de determinados economistas como Delfim Netto, por exemplo.
Até chegar no trabalho como produtor de excedente não há nada que discordar do
que entende por desenvolvimento econômico. Quando fala do "Estado
indutor", por exemplo, é a própria negação da falácia neoliberal. Também
concorda sobre o problema político na disputa pelo excedente produzido por toda
a sociedade. Quando defende o "espírito animal" do empresário, não o
faz por principio de defesa da propriedade privada dos meios de produção. Nada
disso. É que considera a ambição, quando devidamente estimulada pelo lucro, a
melhor forma de aumentar o que os economistas chamam de FBKF (formação bruta de
capital fixo). Não foi, de resto, outra coisa o que fez no chamado
"milagre econômico". Aliás, nas análises econômicas dos próprios
desenvolvimentistas de esquerda, o chamado desenvolvimento via substituição de
importações vai de 1930 a 1980. Então, qual a diferença de Delfim de um
economista marxista? É que Delfim não vê nada demais, ao contrário, considera
condição necessária, a organização do trabalho para a produção de um excedente.
Enquanto isso existir, será impossível uma sociedade revolucionária,
horizontal, sem exploração do trabalho.
Pude ouvir bem nítido o cara dizer que, estratégica e
taticamente, o que vale mesmo é lutar menos por uma revolução e mais por uma
sociedade cada vez mais equilibrada. Mas, ao mesmo tempo, ele se perguntava: se o capitalismo se baseia na lei
do valor, que é, em suma, a exploração do trabalho, não viveremos sempre,
enquanto não superá-lo, avançando aqui e retrocedendo ali?
Confesso que fiquei com vontade de perguntar se o cara
era canhoto. De qualquer modo, fico feliz de saber que tem maluco por aí que
também procura acompanhar o que escreve
os não marxistas.
Por isso, vale a pena continuar a ler os epígonos do
retrocesso, sob coordenação de Fernando Henrique. E o mantra foi escrito por
Armínio Fraga, há quase um mês, no Estadão: o objetivo é "orçamento zero',
que desvincula as verbas orçamentárias constitucionais para a educação e saúde,
além de pregar uma Constituição completamente revisada em favor do mercado
Absoluto.
SRN
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