terça-feira, 29 de setembro de 2015

O cara parecia com Marx, mas falava do Delfim Netto



Depois do penúltimo final de semana, tenho evitado ir à Zona Sul. Tudo bem, Tijuca, Vila Isabel, Grajaú ficam a um passo, bastando atravessar o túnel. O problema é que ando de ônibus e, vindo da Zona Norte, no 433, pode ser que tome uma “dura”, ali na altura do Rio Sul, e a polícia descubra que só tenho o dinheiro da passagem de volta, e eu não tenho mais idade pra apanhar,  muito menos pai nem mãe pra serem mobilizados por assistente social.

Mas, não teve jeito. E, dentro do 433, pensava na sugestão que o pai da minha netinha Luíza me fizera: Marx era ou não teleológico?

Na minha opinião, tão útil ou inútil quanto qualquer outra, era. Mas, não de um messianismo como o que estamos acostumados a ver nas religiões. Isso porque desenvolvera a dialética materialista que deixa em aberto o devir. Mas, de onde vinha a ideia de um destino humano a ser cumprido, presente em Marx?

Vinha da lei do valor, que fundamenta a caracterização que Marx faz do capitalismo como modo de produção. E nela, centralmente, está justo o trabalho, que é o elemento comum ao valor de uso, que é de natureza qualitativa (cada um de nós, individualmente, determina a utilidade que tem das coisas), com o valor de troca, que é de natureza quantitativa, para viabilizar a operação de compra e venda no mercado. Trata-se de uma relação tão metabólica, por submeter todas as relações sociais, que, pra ser superada, abolindo, em consequência, as classes sociais, era necessário eliminar a organização do trabalho para a produção de um excedente que é a condição da mais-valia, concomitante, à valorização do capital. É o excedente, produzido pelo trabalho organizado para tal fim, que produz a riqueza nos termos de mercadoria sob o capitalismo.

Por isso, a importância que Marx atribuía à luta política.

Foi quando vi um cara igualzinho ao Marx, sentando no banco da frente. Falava sozinho, numa espécie de comício feito para o sussurro. Tive de ouvir. E era alguma coisa sobre Economia Política. Mandava alguém reparar na análise de determinados economistas como Delfim Netto, por exemplo. Até chegar no trabalho como produtor de excedente não há nada que discordar do que entende por desenvolvimento econômico. Quando fala do "Estado indutor", por exemplo, é a própria negação da falácia neoliberal. Também concorda sobre o problema político na disputa pelo excedente produzido por toda a sociedade. Quando defende o "espírito animal" do empresário, não o faz por principio de defesa da propriedade privada dos meios de produção. Nada disso. É que considera a ambição, quando devidamente estimulada pelo lucro, a melhor forma de aumentar o que os economistas chamam de FBKF (formação bruta de capital fixo). Não foi, de resto, outra coisa o que fez no chamado "milagre econômico". Aliás, nas análises econômicas dos próprios desenvolvimentistas de esquerda, o chamado desenvolvimento via substituição de importações vai de 1930 a 1980. Então, qual a diferença de Delfim de um economista marxista? É que Delfim não vê nada demais, ao contrário, considera condição necessária, a organização do trabalho para a produção de um excedente. 
Enquanto isso existir, será impossível uma sociedade revolucionária, horizontal, sem exploração do trabalho.

Pude ouvir bem nítido o cara dizer que, estratégica e taticamente, o que vale mesmo é lutar menos por uma revolução e mais por uma sociedade cada vez mais equilibrada. Mas, ao mesmo tempo, ele se  perguntava: se o capitalismo se baseia na lei do valor, que é, em suma, a exploração do trabalho, não viveremos sempre, enquanto não superá-lo, avançando aqui e retrocedendo ali?

Confesso que fiquei com vontade de perguntar se o cara era canhoto. De qualquer modo, fico feliz de saber que tem maluco por aí que também procura  acompanhar o que escreve os não marxistas.

Por isso, vale a pena continuar a ler os epígonos do retrocesso, sob coordenação de Fernando Henrique. E o mantra foi escrito por Armínio Fraga, há quase um mês, no Estadão: o objetivo é "orçamento zero', que desvincula as verbas orçamentárias constitucionais para a educação e saúde, além de pregar uma Constituição completamente revisada em favor do mercado Absoluto.

SRN

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