sábado, 17 de março de 2012

2001 de Kubrick

Por Tadeu dos Santos



Dia desses uma competentíssima diretora de uma escola de ensino fundamental da rede pública, situada junto à comunidade do Jacaré, dizia-me de sua hercúlea dificuldade no sentido de pedir aos alunos que não se atracassem durante todo o recreio. Relatou-me também que todo o seu esforço tem sido inteiramente em vão.

Prosseguiu contando que a uma certa altura fizera uma análise um pouco maisdemorada chegando a questionar o posicionamento que até então assumira. Afinal como proibir que uma criança se lance à prática do “esporte” que mais cresce no mundo e que já é o segundo na preferência nacional.   Faz  milionários, rende capa na revista d emaior circulação do país  (a quem diga que é a revista americana mais vendida no Brasil)  permite ainda  que role um documentário (Como Água) e transforma o efusivo lutador num garoto-propaganda que vende tudo o que anuncia.

Em que pese tudo isso, confessa-se profundamente triste ao constatar a inevitável e crescente substituição do grito de gol, pelos mata-leão, guilhotina, jab, joelhada e queda – parte integrante do vocabulário da mais recente febre nacional.

Hoje as arenas romanas nos causam asco. É a personificação da barbárie sancionada pela vontade popular. A catarse opera-se através do sofrimento alheio. Quanto mais excruciantes eram as dores, maior era a redenção dos assistentes. Dava-se a glorificação das vísceras expostas, dos membros decepados e do sangue oferecido à farta.

A civilização, esse monstro de inúmeras faces, desdobra-se emesforços e cria infinitas maneiras para que a dor seja aplacada sema produção de novas dores. Criamos a máxima de que deveríamosfazer aos outros o tanto que também nos fizessem e deixamos o tempoa passar. É bem verdade que jamais seguimos à risca a regra queerigimos, mas ela estava lá, tal e qual um farol, a nos guiar em meio às noites tempestuosas. Era norma programática: não dá pra fazer agora, mas quem sabe um dia...

Mas eis que uma nova arena é construída. Há uma sigla encimando a entrada: UFC.

Há corpos envoltos em sangue e hematomas pra dar e vender. Tiros de meta são cobrados e a bola – pasmem – é a cabeça do adversário. Mata-leões são aplicado com a finalidade de levar o oponente ao desmaio. E as joelhadas. Ah! As joelhadas. Que maravilha!

Não há, creiam, mera coincidência entre uma rinha de galo e um ringue de UFC. Dois animais lutam pela vida e outros tantos assistem extasiados.

Tantos séculos de incessante busca pela civilização e ao final o que temos é o UFC.

Não tarda e teremos UFC em nossas olimpíadas escolares. Sim! É importante que a barbárie se acerque do berço. Quanto mais cedo melhor, né não?

Deixo de mencionar aqui o nome do pobre rapaz que é capa da revista supramencionada. Isso não é esporte e ele não é um esportista. E não há que se macular esse espaço onde, bem sabemos, já desfilou Adílio, Andrade, Leandro, Zizinho, Índio e tantos outros.

Volto a olhar o semblante triste da Diretora, penso nas crianças que se perderão, penso no futuro que não teremos e lamento muito, muito mesmo. Mas não me furto a constatar que a opção preferencial pelo UFC diz muito acerca do tanto de humano que julgamos abrigar em nossos ventres.

Ou não?

Nenhum comentário:

Postar um comentário