Por Tadeu dos Santos
Dia desses vi ressuscitada num debate sobre futebol a conhecida discussão acerca da polarização do futebol-arte x futebol-resultado. Lá pelas tantas, um dos comentaristas; paulista, decerto, se não pelas ideias fora de lugar, certamente pelo indisfarçável sotaque, dizia que já não há que se extremar as duas concepções e que à expressão futebol-arte preferia esta que hodiernamente circula por aí, ou seja, futebol bem jogado.
Há ideias, frases, concepções e conceitos que ganham ares de verdade, mas que não resistem a cinco minutos de acurada reflexão.
Futebol bem jogado é uma expressão ampla. Parece colo de mãe que sempre acha lugar para o filho tardio. Uma sólida retranca vista pelos olhos daqueles que entendem que o futebol é uma mera operação aritmética consistente em somar pontos e levantar taças é, a toda evidência, um futebol bem jogado. Pergunte a qualquer torcedor se aquele incessante alçar bolas na área que, ao fim e ao cabo, resultou em título, não era um futebol bem jogado. Orra meu se não era.
Pretender conferir ao futebol pinceladas artísticas parece se haver tornado pecado capital cuja expiação é ficar 24 horas de frente pro telão assistindo ao Felippe Melo “jogar”. Entende-se também que futebol-arte e futebol-resultado sejam noções mutuamente excludentes.
Não são.
O lúdico, a brincadeira e as gargalhadas que Uri Gheller dava sempre que driblava os laterais operam-se lado a lado e complementarmente aos gols. Ganhamos cinco títulos mundiais: 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002 e apenas durante a “conquista” de 1994 jogamos à moda alemã.Todavia, não encaramos esse “evento” como uma mera exceção à regra. Não! 1994 passou a ser o paradigma. O exemplo a ser copiado para todo o sempre. É como se dissessem: Não corramos riscos, joguemos no erro do adversário e coloquemos volantes em todos os setores do campo.
Mas isso não nos representa. Somos Dr. Rubens, Dequinha, Geraldo, Didi, Ipojucã, Nei Conceição, Ronaldinho Gaúcho, Garrincha, Nílton Santos, Pelé, Paulo Cesar Caju, Rivelino, Zico, Leandro e tantos outros que reinventaram essa coisa de lançar a bola à rede.
Futebol é muito mais do que isso. É a folha seca de Didi, é a elegância sutil do Falcão, é o andar por sobre a bola do Geraldo, é o pé esquerdo de Rivelino e o direito de Pelé, é a ginga do Garrincha,é o escanteio batido de letra por Nílton Santos e o acertar no que não vê de Ronaldinho Gaúcho.
Faça a experiência. Tente retirar tudo isso e no seu lugar deixe apenas e tão somente, o gol e veja o caldo minguado e pouco degustável que restará.
Quiçá os adeptos do futebol bem jogado sejam profundos estudiosos da linguística e por esta razão são sabedores de que o caminho mais curto para dar fim a algo é trocar-lhe o nome. Creem certamente que banindo dos dicionários a expressão futebol-arte, ato contínuo ele sumirá dos campos e teremos então uma modalidade esportiva consistente em fazer passar a bola pelo interior de um retângulo.
Mas como já dissemos não há edifício teórico que resista a um fato que lhe balance as estruturas. Rivaldo levanta a bola do chão e dá um chapéu capaz de relegar o gol a mais relés posição. Há tempos não via aquele tipo de lençol. Uma beleza.
Rivaldo é um resistente. E nós também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário