sexta-feira, 23 de março de 2012

Cachaça ISO 9000

Por Tadeu dos Santos


E eis que a Fifa insiste em que conste na Lei Geral da Copa que sim, haveremos todos de encher a cara durante os jogos que então serão realizados.

Essa determinação contraria uma tradição lentamente construída.

De fato, os chamados bebedores chegavam cedo e ficavam ali pelos bares situados nas cercanias do Maracanã. Bebia, saliente-se, bem pouco.

À saída, mais algumas talagadas desciam pela goela. Aí a quantidade fazia-se mais farta. Bebia-se então pelo regozijo da vitória ou pela premente necessidade do esquecimento.

Em tudo e por tudo, éramos, por exemplo, diferentes dos ingleses.

Na terra de Darwin e Chaplin a garapa fazia-se onipresente. Alguns, decerto, dirão que tudo devia-se ao determinismo climático. Com o frio inclemente, bebia-se buscando o esquentamento.

Creio,porém, que não é essa a melhor explicação.

O calor fustigante que assola a terra de Machado e Euclides também poderia levar-nos a entornar uns bons copos de cerveja. Ou não?

Mas vejam, por lá tudo o que se via eram  bolas alçadas à área adversária  por longos (quase eternos) 90 minutos. E, claro, surgiram bons cruzadores e excelentes cabeceadores naquela coisa que eles insistiam em denominar Futebol. Justifica-se assim o exacerbado consumo etílico. A cada bola levantada, a cada tufo de grama lançado ao espaço, um longo gole descia na tentativa de aplacar as angústias do espírito.

Já nesses sítios desfilavam Zizinho, Zico, Geraldo, Pelé, Rivelino, Dirceu lopes, Garrincha e tantos outros.

O culto prestado à deusa Bola exigia que estivéssemos lúcidos. Tudoo que ali acontecesse deveria ser visto e retido naquele tugúrio do cérebro onde ficam armazenadas as pérolas, o que de mais belo vimo sao longo de nossas existências.  

Hoje, contudo, vivemos uma realidade deveras diferente. Nossos gramados andam infestados de volantes. Lembro de um tempo em que cada clube tinha um Paulo Henrique Ganso. E a bola era cativa da magia de Rivelino, Dirceu Lopes, Zico, Geraldo, Ademir da Guia, Edu, Bráulio,Roberto Pinto, Pita, Dicá, Alex, Didi, Nei Conceição, Paulo Cesar, Gérson, Rivaldo e outros. E eram eles os donos de seus respectivos times.

Um dia, em plena Copa do Mundo, Bebeto foi desancado por Dunga e naquela algo “singela” e despercebida cena ficou patente (pra quem quisesse ver) que o time era de Dunga e só dele. Mudamos o paradigma e não percebemos. O diálogo que estava por trás daquela insólita cena deu-se mais ou menos assim:

"Pouco importa se sabes jogar... Sou o líder... Dou carrinho e me entrego ao time. E tu? O que fazes? Jogas bem, é craque... E daí?"

Desde então o dono do time, outrora o sujeito íntimo da bola, cedeu espaço ao cara compromissado com o resultado. Se em meio a tudo aquilo a bola insistisse em  lhe dedicar o mais explícito desprezo,  tanto pior. No futuro ela seria mascada, pisada, maltratada e humilhada. Urge, aliás, a elaboração de uma lei que desça sobre esse artefato, que em tempos idos era de couro, algum tipo de proteção. Uma Maria da Bola, ou algo parecido.

E tudo isso pra concluir que talvez os homens da Fifa tenham razão.Talvez haja chegado o temido dia em que iremos ter à arquibancada empunhando copos prenhes de cerveja. Dar-se-á então a infeliz coincidência entre os ditames dos negócios capitaneados pela  FIFA e a realidade do futebol praticado por estes sítios.

Cambaleantes e, já à descida da rampa que dá pra passarela da UERJ, já não seremos sabedores do placar ou mesmo de quem afinal jogou aquilo que nos bons tempos chamávamos de futebol.

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