sábado, 29 de setembro de 2012

Preciso Dormir... Preciso Dormir...


Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



E o sono seguia intranquilo e entremeado por pesadelos que provocavam a abertura dos olhos que terminava por lançá-lo na penumbra do quarto, que por sua vez lhe descortinava a realidade da qual fugira ao tentar dormir.

Suas têmporas latejavam e o suor já lhe tomava todo o corpo.

Num dos sonhos estava na ponta de uma longa mesa de reunião. Homens fardados faziam guarda junto à porta. Os mais graduados encontravam-se sentados em ambos os lados da mesa.

  • Podemos então fazer assim?

De imediato percebeu que era o destinatário da pergunta. Estava pronto pra devolver a pergunta quando sua visão periférica mirou o botão dourado de suas vestes. Viu então que era mais um dentre os demais. Era um militar e interiormente riu-se da crueldade do pesadelo. Vasculharam suas entranhas à busca do que temia, do que odiava, do que repudiava.

  • Lanças então o autógrafo número 1. Por uma questão hierárquica deves sim ser o primeiro.

  • Dê-me cá o documento...

“ Nós, militares acusados de atos de tortura praticados durante a Vigência da Revolução Democrática de 1964, pleiteamos através da presente que cesse de uma vez por toda esse burburinho promovido pelas mídias ligadas aos movimentos de Direitos Humanos que pretendem revolver questões sepultadas pela passagem do tempo. Ademais, como todos sabem, os fins justificam os meios. Assim sendo, há que se levar em conta o quanto era deletério para os interesses da pátria, da família e da propriedade a eventual instauração de uma república sindical nessas pragas, digo, plagas.

ET: Após a invenção da máxima consistente em que “os fins justificam os meios” tenho cá minhas dúvidas acerca de toda essa fama desfrutada pela roda como grande demonstração do gênio humano. Do gênio humano. Gênio humano. Humano. Mano...

Abriu os olhos e se deteve um pouco no contorno dos objetos à volta. Logo as pálpebras voltaram a pesar e o sono foi retomado.

E ao longo da pradaria os bambis desfrutavam da grama verde que ainda guardava os resquícios do orvalho que caíra por toda a madrugada. Em alguns momentos formavam pequenos grupos e trotavam sem rumo para a seguir voltar ao grupo onde estavam os líderes. O trote apressado levantava uma nuvem de pó que curiosamente assumia tons cor-de-rosa.

As árvores situadas a uma conveniente distância escondia os vultos dos três felinos que à falta de esposas que assumissem essa árdua rotina consistente em por a correr os Bambis, para mais adiante escolher uns dois ou três que lhes saciariam a fome do dia, fariam eles mesmo o serviço. Tudo culpa desse desequilíbrio demográfico, que anda a fazer nascer machos em demasia. Com o aumento da oferta, nosso prestígio desabou em idêntica medida e cá estamos a desempenhar função indigna da majestade que Disney tão bem retratou.

O pensamento ia a essa conta, quando Biguá, Bria e Jaime, nomes pelos quais atendiam os felinos de que vimos a tratar, dispararam pela pradaria. Não tardou e dois Bambis cumpriram o papel que desde tempos imemoriais lhes cabiam por direito (ou não).

E Bria dizia a Biguá:

  • Quem nasce presa não chega nunca a predador. Quem presa nunca pedra. Quem nasce pedra e presa. Quem...
    Os olhos bruscamente reabriram-se e foram ter à realidade do quarto que impassivelmente ria-se dos sonhos que adivinhava.


E os olhos foram pesando e pesando e pesando...

  • Crês?

  • Não sei.

  • Mas por que rezas?

  • Não sei. Temo a escuridão do quarto. Se morro, rezo antes.

  • Mas crês ou não?

  • Não sei, mas preciso. Cedo descobri o absurdo e sei que sozinho não dou conta. Conto com essa nesga de esperança. O espírito não escolhe. O espírito cede.

  • A finitude é injusta. Não dou conta.

  • Não dou conta e tem um quadro me olhando e no quadro tem burro sem rabo e tem o cara que assina o abaixo e cato as palavras que calaram quando ainda iam ter à língua...


Preciso dormir, mas a explosão treme o meu corpo e me atira ao rosto uma bandeira queimada.

Forço o fechar dos olhos e uma imagem vem crescendo bem diante de mim. E a toga é preta e a mordaça é branca.

  • Quer? Diz o carcereiro. Depois engole a chave e diz: vem pegar. Vem pegar. Vem...

Preciso dormir... Preciso dormir...


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