domingo, 7 de outubro de 2012

De fato, não existe neutralidade


Por Máximo


Um marxista tem de tomar muito cuidado com a contradição. Por exemplo, quando critica a ideologia embutida em qualquer ação humana. De fato, não existe neutralidade. E a torção que Boff faz é ideológica. Antes da conclusão sobre o cuidado que devemos tomar com a ideologia implícita, escreve o artigo com a descrição dos mecanismos ideológicos dos interesses de classe. Aponta em Celso de Mello o erro crasso. Mas, Celso de Mello é branco, filho da burguesia, e termina sempre no lugar previsível. Agora, como acusar Joaquim Barbosa? Repare no escorregão quando descreve Joaquim Barbosa "faxineiro e limpador dos banheiros, como aliás parece ter sido o primeiro e honroso trabalho do ministro Joaquim Barbosa no STE." É complicado acusar de racista, elitista e preconceituoso de classe um Ministro com a origem e trajetória de Barbosa. Desnecessário associar um discurso longo, conhecido sobre manipulação ideológica, em contraponto à defesa do legado de inclusão de Lula. Será que não percebe que a obtenção do consentimento, já obtido na disputa da hegemonia quando conduzimos Lula por duas vezes à Presidência, não se confunde e até vira problema na torção que se faz para exigir de Barbosa que os meios podem ser conspurcados a um ponto, até o ponto de comprometer os próprios fins? Ou isso é mero moralismo?

SRN






A espetacularização e a ideologização do Judiciário


Leonardo Boff

Para não me aborrecer com e-mails rancorosos vou logo dizendo que não estou defendendo a corrupção de políticos do PT e da base aliada, objeto da Ação Penal 470 sob julgamento no STF. Se malfeitos foram comprovados, eles merecem as penas cominadas pelo Código Penal. O rigor da lei se aplica a todos.

Outra coisa, entretanto, é a espetacularização do julgamento transmitido pela TV. Ai é ineludível a feira das vaidades, o vezo ideológico que perpassa a maioria dos discursos.

Desde A ideologia alemã, de Marx/Engels (1846), até Conhecimento e interesse, de J. Habermas (1968 e 1973), sabemos que por detrás de todo conhecimento e de toda prática humana age uma ideologia latente. Resumidamente, podemos dizer que a ideologia é o discurso do interesse. E todo conhecimento, mesmo o que pretende ser o mais objetivo possível, vem impregnado de interesses.

Pois, assim é a condição humana. A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. E todo o ponto de vista é a vista de um ponto. Isso é inescapável. Cabe analisar política e eticamente o tipo de interesse, a quem beneficia e a que grupos serve e que projeto de Brasil tem em mente. Como entra o povo nisso tudo? Ele continua invisível e até desprezível?

A ideologia pertence ao mundo do escondido e do implícito. Mas há vários métodos que foram desenvolvidos, coisa que exercitei anos a fio com meus alunos de epistemologia em Petrópolis, para desmascarar a ideologia. O mais simples e direto é observar a adjetivação ou a qualificação que se aplica aos conceitos básicos do discurso, especialmente, das condenações.

Em alguns discursos, como os do ministro Celso de Mello, o ideológico é gritante, até no tom da voz utilizada. Cito apenas algumas qualificações ouvidas no plenário: o mensalão seria “um projeto ideológico-partidário de inspiração patrimonialista”, um “assalto criminoso à administração pública”, “uma quadrilha de ladrões de beira de estrada” e um “bando criminoso”. Tem-se a impressão de que as lideranças do PT e até ministros não faziam outra coisa que arquitetar roubos e aliciamento de deputados, em vez de se ocuparem com os problemas de um país tão complexo como o Brasil.

Qual o interesse, escondido por detrás de doutas argumentações jurídicas? Como já foi apontado por analistas renomados do calibre de Wanderley Guilherme dos Santos, revela-se aí certo preconceito contra políticos vindos do campo popular. Mais ainda: visa-se aniquilar toda a possível credibilidade do PT, como partido que vem de fora da tradição elitista de nossa política; procura-se indiretamente atingir seu líder carismático maior, Lula, sobrevivente da grande tribulação do povo brasileiro e o primeiro presidente operário, com uma inteligência assombrosa e habilidade política inegável.

A ideologia que perpassa os principais pronunciamentos dos ministros do STF parece eco da voz de outros, da grande imprensa empresarial que nunca aceitou que Lula chegasse ao Planalto. Seu destino e condenação é a Planície. No Planalto poderia penetrar como faxineiro e limpador dos banheiros, como aliás parece ter sido o primeiro e honroso trabalho do ministro Joaquim Barbosa no STE. Mas nunca como presidente.

Ouvem-se no plenário ecos vindos da Casa Grande, que gostaria de manter a Senzala sempre submissa e silenciosa. Dificilmente, se tolera que através do PT os lascados e invisíveis começaram a discutir política e a sonhar com a reinvenção de um Brasil diferente. Tolera-se um pobre ignorante e mantido politicamente na ignorância. Tem-se verdadeiro pavor de um pobre que pensa e que fala. Pois, Lula e outros líderes populares ou convertidos à causa popular como João Pedro Stedile, começaram a falar e a implementar políticas sociais que permitiram uma Argentina inteira ser inserida na sociedade dos cidadãos.

Essa causa não pode estar sob juízo. Ela representa o sonho maior dos que foram sempre destituídos. A Justiça precisa tomar a sério esse anseio a preço de se desmoralizar, consagrando um status quo que nos faz passar internacionalmente vergonha. Justiça é sempre a justa medida, o equilíbrio entre o mais e o menos, a virtude que perpassa todas as virtudes (“a luminosíssima estrela matutina” de Aristóteles). Estimo que o STF não conseguiu manter a justa medida. Ele deve honrar essa justiça-mor que encerra todas as virtudes da polis, da sociedade organizada. Então, sim, se fará justiça neste país.


Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é professor aposentado de ética da Uerj.

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