terça-feira, 30 de outubro de 2012

Ratatá pra Cracudo


Por Tadeu dos Santos, graduado em Ciências Sociais e Direito pela UERJ



Há uma considerável quantidade de filmes a tratar dos zumbis. E são diversos os tratamentos. Zumbis são perfeitamente adaptáveis à comédia, ao terror apocalíptico e ao drama, dentre outros. O traço comum a caracterizar os zumbis é a despersonalização. Sim, zumbis não tem nome, não tem amigos e também não tem família. O andar é comum, pesaroso, arrastado. As expressões também são idênticas. A boca escancarada e nos olhos um misto de terror e vazio existencial.

No período anterior à transformação, a personagem tem nome, família, CPF e identidade. No momento seguinte, contudo, é apenas mais um na multidão. Convola-se então em carne pronta pro abate. Alvejado por bala, fogo ou algo perfurante, o zumbi não se faz destinatário sequer de um enterro mais ou menos cristão. Também não se faz depositário da piedade de quem quer que seja. Afinal de contas ele é apenas e tão somente um zumbi.

Entre nós ganha corpo a comparação cracudo/zumbi.

Os olhos seguem postos no chão à procura de algo que possa ser trocado por pedrinhas. O andar também é arrastado, os olhos, de igual maneira, se fazem desertos de esperanças.

Há homens e mulheres. E há velhos, jovens, adolescentes e crianças. E esses desvalidos não tem nome, nem família e tampouco amigos. São números, meros dados estatísticos. E ainda que soe tão cruel quanto a contagem que se aproxima do dez ao mesmo tempo em que há um corpo sem rosto caído no chão, a conclusão inelutável é que sim, são zumbis. E que o nocaute que se avizinha põe-nos todos, sem exceção, à lona.

Nesse passo, trago à tona o manifesto antiinternação de adultos em que são signatários................

Em apertas linhas, arvora-se o manifesto na defesa da dignidade dos habitantes da rua, dentre eles, claro, os cracudos, afirmando ser de todo inaceitável a internação compulsória.

Separar os cracudos/zumbis por categorias do tipo criança, adolescente e adulto é negar-lhe o nome, a origem e suas relações de parentesco. A ideia ínsita ao adulto é a de alguém que é senhor de sua vontade e livre para decidir o destino que melhor lhe pareça.

Conferir ao cracudo/zumbi o mesmo tratamento dispensado aos adultos, digamos assim, normais, é olvidar-se, ás inteiras, da realidade circundante.

Para quê e a quem serve esse discurso?

Decerto, ao comércio paralelo que viceja à volta da cracolândia. Ali tudo convola-se em mercadoria. Desde panela velha até enxoval antigo. Ouro e bijuterias também servem. Qualquer quinquilharia desde que adquirida por preço vil.

Esse discurso também se faz bálsamo aos ouvidos do traficante. O atendimento é 24 horas e a entrega é em domicilio, haja vista que já estão todos ali pela rua.

Desnecessário dizer que o tráfico envolve a parte podre da polícia e as milícias.

Pois bem, a todos esses segmentos esse discurso se faz música aos ouvidos. São seus grandes beneficiários.

Sim! Eles também se fazem música aos ouvidos de seus próprios prolatores. É uma puta massagem no ego. Eis-me aqui Quixotescamente investindo contra o Estado personalizado na figura pública do Prefeito. Defendo adultos cujos nomes e filiação desconheço. Também não sei se eles tem filhos ou amigos. Dizem que vivem na rua, os dentes andam aos pedaços, trazem o deserto no olhar e os mais céticos dizem que são zumbis. Mais ainda há, decerto, em meio a tudo isso, algum resquício de honra que a mim cabe defender.


Irônico, não? Faz parte da pregação de esquerda o estado multifuncional. Ele é grande. É tentacular. Ocupa-se da saúde, da educação, da segurança, distribui bolsas, organiza o sistema de cotas, legisla acerca do petróleo e é, sobretudo, protecionista. Cheguei a ouvir de gente muitíssimo bem intencionada que preferia a cadeira de uma estatal petrolífera ocupada pelo paletó de um funcionário fantasma do que a exploração do petróleo entregue à iniciativa privada.

Os adultos que não serão internados compulsoriamente estarão mortos em seis meses. A família não terá, nesse momento, condições de arcar sequer com o enterro. Fica, pois, a sugestão:

É de bom alvitre que a par da coleta de assinatura para o nobre manifesto, role também uma vaquinha para o fim de bancar os futuros enterros. Talvez essa atitude não se revista lá da dignidade propalada pelos signatários do documento, mas será de uma utilidade e tanto.

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