sábado, 31 de julho de 2010

Nação Maior Carioca


Por tadeu dos Santos

Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Marco Antônio e Cleópatra, Baltazar Sete Sóis e Blimunda, Sid Vicious e Nancy, Shah Jahan e Mumtaz Mahal, Frida Kahlo e Diego Rivera, Sartre e Simone, Dom Quixote e Dorotéia. Como visto a literatura e também a realidade são pródigas na produção de histórias envolvendo casais. A uni-los e separá-los a tragédia, a política, as drogas, os interesses comuns. Estamos prenhes de visgo; somos imantados. Tendemos à vida, e vivos buscamos a completude no outro.

David Lynch cineasta norte-americano, diretor de Cidade dos Sonhos (Mullhoand Drive – 2002) um verdadeiro desafio em que realidade e sonho parecem desconhecer qualquer fronteira, produzido sob medida à subversão da linguagem hollywoodiana, decidiu cair na estrada em 2009 e ao longo de 37 mil quilômetros foi ouvindo quem encontrava pela frente. Pretendia demonstrar (e conseguiu) que nem tudo é tão comum no dia a dia das ditas pessoas comuns.

A realidade surpreende. Comprova-o Lynch, alguém tão pouco afeito às questões facilmente submetidas aos rigores da lógica e que rendeu preciosas loas ao onírico. Não nos entreguemos ao canto sedutor dos opostos, passemos ao largo do preto e do branco. Realidade e sonho estão por aí a buscar elos. A argamassa que une os aparentes opostos comporta fartas doses de amor, ódio, atração, repúdio e desengano.

Conta e reconta-se a saga dos casais; tanto os reais quanto os fictícios. Os pontos ora são acrescidos, ora retirados. Temos ao final o maduro fruto do imaginário coletivo e as histórias findam por dizer mais do que as contam do que daqueles que ao início eram os agentes da trama.

O tanto que se conta e o muito que se cala talvez atribuam contornos outros a história que narraremos. É uma história de amor, de entrega, de comunhão. Se informada pela realidade ou moldada pelo sonho não nos é dado dizer. Somos parte desse amor e assim não portamos a isenção necessária à classificação. Que digam os outros.

Bons casais são orgânicos. Não se sabe onde começa e termina cada um dos partícipes. Vê-se um e não dois e se aqui descemos à tradição das narrativas é porque há de se facilitar a compreensão. Que fique claro, pois, que o ele e ela estão fundidos. Sabemos também da inutilidade do alerta que ora fazemos. Aqueles que não se deixam contaminar pela estreiteza do que se apresenta aos olhos, sabem que onde se enxergam dois, há na realidade um, apenas e tão somente, um.

Ela já ia entrada em anos. Conhecera já Zizinho, Dida, Evaristo, Domingos da Guia. A lista é longa e por aqui pararemos. Não convém que se lhe atribuam o epíteto da vulgaridade. Não o era. Amara e até onde se nos dá esse é hábito dos mais salutares.

Era famosa por sua beleza. Tinha uma alegria contagiante. Levava a assistência ao êxtase. Extasiava-se a todos e tinha por hábito lançar enfeites ao corpo sempre que se encontrava com o amante. E os enfeites eram vermelhos e pretos. Rubro-negro, pois.

Em 03 de março de 1953 ele nascia. Na certidão lançaram nome de rei, Arthur, Arthur Antunes Coimbra. Estava à ela destinado e talvez por isso quis o destino que o primeiro encontro ocorresse já em 1971. A côrte se fez com conquistas. Dedicou-lhe o Estado, o país, o continente e o mundo. Não conhecia impossibilidades esse amor.

Era um romântico incurável. Dedicara à amante 508 poemas. Entram na categoria de antológicos aqueles intitulados Iugoslávia, Paraguai e vários outros cuja menção é evitada em nome do culto à perfeição. Nomes menores, sem dúvida. Em cada um deles a coroação do quanto havia de recíproco naquele casal.

Encontravam-se amiúde num palco inaugurado em 1950. Dizem alguns que a construção daquele local deveu-se a um evento ocorrido naquele mesmo ano. À esta altura sabemos que não. Num momento fazia-se praça do interior onde num afastado banco os poemas-gols seriam escritos. Era o locus da comunhão, da entrega. Já ao alicerce estavam a ambos atrelados. E vieram os tijolos e os homens a juntá-los com o cinza da massa. Sabia-o o pedreiro, o mestre e todos os passantes que o ar que ali se respirava trazia as boas novas do amor ainda não conhecido.

Houve em meio a tudo o que ora se narra um curto momento de separação. Ia ter a terras distantes e por lá falaria do amor que os unia. Falaria do quanto amavam o belo. Tentaria espalha-lo, fazê-lo moeda única a circular. Olhos contaminados pela objetividade foram unânimes em dizer do fracasso da expedição. Aos olhos da amada, contudo, ele voltara coberto pelos louros da vitória. Em 1986 uma nova empreitada. Tinha então o corpo eivado das marcas feitas por gente alheia ao belo. Dizem que sucumbiu, não é verdade. No retorno a acolhida costumeira.

Outro hiato na história que ora contamos teve início em 1983. Já em 1985, retomavam o que a ninguém era dado separar. E tudo prosseguia como se nem por um dia sequer um houvesse deixado de mirar o olho do outro.

Esse amor não conheceu a finitude. Fez-se árvore frondosa. Frutificou e está em toda a parte.

Seus herdeiros frequentam o velho palco e é ali que as juras de amor são renovadas. Elas fortalecem o amor mítico e renovam a história do mais perfeito caso de amor existente entre uma torcida e seu ídolo.

Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Marco Antônio e Cleópatra, Baltazar Sete Sóis e Blimunda, Sid Vicious e Nancy, Shah Jahan e Mumtaz Mahal, Frida Kahlo e Diego Rivera, Sartre e Simone, Dom Quixote e Dorotéia, Zico e Nação Maior Rubro-Negra.

sexta-feira, 30 de julho de 2010

Passou de 120


Por 28

"Máximo:

Após alguns anos, o cuidado é pra não envelhecer muito rápido, ficar mais velho do que o tempo, porque ser grave é um simulacro da seriedade.

Em contrapartida, sentimo-nos menos responsáveis, as consequências do que dizemos já não são mais exclusivas.

A filosofia não é de botequim, porque escrevo em casa, à mão, bic preta. Depois, dito pra Ângela.

A recepção multifária é o cerne do campo simbólico que constitui o mundo da bola.

A fragmentação do espetáculo não aceita mais quaisquer exemplos.

Não se padroniza o ecumenismo, meu irmão.

Arranja-se uma colagem:

Pai Inácio, Lar do Prado, Bispo Macedo, Padre Marcelo e Vagner Love.

SRN"

quinta-feira, 29 de julho de 2010

Leandro Amaral sobreviveu ao triângulo das bermudas

Único sobrevivente conhecido do triângulo das bermudas, Leandro Amaral está certamente ansioso para superar a experiência.

Calculem:

No calvário da bambilândia, sob bagaços de laranjas atirados debaixo de realejos, Leandro Amaral arrastou os últimos anos e quase terminou por esmolambar-se com panfletos de rua, desses que prometem dinheiro na hora, em que chegaram a anunciar sua ida pros amarelos desertores.

Leandro Amaral, porém, é um camarada de fé e se podia ter a ajuda direta de Deus pra que perder tempo com o bispo Macedo ou com o padre Marcelo?

Foi o seguinte o encontro com Zico, que dispensou a genuflexão em benefício do joelho do atacante redivivo.

A movimentação ontem pela manhã com os juniores foi a benção que Leandro Amaral necessitava e agora é preparar-se devidamente para a sagração do Manto.

SRN

quarta-feira, 28 de julho de 2010

Não se encomenda um Zico


Por Ameríndio Sevilha

A postagem é breve e o tom melancólico, revelando uma nostalgia incompatível com um marxista e Rubro-Negro. Mas um marxista Rubro-Negro de condicionantes ibéricos não poderia passar incólume. E o que é pior: saudade da tradição, contra a qual deve ser feita a Revolução.


Argumento que o futebol brasileiro só abandonou a tradição, ingressando efetivamente na era das massas, quando, na sua infra-estrutura, precariamente constituída, como é típico ao capitalismo de periferia, implementa-se o fim da lei do passe e há a generalização de um mercado da bola de trabalho assalariado.


Não faz muito tempo nem sequer 30 anos.

E a revolução, provocada pela submissão ao mecanismo de preços de sentimentos, paixões e valores tradicionais, se não cancelou a imagem do culto, modificou-a profundamente, adaptando-a à indústria cultural. O craque não mais se afirma associado à imagem de um clube. Possui unidade e duração, servindo de suporte. Mercadorias de todo o tipo a ele aderem. Aqui o sentido é literal e a prova está em cada centímetro quadrado da roupa que vestem.

Na era das massas, a infra-estrutura ganhou uma escala que excedeu de muito a "aura' do raro. Objetos e eventos passaram a ser orientados por novos critérios de produção, agora voltados para uma escala igualmente inédita, padronizados: a apropriação popular implica necessariamente uma simplificação que a arte até então não experenciara.


A simplicidade popular pode ser tão refinada quanto o elemento tradicional. A linguagem que o futebol produz surgiu devagar, a partir da segunda metade do século passado, dessa nova realidade. Periféricos, respondemos progressivamente com cópias. A transfusão de métodos levou a uma produção tropical de formas européias, ao invés de termos produzido nossa própria simplificação, nos termos do que já sabíamos melhor do que ninguém.

O futebol não merece mais um Zico.

domingo, 25 de julho de 2010

16

Até aos 5 minutos o internacional ainda não havia chegado ao beira-rio, permanecia retrancado no Rio, como o time pequeno de treinador Celso Roth.

Poderíamos ter feito 1 x 0 numa cabeçada de Jean. Paciência.


Taison, que infernizou Leo Moura, impedindo-o ao ataque e, mesmo, a fortalecer o meio-campo, bateu com efeito, de longe, a bola subiu e morreu não exatamente no ângulo, mas o suficiente pra quebrar a confiança de Marcelo Lomba, intranquilo, de resto, até o fim do jogo.

A partir do gol, o internacional ganhou o meio-campo.

Mas, nada que não nos impedisse de empatar ao longo do jogo, por exemplo, com Vínicius Pacheco, duas vezes, no mesmo lance.


Quando Pet cansa, ou não encontra espaço, não temos meio-campo.

E quem tem nesse futebol brasileiro atual?

16.

Tá tranquilo.

SRN

Goya


(sobre "Desastres da Guerra", de Goya)

Por Tadeu dos Santos

Mano Menezes é o novo técnico da seleção brasileira.

À ditadura Dunguiana temos agora o Despotismo Pretensamente Esclarecido de Mano Menezes. Gaúcho assim como Dunga, tem com este, outra similaridade, a saber, segura o descarrego. Pode vir quente que eu estou fervendo e ainda que venha toda enviesada eu mato no peito e ponho no terreno. Bem nos moldes do perfil desejado por Sir Teixeira.

É disciplinador e gosta de um jogo seguro. Afirmou numa dada ocasião que não era muito de fazer amizade com jogador, pois vivia a tomar decisões em relação a eles (jogadores) e eventual apreço mútuo poderia por a coisa a desandar. Em suma, “trabalho é trabalho e amizade é amizade”, é pois, um adepto do princípio da individualização das coisas. Releio a frase “Trabalho é trabalho e amizade é amizade” e de pronto consigo imaginar Oscar Wilde, o grande frasista, a dar voltas no túmulo.

Tudo está no seu lugar. A segurança está de volta. Os negócios seguirão prósperos e Sir Teixeira está garantido no trono. Há um pára-raio sobre o telhado.

Ao contrário do que afirmava Nélson Sargento, em meio a tudo isso, o futebol agoniza e morre aos poucos.

sexta-feira, 23 de julho de 2010

Ramboneca

Desculpem-me a incorreção, pois muitos homossexuais valentes morreram no Vietnam, enquanto esse idiota foi se esconder como inspetor num colégio na Suiça.

Porém, o macaco que ele levou nas costas do Brasil e que o deixou machucado durante as filmagens, tirou a sorte do astro e mostrou o bilhete aonde se lia:

"Stalone virá ao Brasil, a convite do grêmio, para o lançamento de seu filme, em Porto Alegre."

SRN

Uma Palavra de Fé


Este blogueiro, à esquerda, levando a Palavra, a Verdade e a Vida, em seu exercício de fé democrática e evangelizadora, em meio a exemplos de laranjas de realejo de são cristóvão, bambilândias de Laranjeiras e amarelos desertores de botafogo.

SRN

Papai Noel?


Alguém com mais de 8 anos acredita que Eduardo da Rocha Azevedo, ex-presidente da Bovespa, é o redentor da maldade do Marlon Brando da CBF?

Está mais pra Al Pacino, em sua sucessão, tal qual na grande sequência de Coppola.

Os baldes de vômito cheios pelo parceiro deste blog, Tadeu dos Santos, devido a frases famosas de celebridades nem sempre tão ilustres, feitos em "Pra que mais blog?"(www.paraquemaisblog.blogspot.com), me ocorrem, obrigando-me a lavá-los e a disponibilizá-los para a campanha do twitter "tira teixeira".

Como se o futebol se resumisse apenas a problemas de conjuntura e não de estrutura, independente de personalidades, a respeito das quais, conforme dizia o velho Marx, "não valem por si mesmas, mas pela categoria de interesses que representam".

O problema de jornalistas com dirigentes necessita ser melhor explicado e nada tem com um futebol brasileiro que hoje não passa de uma indústria da bola, a revelar jogadores, a produzir mercadorias para o mercado interno (quando se trata de escolinhas de subúrbio e clubes pequenos ou do interior, todos nas mãos de empresários) ou externo (caso dos grandes clubes e agentes Fifa).

Já enchi o primeiro balde.

Bastou ler a defesa dos pobres, preocupação social do futuro Estadista da Bola, muito angustiado com os gastos astronômicos em estádios suntuosos da África Sul no cotejo com a pobreza que o cercava, padrão que não quer ver se repetir no Brasil, em 2014.

Que alívio.

SRN

Chuteira Econômica

Produtividade decorre da inovação, que se reponsabiliza pela padronização da qualidade.

Como se dá isso no futebol?

A ciência ensejando o esporte de alto rendimento: a fisiologia, a preparação física, a diminuição dos espaços, a redução da habilidade.

Critérios econômicos na sua transformação em produto: divisão do trabalho, padronização produtiva, escala de mercado.

Esse novo modelo de futebol é o fim do brinquedo da bola, de quando, pelo lúdico, alcançava-se a excelência do craque.

A proliferação das "escolinhas" de futebol não é gratuita. Longe de gratuita.

Na escala internacional de que necessita o mercado da bola, o jogador-mercadoria deve ser fabricado dentro de padrões de produtividade atualizados.

A regra que abastece o mercado exige o jogador "standard".

Kaká.

SRN


quinta-feira, 22 de julho de 2010

Santíssima Trindade


Por Tadeu dos Santos

Nos exatos termos do jargão jornalístico da época, nuvens plúmbeas se fizeram água e desabaram sobre as Minas Gerais. Eram as águas de março de que nos falava Tom Jobim. Nos dias que seguem o engenho humano mapeou nosso DNA e ainda não conseguiu remediar o efeito das intempéries. Naqueles idos, o homem que já fora à lua e por lá fincara o estandarte americano, como que a inaugurar o imperialismo sideral, também não se tornara senhor dos nefastos efeitos trazidos pela chuva. E assim naqueles sítios por onde nascera Drumond não se vislumbrava a luz do satélite que poucos anos antes era ainda virgem à ação humana.

Aqui e ali as casas estavam ao chão e amiúde via-se gente que já não tinha um teto pra chamar de seu. Resolveram ajudar. Alguém disse então:

- Vamos juntar gente, fazer um time contra, torcida grande contra grande torcida, rei contra rei e tudo isso num palco. Dá pra ser?

Tudo combinado e a data foi aprazada, juntaram os times e chamaram os reis.

Era 06 de abril de 1979. O time de torcida grande era o Atlético Mineiro. O que tinha a grande torcida era o Clube de Regatas do Flamengo. Há quem diga que o vermelho e preto está de tal forma junto e misturado que não se sabe onde começa o time e termina a torcida. Dizem que é tudo uma coisa só. Orgânica. Domingo sim e no outro também, a mistura se faz onda, parece tsunami, vem num grito crescente, se avoluma e vai ter ao gramado. E como é bonito de ver.

Havia o rei coroado em terras do norte da Europa. Terra que, saliente-se, já tinha um soberano a quem render loas. Mas tal e qual a bola não opuseram resistência ao reinado que não conheceria língua e tampouco fronteiras. Era um Habsburgo tupiniquim. Reinava com graça e competência. Impunha-se pelo consenso e dispensava armas. A moeda circulante atendia pelo nome Gol. E era farta. Sim, era farta. Falo, claro, de Pelé.

Os olhos junto ao vidro do berçário divisavam o berço onde dormia aquele menino louro e franzino. Ainda ao ventre foi destinatário de nome de rei. Chamar-se-ia Arthur e diferentemente daquele surgido em terras britânicas, reinaria em paz. Vinha de uma dinastia que já conhecera Zizinho e Dida. Estava, todavia, predestinado aos grandes feitos e o que se passou naquele 06 de abril era apenas um ligeiro prenúncio, um preâmbulo, eu diria. Toda a gente do Reino Flamengo o chamava Zico.

O palco escolhido foi o mesmo que em 1950 viu uma multidão de mais de 200 mil almas caminhando em silêncio. Viu também a folha seca de Didi, a gingada de Garricha, a elegância de Ipojucã e a classe de Domingos da Guia.

E como jogaram bonito. Naqueles tempos era a beleza o único paradigma vigorante e não havia nada mais seguro do que marcar gols. Ainda não havia no mundo da bola a divisão por eras. A Rainha Beleza não tinha ainda opositores a dizer que era já uma senhora, superada e pronta à substituição. Ao tempo era altaneira, inconteste e em seu altar zagueiros eram dados ao sacrifício. A colheita vinha farta.

Em 1982 um de seus fieis seguidores perderia a batalha de Sarriá. A partir de então aqui e ali passaram a duvidar de seus poderes. Em 1986 mais um revés e os detratores, a princípio tímidos e covardes, cerraram fileiras.

Pesquisa realizada pelo IBOPE nos anos de 1990, revelou que Telê Santana era considerado o melhor técnico que esteve à frente da Seleção Brasileira. Era o sufrágio popular. Parafraseando o poeta: que nos desculpe o Dunga, mas a beleza é fundamental.

Telê era alcunhado Fio de Esperança. Que se faça, pois, o fio de Ariadne e que nos guie de volta aos tempos de beleza pura, dinheiro não.

Disse alguém que Garrincha fazia do espaço de um lenço um verdadeiro latifúndio. Pois naquela noite de reis do longíquo 1979, ainda víamos pontas e aquele que atuava pelo lado esquerdo tinha nome de imperador, Júlio César. E o latifúndio reduziu-se às dimensões do espaço demarcado que se segue à bandeira de escanteio. O lateral que também poderia ser nomeado João Ninguém, atendia por Alves. Foi por entre suas pernas que alvissareira passou a bola. Já à pequena área o rei Zico a escoraria de barriga. Não se deixem levar pela dureza das palavras. O lance foi prenhe de elegância.

Zico fez três gols. Luisinho e Cláudio Adão completaram a goleada. 5 x 1 pro Mengão.

O ritual foi realizado em pormenores. A liturgia se fez plena. E ao som de cânticos Pelé deu ao conhecimento do corpo o manto vermelho e preto. Em seu retorno à Vila Belmiro sentia-se completo, inteiro. Como vivera sem tudo aquilo? E que torcida é essa, hein?

quarta-feira, 21 de julho de 2010

terça-feira, 20 de julho de 2010

Ditadura e Futebol: o Poder e a Bola

Há na literatura tipologias que explicam essa relação.

A Ciência Política, sobre política comparada, em que trata do padrão das relações entre civis e militares em diversos países.

Um livro cuja leitura contribui muito é "Os Militares no Poder", de Alfred Stepan.

Havelange e a Cosena (Comissão Selecionadora Nacional) , após o fiasco em 1966, na copa da Inglaterra, à luz das categorias explicativas dessas relações: " sub-sistema", "monopólio da força", "estabilidade", "poder de organização" e "orientação nacional". Em que medida não havia predição no programa dos institutos Ipes e Ibad na modernização conservadora que preparara o golpe de 1964?

Quanto da linguagem da bola, particularmente na expressão: "jogador tem de virar dinheiro", a revelar uma realidade sintetizada de elementos estruturais do sistema capitalista (divisão do trabalho e mercadoria), a tipologia dos regimes militares e as características patrimonialistas e de nepotismo da nossa formação histórica?

28, que tem mais tempo, os pés inchados sobre o sofá, irá me fazer esse favor e ler sobre o atual estado da arte.

SRN

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Libertadores das Américas




Por Ameríndio Sevilha

A bola era o campo de jogo. Calos de sangue, agulha aquecida, pedaços de linha. Os pés descalços sobre paralelepípedos ao improviso de drenos. Os "pé pretos" vetados ao voo. Pedaços de dedos espalhados em volta do puma que explodiu. Pinochet tem um estádio onde escorre o sangue que seu títere arranca de Adílio. 2 x 0 . A América não necessita libertadores que não saibam tocar a bola, as pernas arcadas, como Adilio da Cruzada


Camelôs, gritando palavras de ordem, ocupavam a Senador Dantas, fechando a rua. De repente outra explosão, a banca de jornal, mais outra, a secretária da OAB, uma mesa elíptica, uma bancada de fórmica negra, então o homem para, olha, e corre, e volta a olhar, pensando tratar-se da PM a corrigir os infelizes que o dificultavam o percurso até à Carioca.


Está certo de que fora justo ali, no cruzamento da Almirante Barroso com a Senador Dantas, que ouve a terceira explosão que acabara de vez com as palavras de ordem. Também lhe pareceu ter visto de relance uma pilha de galões, deixados inadvertidamente atrás da grade que dividia o largo. Apesar da pressa, parou para lhes verificar os rótulos, descobriu se tratava de material inflamável destinado à limpeza da Carioca para a feira de livros que ali se realizaria.


Na Uruguaiana, vidraças estilhaçadas, monturos de comidas à vista, lojas de eletrodomésticos arrasadas, expondo pela calçada bagaços de isopor, carcaças de geladeiras cheias de santinhos de candidatos misturados aos de Anastácia, em papel ordinário. A igreja da escrava permanecia aberta, parecia pressentir o momento em que se afirmaria contra a inópia: para a sua nave, aquele dia especialmente iluminada permeável a pecados, acorriam os habituais desvalidos, de chinelos, bermudas coloridas de marcas falsas, abraçando, quase todos, liquidificadores, microondas, computadores, dvds e televisores de plasma, dos grandes.


Um puxão no braço esquerdo o fez olhar na direção da esquina. Era a menina, que descobria no camelódromo à frente um carrinho de supermercado com sacos de balas coloridas incólumes. Outro puxão, agora de um moleque, novamente a menina, agora que olhar a igreja tornara-se um risco. Com as mãos firmes nas crianças, embrenhou-se no tumulto que rolava para o metrô, desceram, tentaram atravessar o mezanino e ficaram uns vinte minutos empurrando, exangues na vazante humana contida pela segurança erguida junto às roletas. Tremendo, a menina agarrou-lhe a perna, o menorzinho ameaçou chorar.


Aquela cena que bem merecia um óleo tinha para o homem a potência evidente de uma forma bem resolvida. Um Portinari a orar. Ressurecto, sem aludir ao homem que virou resto. Um Portinari na escala, proporção, contraste e assimetria, exatamente igual à posição em que agora se encontravam as crianças em seus braços.


A vazante deu sinal de movimento. A barragem da segurança começou a escoá-los. Alcançaram a escada para a Presidente vargas. Enquanto subiam, a única coisa que o homem queria era ser rápido, chegar logo à Candelária, onde imaginava encontrar a parte da família das crianças, que, segundo a menina, morava ali, sob as caixas de papelão que recolhiam.


Em vão.

domingo, 18 de julho de 2010

Craque (novamente ?) o Flamengo faz em casa

Marcelo Lomba? Diego Maurício?

Tomara.

Bancando o corneta: acaso necessário recuar tanto no segundo tempo?

Flamengo 1 x 0 atlético goianiense.

Valeu

SRN

Princípio da Bagatela

Este é um blog para falar do Flamengo, como já se sabe. E, justamente, pode praticamente tudo, da economia à política, passando até pelo futebol.
Leiam, portanto, a sentença judicial abaixo, que me foi enviada por Tadeu dos Santos.

SRN
Máximo

Trata-se de auto de prisão em flagrante de Saul Rodrigues Rocha e Hagamenon Rodrigues Rocha, que foram detidos em virtude do suposto furto de duas (2) melancias. Instado a se manifestar, o Sr. Promotor de Justiça opinou pela manutenção dos indiciados na prisão.


Para conceder a liberdade aos indiciados, eu poderia invocar inúmeros fundamentos: os ensinamentos de Jesus Cristo, Buda e Ghandi, o Direito Natural, o princípio da insignificância ou bagatela, o princípio da intervenção mínima, os princípios do chamado Direito alternativo, o furto famélico, a injustiça da prisão de um lavrador e de um auxiliar de serviços gerais em contraposição à liberdade dos engravatados e dos políticos do mensalão deste governo, que sonegam milhões dos cofres públicos, o risco de se colocar os indiciados na Universidade do Crime (o sistema penitenciário nacional)...


Poderia sustentar que duas melancias não enriquecem nem empobrecem ninguém. Poderia aproveitar para fazer um discurso contra a situação econômica brasileira, que mantém 95% da população sobrevivendo com o mínimo necessário apesar da promessa deste presidente que muito fala, nada sabe e pouco faz.


Poderia brandir minha ira contra os neo-liberais, o consenso de Washington, a cartilha demagógica da esquerda, a utopia do socialismo, a colonização européia....


Poderia dizer que George Bush joga bilhões de dólares em bombas na cabeça dos iraquianos, enquanto bilhões de seres humanos passam fome pela Terra - e aí, cadê a Justiça nesse mundo?


Poderia mesmo admitir minha mediocridade por não saber argumentar diante de tamanha obviedade.


Tantas são as possibilidades que ousarei agir em total desprezo às normas técnicas: não vou apontar nenhum desses fundamentos como razão de decidir.


Simplesmente mandarei soltar os indiciados. Quem quiser que escolha o motivo.


Expeçam-se os alvarás.


Intimem-se.


Rafael Gonçalves de Paula

Juiz de Direito

sábado, 17 de julho de 2010

"Pelé e Romário se salvaram, tá tranquilo?"


Este é o título do assunto do e-mail que o 28 acaba de mandar. Procurei pôr no corpo do texto o trecho escrito de caráter pessoal, certo de que o torna ainda mais elucidativo:

Máximo, seguinte:


"Tem dias que eu fico pensando na vida e sinceramente não vejo saída".

Daí não dá pra ouvir nem posso enviar-lhe o Vinícius que escuto, porque este computador está com problemas para anexar arquivos. Também anda com problemas na placa de som e ficou mudo. Mas, o pior não é isso. É que escuto em fita cassete, num gravador da telefunken que ganhei há 25 anos, naquele troço de mau gosto que é botar lista de presente de casamento em loja de shopping. Precisa limpar, é verdade, porque desde que me separei do segundo casamento isso aqui anda uma zona e é provável que a poeira até ajude a conservar esse dinossauro mecânico.
O diabetes deve estar mesmo me dissolvendo. Nunca fui desse tipo de papo e me surpreendo iniciando-o um e-mail que nada tem a ver com esse pieguismo de nenem-dodói. Mas, se puder, procura aí essa música que a mãe da minha filha me deu e escuta no computador enquanto lê o que acabei de escrever.
Achei que deveria, agora que a taxa cedeu e o raciocínio está claro e os pés desincharam, me permitindo ficar sentado aqui digitando este e-mail. Deveria, porque, na quarta, quando nos encontramos na 28, ao voltar do Maracanã do jogo contra os amarelos, não o tratei com a devida consideração de um irmão velho de rua. Além disso, sempre é bom não confundir pragmatismo com materialismo. Este é atuar pra mudar a realidade, tal como ela é (não do jeito que quer um anacronismo como o que irei me referir adiante) ; aquele simplesmente significa se dar bem dentro das regras do jogo, sem fazer nada para alterá-las. É o tal negócio: justamente a diferença entre ser Rubro-Negro e o resto, amarelos, de segunda, um e noventa e nove.

Pelé e Romário se salvaram, tá tranquilo?


Na entrevista do historiador Mário Maestri, ao Correio da Cidadania, retorna uma esquerda errada, equivocada de século, rejeitando a questão étnica, considerada um entrave à luta maior, a grande luta, a luta de classes.


Uma estratégia notadamente ineficaz, quando não contraproducente, desmobilizadora à correlação de forças.


O argumento, igualmente falacioso, sustenta que uma classe média negra representaria cooptação e retiraria da luta contingente expressivo indispensável ao combate ao sistema.


Uma vez pequeno-burgueses, teríamos negros reproduzindo a crença na ascenção social, alienados pelo mundo da mercadoria e instados ao engodo do individualismo empreendedor que já não pode mais salvá-los. Esquece-se Maestri da força da fantasmagoria e contrapõe um combate ingênuo, historicamente superado.

Moído como mercadoria, não ilude agora a propaganda de um negro de shopping.
Certamente não se acredita que basta subir no ônibus para se ter garantido o lugar na janelinha. Como disse o próprio Romário, num outro contexto, contexto da bola, a também exigir um exame, é preciso ser Romário para sentar na janelinha. De fato, Pelé, Romário, alguns mais, salvaram-se, entrando pela janela de um sistema que necessita lazer e admite, por isso, concessões.

À cooptação que teme Maestri reputa-se uma sofisticação que subestima a inteligência. O fetiche embalado em propaganda anda usado contra o próprio feiticeiro. Aproveita-se a chorumela da pós-modernidade que se apresenta em contradições que não precisam ser resolvidas. Permanecem empilhadas como fragmentos ecumênicos, em antinomia ao materialismo que é dialético e busca a síntese. Na síntese dialética existe um sentido unívoco, teleológico, a que tudo vincula, exatamente o que o pós-modernismo, pulverizado, não é.

Aí, meu irmão, a fraqueza desse troço: a pós-modernidade não se sustenta justo naquilo que faz a diferença que é o econômico. Pulveriza as formas de exploração, cancelando o cartum clássico (você que é desenhista sabe disso melhor do que eu) do operário de macacão e ferramenta, de um lado, e do outro, o burguês gordo, de terno e gravata, a maleta na mão estufada de dinheiro.
Entretanto, não ataca o núcleo da força do capital: propriedade dos meios de produção, divisão do trabalho, mercadoria.

A vida segue como mercadoria, pós-moderna ou não, circulante, comprada, vendida.

A ironia do vale-tudo pós moderno é porque, em última análise, permanece conservadora. E está também aqui a sua utilidade. Dialeticamente:

Na fragmentação pulverizadora, cabe encaixar o específico como uma forma de luta sem cancelar a luta de classes, de que o pós-moderno, conservador, se esquece e acaba por comungar com a reação.

O que Maestri que nos esclarecer expondo a luta maior, a luta de classes, da qual as demais são consequências, é o erro do argumento em favor de igualar pra competir. Não cabe nivelar o negro para a exploração. Enquanto a revolução não vem, os vasos sanitários, as caixas de supermercado, a banqueta de trocador de ônibus, o caminhão pra descarregar tijolo e areia são educativos e formam a têmpera em antinomia ao que o branco perdeu, envilecido pela proximidade do patrão.

O ar condicionado em que vive metido o dentista, ironicamente também vestido de branco, impede o suor que o Maguila e o Tysson, lá embaixo, no hall dos elevadores, na entrada do shopping, vertem vestidos de preto não só pra garantir a segurança, mas também para o próprio trabalho revolucionário.

Valeu, Máximo.

Se for útil, publica lá no Nação maior.


Saudações Rubro-Negras
28


sexta-feira, 16 de julho de 2010

Praxis Rubro-Negra, Noel e a Vila


Este é um blog sobre o Flamengo, para o Flamengo e, às vezes, a despeito do próprio Flamengo, um bem imaterial muito superior à própria instituição a que está circunscrito e, por isso, exposto.

Justo o Flamengo, a respeito de cuja imaterialidade é mais do que um suporte. Provavelmente Nele também se pensava quando se construiu a categoria de bem cultural não tangível. Podemos a partir do Flamengo praticamente tudo. Constituímos uma infinidade de conexões. Da economia à política, resumimos em Preto e Vermelho a cultura brasileira.

Aqui no Rio a Câmara Municipal reconhece a percepção e torna a Torcida Rubro-Negra patrimônio cultural da cidade. Somos na verdade a concisão nacional, porque críticos e autocríticos, no pensamento desse grande carioca, Carlos Lessa, em "Rio de Todos os Brasis", em que nos diz que "um mito, uma vez desconstruído, não é restaurável. O culto que consagrou a cidade maravilha tropical, com praias, lagoas e florestas por todos os lados foi dissolvido. O Rio, sem a liderança industrial e financeira e sem ser a sede do poder, dispersará alguns recortes ideológicos. O povo do Rio está em movimento restaurando a sua auto-estima".

A violência é a expressão pública da "cidade partida". Expostos ao que há de pior, no asfalto, na favela, devagar abandonamos a condição humana. Morremos sempre da bala precisa, no enfrentamento à soleira da porta, entre a legalidade e a ilegalidade, que, de resto, confundem-se.

O Rubro-Negro é uma construção de esquina. Lembra-me o cruzamento da Gonzaga com a Maxwell, que, na minha infância, pela quantidade de acidentes, me parecia o destino da morte. Os carros e os acidentes diminuíram de tamanho. Foi o que reparei a primeira vez em que a atravessei sozinho, a pedido de meu pai, a fim de comprar um maço de continental sem filtro. Na volta, ela me parecia ainda menor. Adiante, já quase chegando em casa, nem sequer mais uso os ombros do velho que eu usava às cinco da tarde de todos os domingos. Tenho a impressão de que o Flamengo é eterno. Não há nada antes daquelas tardes.

Outro dia, em homenagem a Noel, que, aliás, não era de bola, vieram com esse papo. Um passado muito bem arrumado. Esqueceram-se de que Vila Isabel, antes de tudo, nos cultiva o antipanegírico. Aliás, um erro uma Vila monolítica, unida contra o panegírico, ainda que contra o panegírico. No próprio Noel havia algo de trágico no sentido que este imprimia à própria vida. Noel não parecia interessado em compor uma “obra” nem armar um jogo com truques, mas em registrar como fosse, do jeito que viesse, ao estilo do Geraldo, assobiador, caminhando sobre a bola, na perspectiva do lugar em que se encontrava, que era Vila isabel.

Eis o flâuner de Benjamin. O andarilho urbano, em deslocamento, uma outra estética, material, árida, a se movimentar nesse novo mundo de mercadorias. Seu movimento é a própria matéria em que o flagrante, o instantâneo, predominam sobre a experiência acumulada na tradição.

Noel também não se coagulava.

Ser moderno na 28 era escrever antiparnasiano, simplificar o desenho como fizera Nássara, sem produções em que pingam gordura, cheias de pieguice de um Coelho Neto de segunda divisão, como textos de pastel chinês.

Noel chegou a escrever que o que falávamos “era brasileiro, já passou de português”. Contudo, Noel era de um modernismo tirante à Graciliano. Seus sambas eram revoluções formalmente clássicas. Um paradoxo, como tudo em Noel.

Se fosse o 28, leria o que acabei de escrever e diria que o diabetes está alto.

A. A. Brás Cubas & Macunaíma Futebol Clube

Associação Atlética Brás Cubas & Macunaíma Futebol Clube selam acordo: RUMO A 2014!

Por Luiz Ricardo Leitão
,
escritor e professor adjunto da UERJ. Doutor em Estudos Literários pela Universidade de La Habana, é autor de Noel Rosa: Poeta da Vila, Cronista do Brasil (lançado em 2009 pela Expressão Popular).


Se algum demiurgo burlesco convertesse os maiores ícones da malandragem de nossas letras em patronos de agremiações esportivas, os novos clubes decerto arrebanhariam inúmeros sócios entre as elites de Bruzundanga. Não é difícil prever que a fração secular da burguesia tropical que até hoje se comporta como herdeira de Brás Cubas (aquele defunto-autor cujas memórias foram dedicadas ao verme que pela primeira vez lhe roeu as frias carnes do cadáver) logo assumiria a direção da briosa entidade, ao passo que o grupo mais arrivista e solerte não hesitaria em eleger o Conselho Deliberativo do Macunaíma Futebol Clube (uma homenagem ao herói sem nenhum caráter que, com sua ambiguidade, mimetiza o mote da identidade nacional – esse velho fantasma que há muito assusta a intelligentsia da colônia).

Os sócios da Associação Atlética Brás Cubas até hoje preservam os costumes do seu protetor: gostam de zombar do povo com a mesma desfaçatez que o narrador de Machado de Assis reservava aos leitores e jamais se preocupam em honrar as promessas que, com rara grandiloquência e cinismo, enunciam na vida pública, fazendo corar até o defunto-senador Collor de Melo. Já os associados do Macunaíma F. C. são meros aprendizes na arte da maracutaia, que, apesar de sua eventual esperteza e picardia, se tornam o mais das vezes peças muito úteis para a execução das grandes ‘jogadas’ do capital nestas plagas. Tão preguiçosos e manhosos quanto o patrono, eles se deitam em berço esplêndido, sonhando em viver nas Oropas; à falta de saúvas, divertem-se decepando salários dos tapuias, mas, quando põem os olhos em dinheiro, se movem com extrema rapidez para dandar vintém...

A face mais óbvia da moeda

O Sr. Ricardo Teixeira, que desde 1989 segue à frente da CBF, seria um nome perfeito para a presidência honorária do clube. Há anos sua figura se associa às mais escusas negociatas do “país do futebol”: afilhado do todo-poderoso João Havelange (capo mor da FIFA de 1976 a 1998), com cuja filha esteve casado até 1997, Teixeira aprimorou-se na grande arte de mudar para não mudar (traço essencial da modernização sem ruptura nesta via periférica de capitalismo), sobrevivendo sem maiores sequelas aos inúmeros escândalos que colecionou na CBF. Após uma falida incursão pelo mercado financeiro (em sociedade com o próprio sogro, o pai e um irmão), ele fez da entidade seu balcão preferencial de negócios e, por isso, teve de responder a sucessivas denúncias de nepotismo e corrupção, que incluem convocações para duas CPIs no Congresso (a do Futebol e a da CBF-Nike) e investigações da Receita por omissão de declarações de rendimentos nos anos 90, além da importação irregular de equipamentos para a choperia El Turf, no Rio de Janeiro, depois da Copa de 94 e do histórico voo da muamba.

Enquanto a mídia da província e a nebulosa opinião pública debatem acirradamente quais são os “culpados” pela precoce eliminação dos soldadinhos de Dunga na África, especulando a todo vapor sobre o nome e o perfil (liberal ou disciplinador / discreto ou midiático?) do futuro técnico da seleção, o ambicioso “Rico” Terra porta-se como uma eminência parda em terras da Mãe África. Pouco importa se o time que ele representa já foi embora, amargando a segunda pior campanha desde a Copa de 90: 2014 já está logo ali, bem ao alcance dos consórcios e empresas que operam o futebol, sem dúvida a mais valiosa mercadoria da sociedade espetacular pós-moderna. Não é à toa que o Sr. Rico, há 21 anos no cargo, agora se apressa em pregar renovação (obviamente, só para o time e o técnico), sob a cúmplice chancela da TV Globo, a emissora ‘oficial’ da festa. De fato, há muito a faturar com a próxima Copa...

Que o diga a onipotente FIFA, que somente pelos direitos de transmissão do Mundial 2010 recebeu das redes televisivas a bagatela de 2,5 bilhões de dólares, mais que o dobro do que se pagou há quatro anos na Copa da Alemanha. O evento da África, aliás, parece ter sido o ápice da gestão mafiosa e Blatter & Cia: com cotas mínimas de US$ 240 milhões para cada sponsor (patrocinador, na língua do capital), logrou uma arrecadação total não inferior a US$ 3,4 bilhões, dos quais ‘míseros’ 30 milhões são destinados ao campeão do torneio. Graças à ‘magia da bola’, em meio a rumorosos casos de corrupção, suborno, compra de votos e desvio de ingressos (vale a pena ler o livro do jornalista esportivo Andrew Jennings, ainda inédito no Brasil, Foul! The secret World of FIFA), cresce o faturamento da entidade, que em 2009 obteve uma receita de US$ 1,059 bilhão, ao passo que os grandes clubes europeus acumulam centenas de milhões em dívidas (o deficit de Manchester United e Real Madri supera US$ 800 milhões!).

Cá na terrinha, Brás Cubas e Macunaíma já selaram seu acordo rumo a 2014. A Copa promete, sem dúvida, lucros fabulosos para as entidades promotoras e, como sempre, despesas infindáveis para o poder público, como bem o sabe a África do Sul, que continuará a pagar cifras astronômicas para custear o torneio (R$ 2,92 bilhões pelos estádios + 3,32 bi em transporte + 325 milhões por segurança, segundo informa o Ministério das Finanças de lá). Não é difícil prever o destino da tão decantada parceria público-privada (PPP), a fórmula mágica com a qual a tchurma de Teixeira justificou às nossas ‘autoridades’ o financiamento do convescote. A atual previsão de gastos para o evento em Bruzundanga já gira em torno de R$ 17 bilhões (estádios + transporte + infraestrutura urbana), além de R$ 5 bi para os aeroportos, um valor total duas vezes maior do que a despesa sul-africana. Quem pagará essa conta, Dilma?

A outra face imponderável do (vil) metal

Em meio às expectativas pela partilha dos contratos, há surdas e renhidas disputas políticas em jogo, como a sinuosa definição do estádio de abertura da Copa, um imbróglio de que participam desde os tucanos e demos paulistas até os aliados do Sr. “Rico”. O cenário, sem dúvida, é de dar dó: quando vejo Orlando Silva, Sérgio Cabral e outras sorridentes criaturas na telinha, logo ponho a mão no bolso, ciente do que nos aguarda. Depois de décadas de infortúnio com os governos do PMDB, desde o casal Little Rose & Little Boy até o atual Playboy, o Rio arcará com mais essa conta. Não faltarão, decerto, confete e serpentina para o carnaval de inverno, enquanto os professores permanecem há nove anos sem reajuste, com salários mensais de R$ 540,00 (culpa dos royalties do pré-sal!, diz o playboy), e o nível do ensino médio no estado disputa com Sergipe o último lugar no país (cf. os dados do IDEB 2009).

Contudo, ao contrário de alguns pares, desanimados com a pífia atuação dos canarinhos e com a enxurrada de maracutaias que se anuncia, vislumbro nos fatos mais recentes alguns sinais auspiciosos para o futuro. Não me incomoda o fascínio da pelota: nascido em um pacato subúrbio carioca e criado desde os dez anos na Vila de Noel, o futebol representa a primeira paixão de minha vida. Socializei-me nas peladas de rua e desde cedo me encantei com as artimanhas do jogo. Militante clandestino na luta contra o regime militar e torcedor do Botafogo de João Saldanha, Afonsinho e Paulo César Caju, jamais dissociei a política do futebol. Os embates que esses craques sustentaram contra os ‘donos da bola’ me ensinaram precocemente que nem tudo deve ser conformismo nas manifestações da cultura popular.

Por conta disso, escrevi esta semana em uma crônica que, apesar da Jabulani e do famigerado padrão toyotista do “futebol de resultados”, nem tudo é motivo para pessimismo no planeta-bola. A Copa da África, em especial, suscitou um intenso debate acerca das relações sociais e mercantis que gravitam ao redor do bilionário espetáculo. Até as mazelas desta era pós-moderna e biocibernética do capital nos foram expostas, como atesta o total desequilíbrio da França de Raymond Domenech, retrato da fratura étnica e social do país, onde a imigração pós-colonial africana assusta a ‘elegante’ burguesia e acirra as reações racistas dos torcedores, que, três dias após o vexame na África, invadiram a sede da Federação para exigir “uma seleção branca e cristã”, sem nenhum atleta negro ou muçulmano.

O próprio duelo entre Dunga e a mídia nos ensejou uma rara chance de refletir sobre o estágio em que se encontra a civilização de Bruzundanga, onde os atos de truculência e destempero são uma súmula irretocável do comportamento que as elites da colônia cultivam há séculos, hoje disseminado pelo conjunto da classe média e já visível em vários estratos populares. A turma de Brás Cubas e Macunaíma também não se esqueceu de destilar seu ódio de classe contra os vizinhos do Mercosul, mas, ao menos desta vez, o tiro parece ter saído pela culatra, como se viu na tosca matéria do Sportv sobre o Paraguai, tachado de “paraíso obscuro do mundo” pelo canal – a agressão, similar àquela que o tucano Serra fez à Bolívia de Evo Morales, gerou reação indignadas do público e um inédito pedido de desculpas ao vivo.

Malgrado o sucesso dos europeus, a Pátria Grande terá sido, afinal, a grande personagem da primeira Copa em solo africano. Além de belos gestos de fair-play dos atletas, atos como o apoio dos argentinos à indicação das Avós da Plaza de Mayo para o Nobel da Paz, ou a singela iniciativa uruguaia de firmar um acordo de intercâmbio técnico com seus anfitriões na África, indicam-nos que ainda há sinais de vida inteligente entre nós. Se o chauvinismo barato de Galvão & Cia parece estar em baixa e até Lulinha Paz & Amor já sugeriu à CBF que realize eleições de 8 em 8 anos, é bom que os donos da pelota não se esqueçam de que toda moeda possui o seu reverso – a contraface inelutável do (vil) metal.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Quebra Tudo, DJ !


Por Tadeu dos Santos

Algo parecido com uma festa está ocorrendo logo aqui ao lado. Tranco a porta, mas o som, tal e qual a água que nos escapa por entre os dedos, teima em forçar passagem e escandalosamente adentra minha casa.

Tocam Funk, tocam Funk.

Penso então:

- Oh! Como adoro Funk! Gosto dos momentos (quase todos) em que há muita letra pra pouca música e daí então o DJ, como se fora um narrador de corrida de cavalos dispara uma saraivada de palavras. Lembra superlotação de presídio, sabe? Ao final, o moço já um pouco sem fôlego, como uma afogado que vem à tona buscar ar, lança-se à parte seguinte, numa rotina que se repetirá até o, digamos assim, acorde final.

- Oh! Como adoro Funk! Gosto da adjetivação lançada às mulheres. E tome cadela, cachorra, vagaba e toda a variação que o tema comporta. E elas gostam. Talvez, diga-se, sejam os únicos viventes que conseguem gostar mais de Funk do que eu. Gosto da abordagem das letras. Fala-se muito de cachorra, de violência, de cachorra, de violência, de cachorra, de violência, de cachorra...

- Oh! Como adoro Funk! Ouço-o e não consigo vislumbrar que por trás de tudo aquilo haja alguém tocando violão, guitarra, bateria ou o que quer que seja. São geniais esses funqueiros acabaram com esse negócio de músico, basta um sample. Gosto demais da variação melódica, gosto da dicção dos DJs. Gosto de tudo, gosto de tudo...

Ouço daqui: Vou arregaçar você, vou arregaçar você, vou arregaçar você (e a coisa se repete ao infinito).

- Oh! Como gosto de Funk.

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E eis que nos chega a última e auspiciosa notícia a tratar do binômio MÚSICA/PATOLOGIA:
Equipe de Cientistas da Universidade de Oxford, Inglaterra, chefiada pelo Phd Chandler Geller descobriu que o funk tem potencial pra se transformar no genérico dos genéricos.
afirmam que reiterados testes demonstram que o ritmo em tela tem potencial apto a curar qualquer tipo de patologia.

Pacientes foram confinados numa cápsula e a seguir foram devidamente monitorados.

Um pequeno orifício permitia a entrada do som e sessões que se estendiam por 30 minutos revelaram-se suficientes para afastar doenças cujas curas não se figuravam sequer próximas.

Eis a lógica do tratamento: o som entra e as doenças saem. Simples, não?

Há, porém, um efeito colateral ainda não sanado pelos especialistas. É que os neurônios tem se aproveitado da fuga em massa das doenças e também tem se evadido.

Solucionado esse pequeno percalço, o tratamento estará disponibilizado em toda a rede hospitalar pública.

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Já diz o pessoal do Los Hermanos que todo carnaval tem seu fim. Também a Copa conheceu seu epílogo. Ainda bem.

A Suderj informa: sai o futebol-arte e entra a tecnologia.

É verdade, em meio à escassez de qualidade, eis que já não se bate de trivela, caminha-se por sobre a bola como antigamente e escasseiam os lençóis, a tecnologia diz presente.

E é um tal de câmera de última geração a dar conta do pedacinho de grama que sobe, do colorido maravilhoso das chuteiras, do close na expressão de dor ou alegria, das múltiplas e variadas expressões da torcida.

Em meio a tudo isso, eu pergunto: pra que futebol. Todo o arsenal tecnológico disponível está a tornar os jogadores algo despiciendo. Num futuro que se afigura muito próximo olharemos para o telão e não para o campo. Robinho será festejado por ser o precursor desta tendência. Tal e qual um Narciso acha feio o que não é espelho.

Findo o carnaval e eis que o que se segue não é a modorrenta quarta-feira de cinza. Uma outra nação volta ao campo. Tem nas cores o vermelho e o preto. Nos rincões desta Nação a mais bonita torcida do mundo é o substitutivo do mercantilismo do telão.

O time não é exatamente o ideal. Complementa-o, porém, a torcida. Isso não basta? O que importa. Faremos, vez mais, história a contrapelo.

terça-feira, 13 de julho de 2010

O Camarada Vermelho (e preto)

Tenho um conhecido chamado 28, que volta e meia aparece aqui, que não anda bem de saúde. O cara é diabético, teve de parar de fumar, de beber, de comer doce, que adorava. Somos da mesma geração e, quando moleques, jogávamos bola numa rua hoje inviável.

Não o via faz tempo.

Passando na Teodoro, esquina com a Gonzaga, ali em Vila Isabel, sai debaixo do orelhão um cara trocando as pernas, se escora na parede do botequim, parece que está bêbado e vai cair. Acelero o passo pra dar uma força:

"Tá tranquilo, tá tranquilo..."

Esperei pra ver se me reconhecia e vi logo que estava sóbrio.

"Valeu, meu irmão..."

Ainda dei mais um tempo, mas 28 não me reconheceu; talvez, pela impressão que tive, pela esforço que fazia pra firmar a vista.

O diabetes só ficou evidente pela receita que lhe caiu do bolso junto com a carteira. Uma outra folha, meio amassada, ainda tentou levantar voo, mas eu a travei com o pé. Pude perceber aquela mesma letra de chinês, dos velhos tempos dos campeonatos de botão, em que escrevia, à mão, com caneta nanquim, e colava com durex o nome de cada um dos jogadores do primeiro time do Flamengo que acompanhou campeão no Maracanã. De Renato, o Aranha, às vezes o Cantarelli, passando pelo gringo Doval, Geraldo, assobiador, que morreria dois anos depois, em 76, de uma mal contada operação de amígdalas. Zico, nem é preciso dizer, já se avizinhava um Monstro, Sagrado.

Se já era difícil entendê-la, a letra naquele papel que peguei do chão deve ter sido escrita por 28 quando a taxa estava alta. Havia virado uma espécie de garatuja e tinha alguma coisa a ver com Mao e o Flamengo, pois do que consegui decifrar havia um parágrafo em que começava dizendo do "camarada vermelho (e preto)", prosseguia indecifrável, ficava mais claro adiante quando vi que se tratava de um blog, ou algo semelhante:

"Este blog já tentou o prosélito, mas desistiu a tempo. Preferiu não aporrinhar - o que nos dá, pequenos burgueses infelizes, uma boa desculpa.
A divisão do trabalho conferiu ao suposto intelectual a ilusão de que vive fora da vida. Apenas fisicamente separado da produção, acredita que não mantém com ela vínculo algum. No máximo, um olhar generoso, solidário, entretanto, externo ao problema. O Zé roela crê firme que está livre dos mecanismos de exploração.
Com a Revolução Cultural, Mao acabou com a divisão do trabalho responsável pela ilusão que alienava. Todo mundo agora tinha de meter a mão na ferramenta. O trabalho intelectual se funde ao manual na produção da vida. Não há mais necessidade da separação entre os que trabalham e o os que pensam a respeito.
A sociedade virou horizontal, sem esquema tático, do goleiro ao ponta-esquerda."
É o seguinte, que é que importa: cinco anos sem fumar, sem beber. Só água. Mineral e com gás.
Doce? Sem chance."

Entreguei este manuscrito, a carteira e a receita de volta ao 28, que, de resto, não me reconheceu.

SRN

Os 11 Passos


Marx condenou a historiografia idealista que separa as ideias dos indivíduos dominantes que as criaram.

Mas, o tempo passou para o século XX, o sistema deixou o quintal da família e o idealismo se retoma necessário com as armas de destruição em massa.

O que o homem é, em virtude do que faz, do que pode fazer, diante da força da máquina de guerra?

O homem voltou a precisar de conceito.

É bem verdade que a abstração não é anteparo a um tiro de fuzil.

Ainda assim não custa.

Na bacia das almas do pátio dos milagres em que vira a vida, vale o alguidar com frango, o descarrego do macedo, apelo ao fetiche da salvação pelo poder do culto ao amuleto, qualquer um:

Val Baiano, Renato, Correa, o da cristaleira da mãe do meu vizinho gago.

Marxista que não consegue viver na realidade termina no AA.

E os doze passos são onze:

Raul, Leandro, marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico.

SRN