quinta-feira, 1 de julho de 2010

Telê


Copa de 82


Por Tadeu dos Santos

A Copa de 1982 foi realizada na Espanha. Era a 12ª edição e a 1ª a contar com 24 seleções. Todos tinham ainda na memória as imagens estampadas pela Copa anterior realizada na Argentina. Ali mais uma vez foi possível verificar o quanto pode ser nefasta a combinação futebol /política. Aristotelicamente, alguns dirão que a política é onipresente. É verdade. No entanto, os limites tácitos que até então eram observados foram ultrapassados e a produção de resultados passou a dar sustentação ao governo. Nada de novo sob o sol. Colocar a esporte a reboque de interesses políticos (normalmente inconfessáveis) era prática coberta pela poeira do tempo. Nossos hermanos, porém, obtiveram êxito.

Além do conhecidíssimo mascote – o naranjito -, a copa tinha em seu cartaz uma belíssima pintura de Miró. Uma verdadeira obra-de-arte. Ela não seria a única obra-prima que se daria a conhecer naquele Mundial. Havia outra pintada em tons de verde e amarelo. O mestre que manejava os pinceis atendia pelo nome de Telê Santana. Era uma feliz combinação daqueles mestres renascentistas que tinham por costume a entrega à perfeição do traço e a proporcionalidade das formas com aqueles que se davam às abstrações, que não se limitavam a pintar aquilo que se insinuava aos olhos, mas à fantasia, ao onírico.

Foi tamanha a força da beleza presente naquela pintura-seleção que ela passou a ser paradigmática. Foi eleita alvo preferencial dos adoradores do feio, da força bruta, do resultado a qualquer custo. Deixemos, por ora, as analogias de lado e vamos recontar essa história.

O time que fizera a opção preferencial pela beleza sucumbiu ante a eficácia da famosa retranca italiana. O placar foi Itália 3 x 2 Brasil. O passo seguinte foi o lançamento de todas as loas possíveis e imagináveis à competitividade italiana e a consequente condenação do futebol baseado na beleza. Atrelou-se, a partir de então, a beleza à derrota. Em 1986, dar-se-ia um novo insucesso e não fosse a presença de Maradona, a tese do “ser feio é bom demais” teria selado definitivamente a discussão.

Prosseguíamos sem vencer e em 1994 completaríamos 24 anos sem títulos. No entanto, aquela geração capitaneada por Dunga venceu (e o futebol perdeu). Ao contrário da campanha de 1982, na de 1994 foi exibido um futebol à europeia, com forte marcação, ausência de meias e, portanto, criatividade. Vem daí o caráter paradigmático daquela seleção de 1982.

Armando Nogueira afirmou que em 1982 a seleção brasileira perdeu, mas o futebol ganhou. Modestamente, já afirmamos que apenas os que deixaram de enxergar o essencial, a beleza, conseguem achar que perdemos em 1982. Um jogo de futebol é mais do que o placar que estampa ao final.

Falemos dos personagens presentes na pintura do mestre Telê:

Leandro – Estava devidamente habilitado a ocupar todas as posições da defesa. Era um exuberante zagueiro e, certamente, o maior lateral que meus olhos miraram (e como sou grato por isso). Ainda ao berço uma voz se fez ouvir: Vais crescer e em ti se fará morada a categoria. Dito e feito.

Falcão – Era esguio, trazia a cabeça sempre erguida e os olhos postos no céu. Fizera com a bola um pacto vazado em uma cláusula apenas: és minha e eu sou teu. O maravilhoso corta-luz para o missil de Éder e o chute de canhota contra Itália foram duas pinceladas que só os amantes do futebol que se quer arte conseguem atinar o alcance.

Júnior – Nobre representante de uma posição que já conhecera Nílton Santos e Marinho Chagas (bruxa). O 3º gol diante da Argentina poderia ter sido feito por qualquer um dos três. Júnior, com certeza, não se importa em dividir a autoria. Afinal, gol bonito é sempre uma obra aberta.

Socrates – Era alto e como dava muito trabalho virar o corpo deu ao calcanhar uma atribuição nunca antes imaginada. A um só tempo livrava-o de girar o corpo e surpreendia o adversário. Mas não era um toque qualquer. Era belo. A bola meio que se encaixava nas reentrâncias do pé e daí, livre dos limites impostos pela visão, seguia seu destino.

Zico – Era dele a responsabilidade de vestir a camisa 10 e não foram poucas as comparações. Passou a ser o representante maior de uma geração que jogava bonito mas não ganhava. Tudo isso se agravou no insucesso de 1986. Zico, na realidade, disputou apenas a Copa de 1982. No mundial de 1978, machucou-se no jogo contra a Polônia e no de 1986, voltava de uma longa inatividade. Era craque em todas as acepções que o termo comporta. Exímio cobrador de falta, perfeito nos dribles, preciso nos passes e excelente nas cabeçadas. Amava o futebol e a bola e por isso, dominava com maestria todos os fundamentos ínsitos ao esporte. O amor que diuturnamente lhe dedica a maravilhosa torcida rubro-negra, bem como o respeito que sempre mereceu até mesmo das torcidas rivais seriam mais do que suficientes a redimi-lo das culpas que alguns lhe imputam.

Os tempos eram outros e todos os nossos jogadores, à exceção de Falcão, atuavam no Brasil. Quando retornaram o povo fez questão de mostrar que se derrota houve, ela era daquele tipo que enche de orgulho o derrotado. No fundo, no fundo, havíamos vencido, mas uma miopia coletiva escorada no utilitarismo turvava as vistas ao essencial.

Em 1997 o Estádio Sarriá (palco daquele fatídico Brasil x Itália) foi demolido. Tornara-se um lugar mal assombrado e de triste lembrança. Afastamos dos olhos o que teimosamente ainda nos atazana a mente.

Ah! Quase esqueci alguns dados. A Itália “ganhou” a Copa e a Alemanha foi vice. Mas tudo isso fica à conta dos detalhes. O essencial quase nos escapou, mas o resgate além de urgente é ainda possível.

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