sábado, 17 de julho de 2010

"Pelé e Romário se salvaram, tá tranquilo?"


Este é o título do assunto do e-mail que o 28 acaba de mandar. Procurei pôr no corpo do texto o trecho escrito de caráter pessoal, certo de que o torna ainda mais elucidativo:

Máximo, seguinte:


"Tem dias que eu fico pensando na vida e sinceramente não vejo saída".

Daí não dá pra ouvir nem posso enviar-lhe o Vinícius que escuto, porque este computador está com problemas para anexar arquivos. Também anda com problemas na placa de som e ficou mudo. Mas, o pior não é isso. É que escuto em fita cassete, num gravador da telefunken que ganhei há 25 anos, naquele troço de mau gosto que é botar lista de presente de casamento em loja de shopping. Precisa limpar, é verdade, porque desde que me separei do segundo casamento isso aqui anda uma zona e é provável que a poeira até ajude a conservar esse dinossauro mecânico.
O diabetes deve estar mesmo me dissolvendo. Nunca fui desse tipo de papo e me surpreendo iniciando-o um e-mail que nada tem a ver com esse pieguismo de nenem-dodói. Mas, se puder, procura aí essa música que a mãe da minha filha me deu e escuta no computador enquanto lê o que acabei de escrever.
Achei que deveria, agora que a taxa cedeu e o raciocínio está claro e os pés desincharam, me permitindo ficar sentado aqui digitando este e-mail. Deveria, porque, na quarta, quando nos encontramos na 28, ao voltar do Maracanã do jogo contra os amarelos, não o tratei com a devida consideração de um irmão velho de rua. Além disso, sempre é bom não confundir pragmatismo com materialismo. Este é atuar pra mudar a realidade, tal como ela é (não do jeito que quer um anacronismo como o que irei me referir adiante) ; aquele simplesmente significa se dar bem dentro das regras do jogo, sem fazer nada para alterá-las. É o tal negócio: justamente a diferença entre ser Rubro-Negro e o resto, amarelos, de segunda, um e noventa e nove.

Pelé e Romário se salvaram, tá tranquilo?


Na entrevista do historiador Mário Maestri, ao Correio da Cidadania, retorna uma esquerda errada, equivocada de século, rejeitando a questão étnica, considerada um entrave à luta maior, a grande luta, a luta de classes.


Uma estratégia notadamente ineficaz, quando não contraproducente, desmobilizadora à correlação de forças.


O argumento, igualmente falacioso, sustenta que uma classe média negra representaria cooptação e retiraria da luta contingente expressivo indispensável ao combate ao sistema.


Uma vez pequeno-burgueses, teríamos negros reproduzindo a crença na ascenção social, alienados pelo mundo da mercadoria e instados ao engodo do individualismo empreendedor que já não pode mais salvá-los. Esquece-se Maestri da força da fantasmagoria e contrapõe um combate ingênuo, historicamente superado.

Moído como mercadoria, não ilude agora a propaganda de um negro de shopping.
Certamente não se acredita que basta subir no ônibus para se ter garantido o lugar na janelinha. Como disse o próprio Romário, num outro contexto, contexto da bola, a também exigir um exame, é preciso ser Romário para sentar na janelinha. De fato, Pelé, Romário, alguns mais, salvaram-se, entrando pela janela de um sistema que necessita lazer e admite, por isso, concessões.

À cooptação que teme Maestri reputa-se uma sofisticação que subestima a inteligência. O fetiche embalado em propaganda anda usado contra o próprio feiticeiro. Aproveita-se a chorumela da pós-modernidade que se apresenta em contradições que não precisam ser resolvidas. Permanecem empilhadas como fragmentos ecumênicos, em antinomia ao materialismo que é dialético e busca a síntese. Na síntese dialética existe um sentido unívoco, teleológico, a que tudo vincula, exatamente o que o pós-modernismo, pulverizado, não é.

Aí, meu irmão, a fraqueza desse troço: a pós-modernidade não se sustenta justo naquilo que faz a diferença que é o econômico. Pulveriza as formas de exploração, cancelando o cartum clássico (você que é desenhista sabe disso melhor do que eu) do operário de macacão e ferramenta, de um lado, e do outro, o burguês gordo, de terno e gravata, a maleta na mão estufada de dinheiro.
Entretanto, não ataca o núcleo da força do capital: propriedade dos meios de produção, divisão do trabalho, mercadoria.

A vida segue como mercadoria, pós-moderna ou não, circulante, comprada, vendida.

A ironia do vale-tudo pós moderno é porque, em última análise, permanece conservadora. E está também aqui a sua utilidade. Dialeticamente:

Na fragmentação pulverizadora, cabe encaixar o específico como uma forma de luta sem cancelar a luta de classes, de que o pós-moderno, conservador, se esquece e acaba por comungar com a reação.

O que Maestri que nos esclarecer expondo a luta maior, a luta de classes, da qual as demais são consequências, é o erro do argumento em favor de igualar pra competir. Não cabe nivelar o negro para a exploração. Enquanto a revolução não vem, os vasos sanitários, as caixas de supermercado, a banqueta de trocador de ônibus, o caminhão pra descarregar tijolo e areia são educativos e formam a têmpera em antinomia ao que o branco perdeu, envilecido pela proximidade do patrão.

O ar condicionado em que vive metido o dentista, ironicamente também vestido de branco, impede o suor que o Maguila e o Tysson, lá embaixo, no hall dos elevadores, na entrada do shopping, vertem vestidos de preto não só pra garantir a segurança, mas também para o próprio trabalho revolucionário.

Valeu, Máximo.

Se for útil, publica lá no Nação maior.


Saudações Rubro-Negras
28


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