sábado, 31 de julho de 2010

Nação Maior Carioca


Por tadeu dos Santos

Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Marco Antônio e Cleópatra, Baltazar Sete Sóis e Blimunda, Sid Vicious e Nancy, Shah Jahan e Mumtaz Mahal, Frida Kahlo e Diego Rivera, Sartre e Simone, Dom Quixote e Dorotéia. Como visto a literatura e também a realidade são pródigas na produção de histórias envolvendo casais. A uni-los e separá-los a tragédia, a política, as drogas, os interesses comuns. Estamos prenhes de visgo; somos imantados. Tendemos à vida, e vivos buscamos a completude no outro.

David Lynch cineasta norte-americano, diretor de Cidade dos Sonhos (Mullhoand Drive – 2002) um verdadeiro desafio em que realidade e sonho parecem desconhecer qualquer fronteira, produzido sob medida à subversão da linguagem hollywoodiana, decidiu cair na estrada em 2009 e ao longo de 37 mil quilômetros foi ouvindo quem encontrava pela frente. Pretendia demonstrar (e conseguiu) que nem tudo é tão comum no dia a dia das ditas pessoas comuns.

A realidade surpreende. Comprova-o Lynch, alguém tão pouco afeito às questões facilmente submetidas aos rigores da lógica e que rendeu preciosas loas ao onírico. Não nos entreguemos ao canto sedutor dos opostos, passemos ao largo do preto e do branco. Realidade e sonho estão por aí a buscar elos. A argamassa que une os aparentes opostos comporta fartas doses de amor, ódio, atração, repúdio e desengano.

Conta e reconta-se a saga dos casais; tanto os reais quanto os fictícios. Os pontos ora são acrescidos, ora retirados. Temos ao final o maduro fruto do imaginário coletivo e as histórias findam por dizer mais do que as contam do que daqueles que ao início eram os agentes da trama.

O tanto que se conta e o muito que se cala talvez atribuam contornos outros a história que narraremos. É uma história de amor, de entrega, de comunhão. Se informada pela realidade ou moldada pelo sonho não nos é dado dizer. Somos parte desse amor e assim não portamos a isenção necessária à classificação. Que digam os outros.

Bons casais são orgânicos. Não se sabe onde começa e termina cada um dos partícipes. Vê-se um e não dois e se aqui descemos à tradição das narrativas é porque há de se facilitar a compreensão. Que fique claro, pois, que o ele e ela estão fundidos. Sabemos também da inutilidade do alerta que ora fazemos. Aqueles que não se deixam contaminar pela estreiteza do que se apresenta aos olhos, sabem que onde se enxergam dois, há na realidade um, apenas e tão somente, um.

Ela já ia entrada em anos. Conhecera já Zizinho, Dida, Evaristo, Domingos da Guia. A lista é longa e por aqui pararemos. Não convém que se lhe atribuam o epíteto da vulgaridade. Não o era. Amara e até onde se nos dá esse é hábito dos mais salutares.

Era famosa por sua beleza. Tinha uma alegria contagiante. Levava a assistência ao êxtase. Extasiava-se a todos e tinha por hábito lançar enfeites ao corpo sempre que se encontrava com o amante. E os enfeites eram vermelhos e pretos. Rubro-negro, pois.

Em 03 de março de 1953 ele nascia. Na certidão lançaram nome de rei, Arthur, Arthur Antunes Coimbra. Estava à ela destinado e talvez por isso quis o destino que o primeiro encontro ocorresse já em 1971. A côrte se fez com conquistas. Dedicou-lhe o Estado, o país, o continente e o mundo. Não conhecia impossibilidades esse amor.

Era um romântico incurável. Dedicara à amante 508 poemas. Entram na categoria de antológicos aqueles intitulados Iugoslávia, Paraguai e vários outros cuja menção é evitada em nome do culto à perfeição. Nomes menores, sem dúvida. Em cada um deles a coroação do quanto havia de recíproco naquele casal.

Encontravam-se amiúde num palco inaugurado em 1950. Dizem alguns que a construção daquele local deveu-se a um evento ocorrido naquele mesmo ano. À esta altura sabemos que não. Num momento fazia-se praça do interior onde num afastado banco os poemas-gols seriam escritos. Era o locus da comunhão, da entrega. Já ao alicerce estavam a ambos atrelados. E vieram os tijolos e os homens a juntá-los com o cinza da massa. Sabia-o o pedreiro, o mestre e todos os passantes que o ar que ali se respirava trazia as boas novas do amor ainda não conhecido.

Houve em meio a tudo o que ora se narra um curto momento de separação. Ia ter a terras distantes e por lá falaria do amor que os unia. Falaria do quanto amavam o belo. Tentaria espalha-lo, fazê-lo moeda única a circular. Olhos contaminados pela objetividade foram unânimes em dizer do fracasso da expedição. Aos olhos da amada, contudo, ele voltara coberto pelos louros da vitória. Em 1986 uma nova empreitada. Tinha então o corpo eivado das marcas feitas por gente alheia ao belo. Dizem que sucumbiu, não é verdade. No retorno a acolhida costumeira.

Outro hiato na história que ora contamos teve início em 1983. Já em 1985, retomavam o que a ninguém era dado separar. E tudo prosseguia como se nem por um dia sequer um houvesse deixado de mirar o olho do outro.

Esse amor não conheceu a finitude. Fez-se árvore frondosa. Frutificou e está em toda a parte.

Seus herdeiros frequentam o velho palco e é ali que as juras de amor são renovadas. Elas fortalecem o amor mítico e renovam a história do mais perfeito caso de amor existente entre uma torcida e seu ídolo.

Tristão e Isolda, Romeu e Julieta, Marco Antônio e Cleópatra, Baltazar Sete Sóis e Blimunda, Sid Vicious e Nancy, Shah Jahan e Mumtaz Mahal, Frida Kahlo e Diego Rivera, Sartre e Simone, Dom Quixote e Dorotéia, Zico e Nação Maior Rubro-Negra.

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