A
organização do esquecimento, a pedra no passado, logo a seguir à transição
política de 84, encontra no tempo um aliado a favor do nivelamento de memórias,
com o que lucra a lembrança da ditadura militar-empresarial recente, manifesta
em faixas e cartazes como o que vimos anteontem, na disputa por interpretar o nosso
passado traumático de poucos anos atrás.
Esta "Escola sem partido" é uma excrescência fruto dessa amnésia da memória política
Uma pergunta prosaica: como é possível trabalhar a História sem falar de política?
SRN
GT Ensino de História e Educação – ANPUH-RJ
Tramitam, em
diferentes Câmaras de Vereadores e Assembleias Legislativas pelo Brasil,
propostas de lei que instituem, no âmbito dos sistemas municipais e estaduais
de ensino, o “Programa Escola Sem Partido”. Tramita também na Câmara das
Deputados a proposta de lei 867 de 2015 que inclui, entre as diretrizes e bases
da educação nacional, o "Programa Escola sem Partido". Tal “programa”
foi criado pela organização homônima e constitui um ataque direto a qualquer
projeto de educação emancipadora e crítica, mesmo porque a organização em
questão defende que os professores não são educadores.
No site do Escola Sem Partido, é indicado para
leitura o livro “Professor não é educador”, de autoria de Armindo Moreira, que
serve de embasamento teórico para as suas propostas. Esse livro propõe uma
dissociação entre os atos de educar e instruir, defendendo que a escolas e
professores não devem educar, apenas instruir. Opomo-nos veementemente à
dissociação entre os dois atos, uma vez que ela vai totalmente contra o
fundamento do projeto educativo que defendemos.
No mesmo site,
encontra-se disponível a cartilha intitulada “Flagrando o Doutrinador”, que
expõe a tônica da proposta desta organização: apresentar os professores que
investem em um processo educativo que dialoga com a realidade do aluno como
criminosos que devem ser denunciados. Essa cartilha traz uma lista de
características que deveriam ser buscadas na atividade docente para fazer as
denúncias contra os professores. A primeira delas diz o seguinte:
“Você pode
estar sendo vítima de doutrinação ideológica quando seu professor se desvia
frequentemente da matéria objeto da disciplina para assuntos relacionados ao
noticiário político ou internacional”.
Outra
dissociação que combatemos veementemente: a oposição entre a “matéria objeto da
disciplina” e os “assuntos relacionados ao noticiário”. O Escola Sem Partido
assume uma concepção de “educação” na qual os alunos constituem uma “audiência
cativa” aprisionada em uma sala de aula, isolada da realidade do mundo que a
circunda, na qual é objeto da maquinação maquiavélica de doutrinadores
meticulosos. Isso é um absurdo! A educação não pode ser dissociada da
instrução! A realidade dos alunos, os fatos que estão acontecendo no mundo e
são relatadas nos noticiários, são a matéria do diálogo aberto que existe
dentro da sala de aula, diálogo este no qual alunos e professores trazem as
suas experiências cotidianas e seus saberes para constituírem JUNTOS o conhecimento
escolar.
E qual é a
solução para o problema criado pela própria visão deturpada do processo
educativo do Escola Sem Partido? O “Programa Escola Sem Partido”, que estas
propostas absurdas querem incluir na própria lei de diretrizes e bases da
educação e instituir nos sistemas de ensino no Brasil inteiro! E qual é a
grande proposta prática deste “programa”? Uma lista com os “Deveres do
Professor”, com 70 centímetros de altura por 50 centímetros de largura a ser
afixada em todas as salas de aula do Brasil. Existem coisas tão mais urgentes a
serem exibidas nas paredes de nossas escolas! Por que não fixar o valor dos
recursos nacionais que deveriam ser dedicados anualmente para educação em
oposição aos efetivamente recebidos? Por que não descrever para os alunos as
condições básicas de infraestrutura que deveriam estar presentes em todas as
escolas do Brasil? Por que não os informar que uma educação pública, gratuita e
de qualidade é direito de todos?
Eis um dos
tais “deveres do professor”: o professor não deve estimular “seus alunos a
participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. Agir em concerto com
outros no espaço público é parte essencial da vida em um regime democrático. A
aprovação dessa proposta – seja em âmbito municipal, estadual ou federal –
constitui uma afronta a um projeto de educação que forme os alunos para a
atuação em uma democracia, na qual as manifestações são condição para a vida
política.
As
organizações, associações e instituições subscritas abaixo, por conta do
exposto nesta carta, repudiam veementemente todas as propostas de lei que visam
instituir o “Projeto Escola Sem Partido”.
Qualquer outra
organização, associação ou instituição que deseje assinar esta carta de repúdio
deve enviar um e-mail para gtensinodehistoriaanpuhrj@gmail.com
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