terça-feira, 4 de agosto de 2015

“Os talentos pertencem à indústria cultural muito antes que esta os apresente; ou não se adaptariam tão prontamente.” (ADORNO, 2009: 6)

A 31de março de 1983, portanto há 19 anos do golpe (na realidade, este se consumou a primeiro de abril de 1964, mas não ficava bem...), o jornal O Estado de São Paulo publicava à página 18 que a “Democracia Corintiana” poderia acabar. Aliás, era pouco mais ou menos este o título da matéria: “A Democracia Corintiana pode acabar” .

Vindo de onde veio, do mundo do futebol, a iniciativa de um coletivo de  jogadores surpreendia. Sócrates, Vladimir e Casagrande também eram uma interrogação para o modelo político da transição tutelada.

O que é notável, na leitura de outra reportagem que ocupa a edição do dia anterior, 30/03/84, também do Estado de São Paulo, à página 21, sob o título “A democracia que Travaglini não quis”, é a abordagem. Percebe-se o esforço por encontrar elementos que ponham em xeque a experiência no Parque São Jorge. A ênfase no constrangimento do treinador Travaglini, interpretado como uma contenção de quem quer se abster de fazer uma denúncia grave. Travaglini, entretanto, revela grandeza, não se deixa instrumentalizar. Não se considera nem uma ‘vítima’ nem um ‘mártir da democracia (...) afinal, ajudei a construir esse projeto. Sinto que faço parte dele.”

Havia, ao que parece, um desgaste. Entretanto, cabia compreendê-lo no processo de aprofundamento da democracia direta. Travaglini não havia sido escolhido pela conjuntura. Portanto, fazia todo sentido a declaração de Sócrates à reportagem, uma das caixas na mesma página, intitulada “Sócrates; ‘nosso movimento está fortalecido.’”

“Sócrates afirmou que Mário não foi escolhido pelos jogadores, coisa que agora acontece com Zé Maria, ‘o que aumenta a responsabilidade de todos porque é um passo à frente no trabalho que estamos desenvolvendo.’”

Faz hoje pouco mais ou menos 30 anos.

O lazer na sociedade industrial capitalista não passaria, pois, de entretenimento, daquilo de que o trabalhador precisa a fim de passar o tempo, enquanto descansa antes de trabalhar no dia seguinte. Esta era a tese de Adorno, em seu livro “A Indústria Cultural e a Sociedade”, publicado pela Paz e Terra, em 2002. Tese já criticada, pois a diversão não está apenas no entretenimento. Pode vir acompanhada de compreensão. Talvez, ajude a mudar a vida. E o grande mérito de Sócrates, em que pese suas contradições – contradições, de resto, que todos temos: fez do futebol um lazer crítico. 

Justo a negação da Fifa.

SRN




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